Pesquisar este blog

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Renato Rabelo: Revés no STF e PIB são mais 2 derrotas da oposição


"Dois acontecimentos marcam a agenda política neste fim de fevereiro e a oposição sofre duas derrotas importantes", afirmou Renato Rabelo, presidente do PCdoB, ao refletir sobre o julgamento que absolveu os réus da Ação Penal 470 do crime de formação de quadrilha e sobre os números publicados, nesta quinta-feira (27), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu 2,3% em 2013.

Joanne Mota, da Rádio Vermelho em São Paulo



Renato Rabelo avalia que "o primeiro [julgamento do STF] é uma tentativa de atingir a esquerda, haja vista o sentido político dado ao julgamento em 2013. Nós não somos bobos. Já sobre a guerra no plano econômico, os números divulgados pelo IBGE brecam a investida da direita, que não buscam outra coisa senão desabonar o governo Dilma perante o povo".


Sobre o revés no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente do PCdoB ainda destacou que "cai por terra a decisão anterior do Supremo, na qual se sustentava que haveria o crime de formação de quadrilha. E ao contrário do que foi defendido por alguns, o resultado desse julgamento não foi político, foi técnico e baseado na Constituição Federal", afirmou.

Para Renato, o resultado faz reparo importante, com sinais de correção do que foi o julgamento exacerbado empreendido em 2013. "Esse sim, demonstrou forte sentido político", ponderou.

Ao rebater os comentários publicados pela mídia conservadora, que em 2013 dedicou horas de televisão ao transmitir ao vivo o julgamento da Ação Penal 470, o dirigente destacou que "a mídia, cinicamente, diz que o resultado desse julgamento não empreende grandes mudanças. Para nós, não só derruba a postura anterior, espetacularizada pela mídia, como faz a oposição amargar mais uma derrota".



Oposição sem rumo


Renato Rabelo também refletiu sobre o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) em 2013. Dados publicados, nesta quinta-feira (27), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o país alcançou crescimento 2,3% no ano passado, ficando atrás somente da China e da Coreia do Sul.

Ele lembra que se fizermos uma comparação de cenários a partir dos dados do IBGE, observamos que o PIB de 2,3% em 2013, mesmo não sendo o resultado que corresponda às expectativas e longe da média alcançada nos dois governos Lula, que foi de 3,5% e 4,6% respectivamente, não dista dos alcançados nos dois governos FHC, que alcançaram 2,5% e 2,1% respectivamente.

"Contrariando toda a má vontade e pessimismo da oposição, os números do IBGE, e esses são os que valem, apresentam aspectos muito positivos como resultado da economia em 2013, isso em um cenário de crise sistêmica do capitalismo no cenário mundial, sem contar as constantes elevações dos juros no cenário interno", disparou o presidente do PCdoB.


Renato enfatiza que em um só dia a oposição sofreu duas derrotas. "Esses números transformaram em falácia o discurso de que estamos enfrentando uma crise à beira da recessão, o crescimento do nosso PIB foi o terceiro maior do mundo em 2013, conforme divulgado. A economia brasileira está acima de nomes como Estados Unidos, Reino Unido e África do Sul", esquadrinhou ele.


"É importante lembrar que os analistas deles [da oposição] despejaram opiniões, durante semanas, afirmando que os resultados do último trimestre de 2013 seriam negativos. Ou seja, do seu olimpo anunciavam que o Brasil entraria em recessão. Essa previsão não se concretizou", ironizou Renato Rabelo.



Investimento


O dirigente comunista destaca ainda que há outra boa nova nos índices do IBGE, que apontam para uma retomada do investimento. "Os dados são claros, houve uma retomada do investimento. O que é entendido por nós como um passo central para esse momento de transição, que abre caminho para um nova etapa", pontuou.

"A transição para uma nova etapa tem que ter, exatamente, como centro o aumento do investimento e da produtividade. Os números mostram que houve um crescimento no investimento, de 6,3%. Também se destacou o setor agropecuário, com alta de 7%, isso tudo em um mundo que vive uma das piores crises de nossa história", lembrou. 

Ele ainda desafiou: "Acho que a oposição precisará de um tempinho para reavaliar suas posições, porque com esse cenário não há como embasar um Brasil em recessão". E mais: "Fica claro que a oposição não tem alternativa, não possui projeto para esse Brasil de hoje", finalizou.



Ouça a reflexão na Rádio Vermelho:

Programa Palavra do Presidente

Download Download:  

DE JUSTIÇA E VINGADORES

  Com a decisão de ontem do Supremo na AP 470, pululam os vingadores,  envergonhados, revoltadinhos e afins. 


Pensem com serenidade: no julgamento ou há provas do crime de quadrilha ou não se pode condenar os acusados. 


 E também não é legal aumentar desproporcionalmente as penas dos condenados, fazendo conta de chegada para este ou aquele regime prisional. Está claro que pesaram a mão na condenação de Delúbio, Dirceu , Genoíno e outros. 


Por isso os recursos foram aceitos, os embargos Infringentes foram providos e parte da injustiça foi reparada pelo voto da maioria dos Ministros da Alta Corte. Juiz não é algoz, é o que ecoa da decisão de ontem. 


Isso é princípio básico do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, coisa que parece que a minoria sem voto não entende, né. (nós lutamos e vencemos a ditadura, lembram-se?)


Aliás, contra o Dirceu,  não tinham prova de nada, mas o condenaram na tora, com base na tal Teoria do Domínio do Fato, esdrúxula aplicação ao caso concreto que nem mesmo o jurista alemão Klaus Roxin, o autor da dita cuja, concordou. 


