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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O salto de Marina pode ser mortal

Por Osvaldo Bertolino
Fundação Maurício Grabois
Quando se fala das contradições de Marina Silva, está se falando de algo que vai muito além das suas tergiversações sobre as questões gerais do país. 
Ao analisar o seu "Programa de Governo", o que emerge é um amontoado de proclamações sem nenhum lastro com os anseios populares por mudanças efetivas.

No cartapácio que a candidata presidencial Marina Silva apresentou como “Programa de governo — plano de ação para mudar o Brasil”, são muitas as equações que não fecham. 

Uma das mais flagrantes é a “democratização da democracia”, que seria a combinação dos “movimentos sociais históricos com as mobilizações que surgem por meio de novas tecnologias”.

 Para levar a “democratização” à prática, o Estado deverá passar por uma “reorganização”, abrindo espaço para “quatro âmbitos de relacionamento com a sociedade: as instituições políticas, a administração pública, as relações federativas e a soberania democrática”. Como fazer essa verdadeira revolução democrática não está dito.

Na mídia, que com sua proverbial obsessão de derrotar Dilma Rousseff amplifica tudo o que sai da boca da oposição, Marina Silva tem sido ainda mais obscura. 

Nos debates, contudo, ela tem dito que a presidenta vende um país maravilhoso no plano cinematográfico, advogando, com seu habitual contorcionismo verbal, o que a direita empedernida considera “assistencialismo” — ou populismo — com a população mais pobre. 

Dessa forma, Marina Silva ajuda a estimular a discriminação de uma parte significativa dos eleitores da candidata Dilma Rousseff.

Uma artificialidade

Ela e a mídia omitem — ou manipulam — que o mesmo princípio do que chamam de "populismo" e "assistencialismo" serve para o "Bolsa Banqueiro", que transfere uma quantidade gigantesca de recursos da sociedade para o sistema financeiro — sem contar os incentivos ao setor produtivo e tantos outros mecanismos de facilitação de crédito e investimentos (a redução do IPI para a indústria automobilística, para citar um exemplo).

O bestialógico consome papel, tinta, espaço na TV e uma quantidade ainda maior (e ainda menos aceitável) de graves reflexões vindas daquilo que se poderia chamar deintelligentsia nacional — a soma de quem produz e de quem consome informação no país. Intelligentsia? Mais apropriado seria dizer burritsia

A polêmica se alimenta da aparente incompetência que se apresenta como uma característica irremediável, quase genética, que marca tudo aquilo que a grossa maioria dos ''analistas'' políticos que frequentam a mídia comenta.

Escrevo aparente incompetência porque no fundo o que há é descarada manipulação ideológica. 

Os “analistas” — figuras inventadas com o propósito de emprestar credibilidade às manipulações — estão dizendo que os votos dos pobres em Dilma são consolidados, mas que Marina Silva pode avançar sobre o eleitorado de “classe média”. 

Nas entrelinhas, tentam dizer que agora é a hora de uma virada para a redenção de uma situação criada por um povo que escolheu mal o destino do país em 2002, 2006 e 2010. É uma falácia, está claro.

Supunha-se até há bem pouco tempo, no entanto, que Dilma imporia margens folgadas sobre seus adversários. 

O que de substancial ocorreu para a mudança? 

Nenhum fato, fora a armação da conhecida pregação golpista, colocou a gestão de Dilma à prova (considere-se que o capital político da presidenta é sólido: sobreviveu, incólume, a denúncias de toda ordem inventadas pela mídia). 

O que, afinal, na véspera das eleições, foi decisivo para catapultar Marina Silva, uma candidata estigmatizado por sua mediocridade, à condição de abalar as certezas eleitorais de Dilma? 

A morte trágica de Eduardo Campos contou muito, evidentemente, mas ela apenas se apoiou no caso para dar esse salto.

Previsibilidade dos resultados

Houve, sem dúvidas, muita demagogia barata por parte da mídia para catapultar Marina à posição de Joana d’Arc. E muita desinformação, falta de seriedade com a importância do voto. 