Todos sabem que, desde o início, foi dada uma condução política ao julgamento, combinada com TVs, calendário de eleições, mídia em geral. 


O que há na AP 470 são provas de caixa-2 de campanha; como também há provas disso no mensalão do PSDB, que não quiseram julgar primeiro, como seria normal. 


A minoria que hoje quer se mostrar envergonhada, para ser coerente, deve manifestar vergonha e indignação pelo STF até hoje não ter julgado o mensalão tucano, que ocorreu muito antes, em 1998 (16 anos hein!)


Essa arrecadação da campanha tucana é precedente à do PT, mas o processo ficou engavetado, e agora o deputado Azeredo, do PSDB de MG renunciou ao mandato, para ver se atrasa ainda mais...


Ficam com vergonha disso não?


 Vergonha total ou vergoinha meia boca?



- Luiz Carlos Orro, no blogdoorro.blogspot.com



PS 1: o condenado ao regime semiaberto tem o de direito de trabalhar. Está na lei. 


PS 2: espancar e prender negrinho pelado no poste com tranca de bicicleta não pode. Fazer apologia disso na TV (concessão pública) também não pode. Está na lei. 


PS 3: já acabaram: a escravidão e a ditadura. 


PS4: Condenar sem prova não é Justiça, é vingança. É como prender negrinho no poste. 





quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Da ditadura militar brasileira (1ª parte)


Por Augusto C. Buonicore 
Fundação Maurício Grabois-  fev 2014 

Até a década de 1990 existia um amplo consenso na esquerda brasileira em relação ao caráter do golpe e do regime implantado em 1964.
 Poucos questionavam que havíamos tido um golpe militar e que este, por sua vez, implantara uma ditadura militar. 
Contudo, vem crescendo o número daqueles que se utilizam livremente de termos como 'golpe civil-militar' e 'ditadura civil-militar'. 
Essas fomulações, embora busquem captar a participação de setores não-militares no golpe e no governo que se formou, não dão conta das característica principais - das especificidades - do regime discricionário imperante no Brasil entre 1964 e 1985. 
Refiro-me a militarização da política e do Estado. É justamente disso que trataremos nesse artigo dividido em duas partes.
“É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro (...). A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação” (trecho do Ato Institucional nº 1, decretado pela junta militar em abril de 1964).
“A primeiro de abril o que houve foi um golpe militar fascista, com toda a sequência de arbitrariedade, despotismo e opressão” (Carlos Marighella. Por que resisti à prisão, 1965).
Até a década de 1990 existia um amplo consenso entre os principais intelectuais e organizações marxistas brasileiros em relação ao caráter do golpe e do regime implantado no país em março de 1964. Poucos na esquerda questionavam que havíamos tido em 1º de abril de 1964 um “golpe militar” e que este, por sua vez, implantara uma “ditadura militar”. As maiores críticas a essas conceituações vinham dos liberais que, muitas vezes, preferiam usar os termos regime e governos autoritários, de carga semântica mais suavizada.
Atualmente cresceu o número daqueles que utilizam termos como “golpe civil-militar” e “ditadura civil-militar”. Talvez, o primeiro intelectual de esquerda a problematizar o uso do termo “ditadura militar” tenha sido René Armand Dreifuss. O seu livro 1964: a conquista do Estado é fruto de uma exaustiva pesquisa em torno do papel dos grandes empresários, vinculados ao complexo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais/ Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IPES-IBAD), na conspiração que levou ao golpe e nos próprios governos “autoritários” que se seguiram.
Escreveu ele: “Apesar de a administração pós-1964 ser rotulada de ‘militar’ por muitos estudiosos de política brasileira, a predominância contínua de civis, os chamados técnicos, nos ministérios e órgãos administrativos tradicionalmente não-militares, é bastante notável (...). Um exame mais cuidadoso desses civis indica que a maioria esmagadora dos principais técnicos em cargos burocráticos deveria (em decorrência de suas fortes ligações industriais e bancárias) ser chamada mais precisamente de empresários, ou, na melhor das hipóteses, de técnico-empresários”. E vai mais longe ao afirmar que “os empresários e técnico-empresários do IPES controlavam os mecanismos e processos de formulação de diretrizes e de tomadas de decisão no aparelho de Estado”. Menos, é claro, a presidência da República e a chefia das Forças Armadas – e isso não é algo trivial.
Nesta obra, curiosamente, ele não usa os termos ditadura ou golpe. Prefere palavras menos carregadas, como intervenção, administração e governo autoritários. Contudo, se Dreifuss tem dúvidas quanto ao caráter “militar” da “administração”, parece não tê-las quanto ao caráter da “intervenção” ocorrida em primeiro de abril de 1964. Sobre isso escreveu: “As classes capitalistas se ‘unificariam’ sob uma única liderança – o complexo IPES/IBAD – no Estado-Maior da burguesia, como também agiram sob a bandeira de um único partido da ordem: as Forças Armadas”. Continua: “por intermédio da intervenção militar, o bloco de poder multinacional-associado emergente elevava o nível e a qualidade da luta de classes, impondo soluções próprias para a crise, controlando a sociedade política e produzindo um realinhamento nas relações de domínio através de uma forma de governo militar autoritário”.
Nos últimos anos a tese do “golpe civil-militar” (e da “ditadura civil-militar”) ganhou importante apoio do historiador Daniel Aarão Reis, um dos maiores estudiosos da atuação da esquerda brasileira durante a ditadura. Fazendo uma autocrítica dos seus escritos anteriores, onde usava livremente a palavra ditadura militar, passou a utilizar o termo “civil-militar”. Fez isso não apenas para jogar luz sobre a participação dos grandes empresários no golpe e o apoio destes à ditadura, mas também para problematizar a complexa relação existente entre a sociedade brasileira e o regime implantado em 1964. Aarão chega mesmo a afirmar, de maneira polêmica, que os “anos de chumbo” (1969-1973) também poderiam ser considerados “anos de ouro” para “não poucos” brasileiros.
A primeira crítica que devemos fazer aos criadores deste neologismo – na qual não incluo Aarão Reis – é quanto à acusação que fazem aos que criaram e utilizaram os conceitos “golpe militar” e “ditadura militar”. Eles teriam por objetivo esconder a participação da grande burguesia e dos latifundiários naqueles trágicos eventos. A exclusão do termo “civil” seria, na verdade, uma operação ideológica. Esta ideia é errônea e injusta, pois a esquerda marxista – a primeira a constatar o caráter militar do golpe e do regime implantado em 1964 – sempre denunciou o papel desempenhado pela burguesia, o latifúndio e o imperialismo estadunidense.
A esquerda marxista diante do golpe e a ditadura
Vejamos agora como alguns dos principais marxistas brasileiros definiram o golpe e a ditadura brasileira. O historiador e general comunista Nelson Werneck Sodré escreveu: em 1964 “as Forças Armadas tomam e instalam-se no poder, não o cedendo às forças políticas que as manipularam. Há um significado novo, portanto, na forma de intervenção das Forças Armadas, que é o de manter as velhas estruturas que controlavam este país desde a época colonial”. O golpe e a ditadura não eram socialmente neutros, pois serviam aos interesses de determinadas classes: a burguesia associada ao imperialismo e o latifúndio.