Marina Silva, por sua vez, optou por uma tática de campanha de baixa reputação, o que faz lembrar 1989. À época, Collor e Lula se digladiaram até o último dia de campanha.

 Havia uma tensão magnetizando o país. O horário eleitoral na televisão teve boa audiência e os debates entre os candidatos atraíram doses maciças de atenção. 

Foi a campanha do show democrático, do confronto aberto, do engajamento, das paixões. As eleições eram para ser decididas nas ruas, mas foram ganhas no grito.

De novo, a direita grita. Assim como em 1989, ela quer ganhar no verbo, na rasteira, na trapaça. 

A razão básica disso é que os bons índices de aprovação do governo Dilma deram à candidata Dilma uma posição quase imbatível nas pesquisas de intenção de voto. 

A reeleição da presidenta tendia a seguir os rumos da campanha da eleição e reeleição de Lula em 2002 e 2006, e a sua própria eleição em 2010, quando a inapetência da oposição por um projeto minimamente palatável consolidou a previsibilidade dos resultados eleitorais. 

Mesmo em 1994 e 1998, a vitória da direita só foi possível por conta de um poderoso cabo eleitoral: o Plano Real e sua exploração midiática.

Terreno marrom

Na contramão deste movimento que tenta desviar o Brasil do rumo da maturidade eleitoral, está a política propriamente dita, o debate partidário que se estabelece no país. 

O ponto aqui, no entanto, é que o salto eleitoral de Marina encerra uma verdade: a luta política não admite cochilos. 

Passada o efeito surpresa, é chegada a hora da contraofensiva. As intenções de volto em Dilma mostram que a maioria do eleitorado não está disposta a trocar o futuro pelo passado.

 Ou por outra: chegou a hora de o time do trabalho, da democracia, da distribuição de renda e da soberania nacional polir as chuteiras, redefinir a ordem tática e retomar a ofensiva.

É preciso dizer com todas as tintas que um debate eleitoral sério deve ser intransigente com a ética e com a verdade. 

Fora disso, tudo o mais é demagogia. Em 1989, Lula não desceu aos subníveis do discurso político de Collor. 

Collor recusou-se a debater com Lula, pautou suas intervenções pela frase de efeito e pelo que seu público-alvo queria ouvir, não por seu projeto para o país, e lançou mão de expedientes sórdidos de campanha sempre que os julgou necessários. Ganhou. 

Lula norteou sua campanha, de modo geral, pela ética de não atacar os adversários pessoalmente e pela transparência de dizer francamente o que iria fazer na Presidência. Foi taxado de ingênuo por tender à verdade e de despreparado por não contra-atacar Collor em seu terreno marrom. Perdeu.

Discurso inconsequente

Hoje, a campanha tende a se afunilar por aí. Dilma deve contra-atacar Marina ou continuar se preocupando somente com o futuro do país? 

É uma falsa contradição, está claro. Só que do tipo que pode influir decisivamente no resultado das eleições.

 Primeiro, porque as mentiras da direita são imediatamente amplificadas pela mídia. 

Segundo porque o salto de Marina é de ordem mais específica; trata-se de uma guinada do discurso político da direita, agora francamente adapatado às especificidades da candidatura Marina. 

Ela, por sua vez, munida com esse discurso, está ainda mais pragmática, menos politicamente correta, mais matreira, mais capciosa; não passa verdade em seu olhar.

Podemos, contudo, desmontar as “verdades” de Marina por uma série de razões. 

Sua pregação contra o papel do Estado na economia, seu descompromisso com as necessidades do povo — seja no apoio às privatizações, seja na defesa dos interesses do grande capital, seja nas críticas aos investimentos nos programas sociais — bastam para desmascará-la. 

Por isso, ela tende a se concentrar nos ataques pessoais a Dilma e se refugiar na mídia. Se fizesse diferente, a experiência diz que perderia. 

Nesta campanha, Marina, assim como ocorreu com Collor em 1989, ajudada despudoradamente pela mídia, foge de assuntos fundamentais para o futuro dos brasileiros e do país, faz pose e sorri falso. Olha sempre para a câmera certa e quer ver o circo pegar fogo. Pode ganhar.


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