Golpes e tentativas de golpes militares não eram novidades na história do Brasil. “A forma dos golpes”, continua Sodré, “é sempre a mesma: a ação preparatória da mídia, uma pregação intensiva, visando isolar as forças políticas progressistas e o coroamento por meio de uma intervenção militar do tipo que vai e vem. Ou seja, as forças militares intervêm, depõem o detentor do poder naquele momento, asseguram a sua substituição e se retraem”. Em 1964, ao contrário do que ocorrera antes, os militares não voltaram aos quartéis e permaneceram no centro do poder político por mais de 20 anos.
Outro intelectual marxista oriundo do PCB – mas de uma tradição teórica diferente da de Sodré –, Jacob Gorender, referindo-se ao golpe afirmou: “A solução encontrada foi inédita na história do Brasil, porque logo depois do golpe de 64, a partir do Ato Institucional nº 1, tivemos a primeira ditadura militar brasileira (...). O Estado Novo não foi uma ditadura militar, mas civil. Getúlio Vargas encarnava, em sua pessoa, a liderança carismática própria do populismo. Exerceu um poder ditatorial apoiado nas Forças Armadas (...), mas isso não chegou a se caracterizar uma ditadura militar”.
“No Brasil, o poder foi assumido, em 1964, pelas Forças Armadas, que institucionalizaram um processo de sucessão de presidentes da República escolhidos entre os pares do alto comando, de tal maneira que não houve lugar para caudilho militar”. A diferença entre a nossa ditadura e a argentina e a chilena – além da falta de caudilhos – foi a tentativa de manter uma fachada democrática, através da permanência do Congresso Nacional e de um partido de oposição consentido, o MDB.
Esta, em certo sentido, é a mesma opinião do professor João Quartim de Moraes: “A fórmula ditadura militar é a designação mais adequada para o regime instaurado em 1964 no Brasil. Expressões como regime autoritário ou autoritarismo não passam, no melhor dos casos, de eufemismo, explicáveis quando vigorava a censura ditatorial (...). Ditadura não carrega, como o autoritarismo, uma ambiguidade intrínseca, mas também apresenta inconvenientes, que no uso corrente se manifestam principalmente na confusão entre os militares enquanto categoria social e as Forças Armadas enquanto corporação da burocracia estatal. Vulgarmente (...) entende-se a ditadura militar como a ditadura dos militares. É evidente, porém, que não são os militares enquanto categoria diferenciada, massa de funcionários armados e uniformizados, que exercem o poder de Estado e sim a corporação enquanto tal que extrapola suas funções profissionais, transpondo para o poder político suas normas constitutivas internas, cujo primeiro princípio é a disciplina hierarquizada sob comando central”. A massa dos militares – inclusive da oficialidade – estava submetida ao férreo princípio da unidade de comando. Romper com esse princípio seria romper com a legalidade castrense. Foi justamente isso o que fizeram milhares de militares que não se submeteram ao golpe de Estado e ao regime implantado pela cúpula das Forças Armadas.
“A ordem burguesa” – segue Quartim – “especializa crescentemente as funções hegemônicas, coercitivas, econômicas e administrativas do Estado (...). É na cúpula e no leme da máquina do Estado, no nível mais alto da burocracia, que elas se centralizam e coordenam. Portanto, por ditadura militar entendemos o regime político em que o poder de Estado é assumido pela cúpula da hierarquia das Forças Armadas (e não pelos militares enquanto categoria)”.
Florestan Fernandes, por sua vez, nos perguntava “por que os militares julgaram-se no dever de dar um golpe de Estado cujo paradigma procede da contrarrevolução ‘preventiva’?” A lógica militar responderia: “sem a presença ativa dos militares, o governo ditatorial seria incapaz de defrontar-se com algo mais grave que ‘turbulências’ e a restauração da ordem continuaria ameaçada”. Segundo esse raciocínio, uma “tirania civil (mesmo) com apoio militar” seria incapaz de conter “as lutas de classes e a propagação e o crescimento de forças sociais desestabilizadoras e incontroláveis”. Assim, “cortar o mal pela raiz (...) requeria a montagem de um Estado subfascista e de um governo militar ditatorial! Isso não resolveria a crise social crônica, mas permitiria salvar as classes dominantes e suas elites de uma tragédia histórica”.
Os quatro artigos citados acima não foram escritos no “calor da hora” e sim muitas décadas depois do golpe militar. Compuseram a coletânea 1964: visões críticas do golpe, resultado de um importante seminário realizado no IFCH-Unicamp e coordenado pelo professor Caio Navarro de Toledo. Era, também, um período em que já começavam a circular – ainda sem grandes repercussões – termos como “golpe civil-militar” e “ditadura civil-militar”. Podemos conjecturar que esses textos se constituíam em tentativas de inocular a militância socialista contra o “revisionismo” histórico em marcha, tanto na sua vertente de direita como de esquerda.
As organizações de esquerda e o golpe militar
Trataremos agora de como as organizações de esquerda revolucionárias brasileiras que combateram a ditadura – muitas vezes de armas nas mãos – encararam o golpe e o regime implantado em 1964.
Em agosto daquele mesmo ano, a Comissão Executiva do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) se reuniu clandestinamente para debater as razões do golpe de Estado e aprovar a tática a ser adotada naquela nova quadra histórica. O documento saído desse encontro afirmava: “Em situação difícil e num clima de insegurança e violência vive o povo brasileiro, desde que foi desfechado o golpe militar (...). Sob o falso pretexto de que Goulart favorecia os comunistas, há muito grupos militares e de civis tinham iniciado a conspiração para derrubar o governo e deter a ascensão das lutas populares”. Continua ele: “(...) para derrubar o presidente da República uniram-se desde Magalhães Pinto, Nei Braga e Mauro Borges até Lacerda e Adhemar de Barros”. Como é possível ler, os comunistas não tinham a menor dúvida da participação civil no golpe desfechado, mas sabiam que os agentes principais haviam sido os militares.
“O governo chefiado pelo Mal. Castelo Branco é fruto de uma quartelada nos moldes tradicionais latino-americanos (...). Lidera o novo governo um punhado de militares de alta patente que tem como centro a Escola Superior de Guerra, fundada por inspiração do Pentágono”. E segue o texto: “(...) a oficialidade retrógrada não somente depôs o governo como se apoderou da máquina governamental, inclusive da presidência da República”. De maneira pioneira, o PCdoB conseguiu ver o caráter permanente – e não provisório – do regime: “o grupo de militares que desfechou o golpe não revela a intenção de entregar o governo nem agora nem depois, em 1967”.
As dissidências do PCdoB, formadas entre 1966 e 1967, como o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e a Ala Vermelha (AV), pensavam da mesma forma. Em maio de 1966, o PCR lançou seu primeiro documento intitulado Carta de 12 pontos. Nele, se lê: “(...) o imperialismo ianque dirigiu e executou por intermédio dos militares reacionários, os ‘gorilas’, o golpe de 1º de abril de 1964. Estabeleceu-se uma ditadura militar apoiada internamente na alta burguesia nacional e nos latifundiários (...). A classe operária, os camponeses, os estudantes e intelectuais revolucionários constituem as massas fundamentais para a revolução, isto é, aquelas que exigem de fato a derrubada da ditadura militar, a expulsão do imperialismo norte-americano e a eliminação como classe da alta burguesia nacional e do latifúndio”. A Ala Vermelha, por sua vez, afirmava: “A sociedade brasileira está submetida à dominação, opressão e exploração do neocolonialismo e do seu suporte social interno, que as exercem através da contrarrevolução armada no poder, sob a forma de uma ditadura militar”. Tanto o PCdoB quanto as suas dissidências não pareciam ter dúvidas quanto ao caráter de classe do golpe e da ditadura militar. Os documentos da Ação Popular (AP) desde 1964 também falam em golpe e ditadura militar.
O Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) conseguiu se reunir apenas em maio de 1965. No documento aprovado naquela ocasião falava-se em “golpe militar reacionário”, que teria instaurado “uma ditadura reacionária e entreguista”. Na resolução do seu VI Congresso, de 1967, esse mesmo partido afirmava: “(...) o Brasil se encontra hoje asfixiado por um regime ditatorial, militar, de conteúdo entreguista, antidemocrático e antioperário”. Vários anos depois – em novembro de 1973 – concluía que o “regime evoluiu de uma ditadura militar reacionária para uma ditadura militar caracteristicamente fascista”. Esta também era a visão das dissidências do partidão, nascidas depois de 1964.
Marighella e a Ação Libertadora Nacional (ALN) acreditavam que, em primeiro de abril, havia ocorrido um golpe militar e que, desde então, passamos a viver sob o domínio despótico de uma ditadura militar. Bem antes da criação da ALN, no seu livro Por que resisti à prisão, o futuro líder da guerrilha urbana afirmaria: “Não houve, pois, revolução. Os ‘gorilas’ simplesmente desfecharam o golpe e acabaram com a democracia. O termo é mesmo golpe, quartelada, abrilada, gorilada. E o mais jocoso de tudo, um autêntico primeiro de abril”. Em outro trecho, de maneira enfática, disse: “fiz questão de tornar público que vivemos sob uma ditadura militar fascista. E outra não pode ser a caracterização do atual estado de coisas”.
“Tratando-se, pois de uma ditadura militar (...) criou uma contradição com o poder civil. O Brasil entrou numa fase de militarização da política – resultado lógico de um militarismo que se implantou no poder pela força – entendido como militarismo o predomínio dos militares sobre os civis em todos os aspectos da vida da nação, a subordinação dos interesses do país aos interesses do poder militar”. E concluiu: “a contradição militarismo versus poder civil voltou a ser um fenômeno político na vida do povo brasileiro”.
Um último exemplo. O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – outra dissidência do PCB comandada por Mário Alves, Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender –, no seu documento programático de 1968, afirmava: “Sendo a ditadura militar a expressão do poder burguês-latifundiário, a luta pela sua derrubada está indissoluvelmente ligada ao objetivo principal da forças revolucionárias – a formação de um governo popular que leve a termo a revolução e abra o caminho socialista de desenvolvimento”.
Reconheço que esse primeiro artigo não passa de um elenco de “argumentos de autoridade” – e que autoridades! Mas isso foi necessário para demonstrar que a utilização dos conceitos “golpe militar” e “ditadura militar” tem uma longa e respeitável tradição no seio da cultura marxista e revolucionária brasileira. Não são invenções pós-fato, criadas com o simples objetivo de inocentar a burguesia, os latifundiários e o imperialismo de suas responsabilidades. Eram, pelo contrário, resultado de um louvável esforço teórico-político, desenvolvido por centenas de militantes revolucionários em condições nem sempre favoráveis.
No próximo artigo apresentarei as bases teóricas e as implicações políticas da utilização dos conceitos “golpe militar” e “ditadura militar” entre as décadas de 1960 e 1980.
* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.
Bibliografia  
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe. Rio de Janeiro: Petrópolis, 1981.
MARIGHELLA, Carlos. Por que resisti à prisão. São Paulo/ Bahia: Brasiliense/Edufba, 1995.
MORAES, João Quartim de. Liberalismo e ditadura no Cone Sul. Campinas: IFCH-Unicamp, 2001.
PCdoB. Em defesa dos trabalhadores e do povo brasileiro – documentos do PCdoB de 1960 a 2000. São Paulo: Anita Garibaldi, 2000.
REIS FILHO, Daniel Aarão & SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985.
REIS FILHO, Daniel Aarão. O golpe e a ditadura militar: 40 anos depois. São Paulo: Edusc, 2004.
____________. “O sol sem peneira”. In: Revista de História. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, agosto de 2012.
TOLEDO, Caio Navarro de (org.). 1964: visões crítica do golpe. Campinas: Ed. da Unicamp, 1994.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

REGINALDO NASSER: “NA UCRÂNIA, É MANIFESTANTE. EM PARIS, TAMBÉM. AQUI ÉVÂNDALO, TERRORISTA.”

Revista Fórum

O professor de Relações Internacionais da PUC-SP fala sobre a narrativa do terrorismo que começa a ser criada no Brasil, e cita a criminalização dos movimentos sociais como fator preponderante na despolitização das reivindicações desses grupos
Por Renato Rovai e Igor Carvalho
Reginaldo Nasser (Foto: Revista Fórum)
Reginaldo Nasser (Foto: Revista Fórum)
Desde junho de 2013, quando as ruas brasileiras foram tomadas pelas manifestações, começou-se a falar  sobre terrorismo no Brasil, país onde não há qualquer tradição de incidentes classificados como terroristas. Após o protesto do movimento “Não vai ter Copa” do último sábado (25), em São Paulo, quando um Fusca pegou fogo e o jovem Fabrício Proteus Chaves, de 22 anos, foi baleado por policiais militares, o assunto voltou à tona.
Segundo o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Reginaldo Nasser, a criminalização dos movimentos serve apenas para despolitizar a pauta.”Existem  grupos mobilizados que fazem reivindicações e têm representatividade, mas, se eles fizerem qualquer ato de violência que se encaixe como terrorista, tudo isso que eu falei não interessa mais.”
Em entrevista à Fórum, Nasser lembra a distinção feita para classificar os manifestantes franceses que incendiaram automóveis em Paris, no ano de 2005. “Ou seja, a percepção de uma sociedade que teve 4.200 carros queimados e a outra que teve um e fica nesse estado de comoção é algo de se espantar”, afirmou o professor.
Confira a entrevista:
Fórum – O que é terrorismo?
Reginaldo Nasser – Terrorismo é um ato de violência que provoca temor generalizado nas pessoas, e aparece mais  como tática de ação política. Ou seja, é um meio para atingir algum fim, e , por vez, têm sido utilizado por organizações. Que não poderia ser classificadas simplesmente como terroristas,mas que , eventualmente, dentro de algumas circunstâncias, elas podem praticar terrorismo. Por exemplo, . O caso do grupo Hezbollah é interessante porque foi uma das primeiras organizações a praticar terrorismo suicida no Líbano quando havia ocupação militar de Israel. Quando acabou a ocupação militar de Israel, o Hezbollah nunca mais praticou ato terrorista. E, independente disso, ele carrega a denominação que é terrorista, não que circunstancialmente tenha agido como terrorista .
O ato do terror é algo que provoca temor, e não necessariamente um ato de violência física provoca temor. Então precisamos analisar as circunstâncias do ato de terrorismo. É bom lembrar também que o terrorismo foi muito mais praticado pelo Estado.
Fórum – Terrorismo de Estado, então? É uma outra categoria?
Nasser – É, inclusive, historicamente, foi uma das primeiras formas modernas de que se conhece o terrorismo. A gente fala muito da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade, fraternidade etc. Mas Em 1792, Robespierre declarou oficialmente que o Estado francês iria praticar o terror . E a palavra terrorista não era pejorativa,  a percepção muda com o tempo. Quem mais matou na história continua matando são os atos terroristas de Estado. Eu estou dizendo isso porque hoje existe uma corrente muito forte no mundo que qualifica o terrorismo por quem pratica, e não pelo ato e nesse sentido terrorista é apenas  o ator não-estatal.
Fórum – Ou seja, o senhor está me dizendo que pode se caracterizar, por exemplo, uma ação policial como um ato terrorista?
Nasser – Pode, claro. Uma ação militar policial, praticada pelo Estado, pode ser configurada como ato terrorista.
Fórum – Por exemplo, o que aconteceu em Campinas. Um massacre de nove pessoas em um fim de semana. E vários outros atos como esse.
Nasser – Só isso não basta para caracterizar. Ele começa a ocorrer e a se caracterizar quando envia uma mensagem.  Não podemos esquecer ainda que ele envolve uma questão psicológica entre quem pratica e quem pode receber o ato criando  uma situação de temor. No caso especifico as mortes terminaram com esses . Mas, a partir do momento que  você começa a ter outras ameaças generalizadas, as pessoas passam a ter a sensação de  temor. Portanto,  da forma que ocorreu  não dá para caracterizar. Como terrorismo
Fórum – O que caracteriza um grupo terrorista?
Nasser – Eu prefiro dizer um ato terrorista. Essa é minha concepção, de qualificar como ato e não pelo ator que pratica. Pode ser praticado por um grupo não estatal e ou pelo Estado. um ato terrorista envia uma mensagem generalizada, que causa temor nas pessoas. Esse é o objetivo terrorista. Para isso, ele usa vários meios. Os meios até pouco importam para eles. Então, por exemplo, eu quero atingir o Estado e eu mato civis. Do lado do Estado, eu quero que não tenha críticas ao Estado, então eu escolho casos aleatórios, faço uma repressão, pratico a violência e está dado o recado para todo mundo.
Fórum – A ação dos Black Blocs no Brasil é qualificada como terrorista?
Nasser – O que tem sido feito até agora é difícil qualificar como terrorismo. Os ataques aos bancos representam apenas um ataque à propriedade. Se tiver alguém dentro, ele pode ser atingido, mas pelo que eu me lembro os ataques são feitos no horário em que as agências estão fechadas. Mesmo que  estivesse alguém lá dentro, a ação esta circunscrita àquele momento . Eu não vou ficar com medo na minha casa porque os Black Blocs vão atacar outros estabelecimentos . Ou seja, são atos localizados.
Fórum – O ataque à população civil também caracteriza?
Nasser – Quando é Generalizado sim . Isso é importante. Por exemplo, eu quero atingir o Estado X, o que eu faço? Vou explodir um café, um shopping center. Isso sim é um ato terrorista, porque ele causa uma temor generalizado. Por exemplo, o Fusca pegou fogo e, primeiro, não foi um ato intencional, mas  Mesmo que fosse,  naquelas circunstâncias,  não havia o o recado: “Todo mundo que sair com carro, eu vou jogar uma bomba”. Ou, alguém anuncia  que tem um grupo que quer atingir pessoas de alta renda. Então, todo mundo que tiver Mercedes Bens, por exemplo, vai ser atingido. Aí tudo bem, tem um grupo específico que causa temor a uma classe. É um temor generalizado, mas você e eu, que não temos Mercedes, não somos os alvos r.
Fórum – Quantos carros foram danificados e explodidos na periferia de Paris em 2005?
Nasser – 2005 foi o auge. 4.200 carros.
Fórum – E alguém caracterizou aquilo como terrorista?
Nasser – Não me recordo, nem do governo francês. Claro, a direita francesa caracterizou isso como terrorismo. Mas existem outros atos que podemos qualificar como  ação de violência por grupos organizados como : insurgências, revoltas, rebeliões. No meio disso, pode até surgir atos terroristas , mas nesse caso  não foi caracterizado. Foi um tipo de revolta específica da população.
Fórum – Por que, em geral, atos de movimentos sociais da esquerda são classificados como terroristas? Historicamente eu me recordo de Mandela, que foi muito tempo classificado como cidadão perigoso pela Interpol, e classificado como terrorista. Você acha que também é uma tática da repressão estatal?
Nasser – Sim, claro. Porque quando ela classifica um grupo como terrorista, toda e qualquer consideração política deixa de existir. É uma reação automática. Você não quer saber o que ele propõe, qual é a demanda, se a demanda é legítima, já que os meios não são.  Então sim, é uma tática e vamos admitir, é eficiente. Porque ela consegue mobilizar pessoas em função disso. Você tem grupos mobilizados que fazem reivindicações e têm representatividade, mas se eles fizerem qualquer ato de violência que se encaixe como terrorista, tudo isso que eu falei não interessa mais.
Fórum – O senhor me disse há algum tempo, mais de seis meses, que essa questão do terrorismo chegaria no Brasil. Você estava preocupado que houvesse uma mobilização para qualificar as ações de alguns grupos como terrorismo. Isso está acontecendo agora?
Nasser – Isso. Cada vez mais as cidades são um espaço do uso da violência. Da violência de todos os atores. E por quê? A gente fala muito de globalização e não damos concretude a isso. As cidades são os locais onde você tem fluxos de pessoas, fluxos de recursos e mercadoria, capital, idéias e tecnologias. A partir disso, as cidades em situação de desigualdades, de repressão, e assim por diante, faz com que esses elementos se articulem: mobilização e uso de tecnologias. Isso dá uma visibilidade muito grande. Ao dar essa visibilidade, do lado daqueles que reprimem, vão querer descaracterizar essa visibilidade. As cidades são o foco das revoltas. Quando se fala no mundo árabe, se fala em Egito. Mas Não foi no Egito, como um todo e sim  nas grandes cidades , da mesma forma ocorreu na  Líbia. Estou falando isso porque tem um ponto em comum com o Brasil. Uma situação econômica que, ao mesmo tempo, com todos os avanços, tem uma desigualdade imensa. E é nas grandes cidades que isso aparece. Veja só, uma coisa é olhar no sentido nacional o Brasil e comparar os avanços com o IDH; outra coisa é você olhar nos termos de nível estadual , porque a desigualdade aumenta. Se você olhar em termos de cidades, ela aumenta de forma gigantesca. E isso Não é só o Brasil, eu me lembro dos protestos de Londres e fui olhar os níveis de desigualdade. Não é na Inglaterra, é em Londres, e é um negócio espantoso. Como é em Nova Iorque, como é aqui. Tendo essa visibilidade de eventos, de Copa do Mundo . . Lugares de visibilidade são onde vão aparecer os confrontos. Quero dizer, eu manifestante quero usar isso para mostrar minha causa.
Fórum – Ou seja, visibilidade gerada por grandes eventos.
Nasser – Por grandes eventos.
Fórum – É por isso que isso vem acontecendo no Brasil?
Nasser – Sem dúvidas. Veja, a mídia internacional passou a dar mais visibilidade a isso. Vários jornais, blogs etc. já se instalaram no Brasil. O Human Rights Watch se instalou aqui. Quer dizer, o Brasil começa a ser foco disso. , o país começa aganhar visibilidade para isso. Portanto, os antagonismos tendem a aumentar, sem dúvida nenhuma. Mas precisamos aprender a lidar com os antagonismos. Ou seja, a percepção de uma sociedade que teve 4.200 carros queimados e a outra que teve um e fica nesse estado de comoção é algo de se espantar.
Fórum – É mais espantoso que gente que se diz de esquerda assuma esse discurso.
Nasser – Sim. E quando se olha para fora, para a Ucrânia, é manifestante. Em Paris, também eram manifestantes. Aqui é vândalo, terrorista. É essa questão do olhar, do olhar distante. Na verdade é muito semelhante entre o que  o que acontece em Paris e em São Paulo.
Fórum – E os riscos de usar essa classificação de terroristas para manifestantes, movimentos sociais e grupos que querem contestar a ordem estabelecida?
Nasser – É a completa despolitização. A gente passa a ter politização apenas na hora de depositar seu voto, que é a parte mais pobre que tem na representação. Isso é a completa descaracterização da mobilização política. Porque é inevitável você ter que ir para a rua, fechar o trânsito. Isso é interessante porque em junho passado era algo absurdo. Eu lembro que uma manifestação de delegados no ano passado parou a Avenida Paulista. O argumento era de que tem muitos hospitais e que nós estamos parando o trânsito. A questão da legitimidade é importante.
Fórum – E quais são os riscos legais?
Nasser – O risco de colocar  do terrorismo na lei é de que quando você vai tipificar o ato você vai ter que descrevê-lo. Então você vai colocar: “colocou fogo no carro  é terrorismo”. Você não sabe se a pessoa estava se defendendo. As circunstâncias são retiradas, e são elas que definem tudo, mas você vai poder colocar da forma que quiser. E isso deverá acontecer apenas com com o ator não-estatal. Isso também é complicado. Um rapaz levou três tiros, tinham seis policiais em torno dele armados, e ele com estilete, o chefe da polícia e o governador do Estado disseram que foi em legítima defesa. Nas questões que se relacionam com o terrorismo é importante o uso dos recursos. Vamos chamar de conflitos assimétricos onde o terrorismo é um dos  componentes . O que são conflitos assimétricos? Quando dois ou mais atores  envolvidos, e , pelo menos, um tem recursos desproporcionalmente a mais do que o outro. O outro, na questão, é o Estado. Mais do que isso, com um único ator que tem por princípio a legalidade do uso da violência, que é o Estado. Claro que ele poderá usar os recursos de violência , porque ele é o único a estar qualificado para isso. Se seu agente  entra com uma pistola, uma escopeta, em um hotel  a lei está ao seu  lado  até alguém provar o contrário, portanto o Estado  já sai a frente nesse processo . Por isso precisamos  tomar muito cuidado com esse tipo de questão.
Fórum – Para finalizar, qual a sua maior preocupação em relação a essa discussão hoje?
Nasser – Então, é interessante que há um tempo, principalmente antes de 11 de setembro, tinha uma discussão sobre totalitarismo, vinculado a algumas variáveis, como, eleições, equilíbrios de poderes e que julgo  importantes e fundamentais, e nós não podemos abrir mão. Mas o que tem acontecido é que dentro dos regimes chamados democráticos começam a ser inseridas práticas totalitárias. O exemplo maior disso são  os Estados Unidos, com o combate ao terrorismo. Infelizmente, essa tática está sendo exportada, e o Brasil também me espanta muito, porque está tendo uma boa receptividade disso, menos que a Europa. Com todas as críticas que a gente faz à repressão da Europa, isso não se compara ao padrão norte-americano.
Fórum – Então você está querendo dizer que a gente está comprando a tecnologia antiterrorista dos Estados Unidos?
Nasser – Literalmente. Esse know-how que tem aparecido aqui é norte-americano. As consultorias, a tecnologia, os drones estão aí. Os aviões não-tripulados são tecnologia americana. Em alguns lugares têm aparecido tecnologias de Israel, porque tem semelhanças com o que Israel faz com os palestinos. Eu vejo semelhanças nos meninos palestinos jogando pedra e Israel com um blindado chega de fuzil. Em legítima defesa você joga uma pedra nos meninos. É uma lógica que começa a aparecer aqui, e isso é extremamente preocupante.

‘Os Estados Unidos têm que se desintegrar como a União Soviética’

‘Os Estados Unidos têm que se desintegrar como a União Soviética’

Thomas Naylor pregou apaixonadamente a independência do Estado de Vermont.
Thomas Naylor Wrapped in Flag
Thomas Naylor com a bandeira de sua sonhada república
Morto aos 76 anos no final do ano passado, Thomas Naylor foi um dos mais originais e provocativos intelectuais americanos de seu tempo. Professor emérito de economia da Universidade Duke, autor de trinta livros e libertário por inteiro, Naylor dedicou seus últimos anos à causa da separação do estado em que vivia, Vermont, da federação americana.
 Ele via nos Estados Unidos semelhanças notáveis com a tirania soviética, encerrada com a desintegração do império russo
A causa de Naylor foi brilhantemente defendida no Manifesto Vermont, que o Diário se orgulha em compartilhar com o público:
Um espectro ronda os Estados Unidos,  o tecnofascismo , um sistema em que indivíduos livres permitem ao governo e às grandes empresas controlar  suas vidas através do dinheiro, dos mercados, da mídia e da  tecnologia. 
O resultado disso tudo é a perda de vontade política, de liberdades civis e da cultura tradicional.
Nós, o povo de Vermont,  acreditamos  que os Estados Unidos da América se tornaram muito grandes, muito poderosos, muito intrusivos, muito materialistas, muito high tech, muito globalizados, muito imperialistas, muito violentos, muito antidemocráticos e muito ineficazes no atendimento às necessidades dos cidadãos e das pequenas comunidades. 
Eleições presidenciais e parlamentares são compradas e vendidas pelo maior lance. 
Governos estaduais e municipais também assumem pouca responsabilidade para a solução de seus problemas  sociais, econômicos e políticos, de bom grado abdicando de suas tarefas vitais.
Nossa nação sofre de megalomania – uma obsessão com poder pessoal,influência ,  grandeza, riqueza.  
Vivemos sob o culto obsessivo-compulsivo de tudo o que é grande – grande governo,  grandes cidades,  grandes negócios,  grandes escolas, grandes armas,  grandes redes de computadores, grande ciência e grandes, grandes partidos políticos.
Megaempresas, que não prestam contas a ninguém, nos dizem o que comprar, quanto pagar e quando devemos substituir o que compramos.
Também nos dizem onde trabalhar, quanto receberemos, e quais serão nossas condições de trabalho .
O World Trade Center foi o santuário da globalização, onde os fiéis prestaram homenagem ao sistema internacional de produção em massa, marketing  de massa, distribuição de massa, consumo de massa, megainstituições financeiras e sistema global de telecomunicações — um universo que funcionaria melhor se todos nós fôssemos o mesmo.
 Mas muitas vezes a globalização foi conseguida através de coerção, do coletivismo, da exploração, do monopólio e do poderio militar americano.
A política externa americana é baseada na premissa da infalibilidade do poder político, econômico, tecnológico  e militar. 
Nossa história difere pouco da de qualquer outro império. Ela está enraizada no imperialismo diante dos nativos americanos, dos afroamericanos e das nações que se colocam em nosso caminho. 
Desde o fim da II Guerra Mundial, os EUA intervieram nos assuntos de 22 países, e nenhuma destas intervenções  foi precedida por uma declaração de guerra.
Como a guerra contra o terrorismo niilista se expande, é apenas uma questão de tempo antes de o Pentágono restabelecer o serviço militar obrigatório. 
Quantos habitantes de Vermont estão preparados para morrer ou sacrificar suas crianças para fazer o  mundo seguro para o McDonalds, a Wal-Mart, os  automóveis beberrões de gasolina, Bill Gates  e o resto dos 400 americanos mais ricos da Forbes?
Os EUA correm o risco de exaustão imperial, em que a soma das nossas interferências globais  excede o poder de defendê-las  todas simultaneamente.  
 Como outros impérios – o romano, o otomano, o espanhol, o napoleônico, o britânico e o soviético –, o império americano pode vir abaixo por uma doença interna e não por uma ameaça externa.
Naylor
Naylor
Pequenos ajustes pouco servirão para nosso país aleijado. Há apenas uma solução: a dissolução pacífica dos Estados Unidos. 

Muitos habitantes de Vermont vêem o American Way of Life com um olhar de desprezo —  afluência, tecnomania, culto corporativo, a militarização do espaço, bajulação  dos ricos e poderosos.
 Eles estão desiludidos com a arrogância e a concupiscência do país, e anseiam por uma vida mais simples, menos materialista,  mais gratificante.
Vermont pode cuidar de si mesmo. O estado não tem bases militares, nem grandes cidades,  nem grandes instalações governamentais,  e praticamente não tem indústrias estratégicas.  
Como Noruega, Dinamarca, Suécia e Suíça, Vermont  não é uma ameaça a ninguém. Por que alguém iria invadir Vermont? O que fariam com Vermont ?
Vermont tem pouco em comum com Boston, Nova York, Houston,  Los Angeles ou Chicago. Por que os moradores do estado deveriam ser taxados para pagar a proteção militar de Nova York, o epicentro do capitalismo global e ganância corporativa, ou Washington, a insípida capital do Império ? 
Como é que Vermont pode evitar uma guerra global  entre os que têm e os que não têm?
Não há soluções rápidas para os nossos problemas de grandeza e de falta de conexão.  Capacitar, alimentar e apoiar pequenas comunidades é um processo lento e árduo.
Thomas Jefferson disse na Declaração de Independência: “Sempre que qualquer  forma de governo se tornar destrutiva, é direito do povo alterá-lo ou aboli-lo, e instituir um novo governo.”
Chegou a hora de todos os cidadãos de Vermont pacificamente se rebelarem  contra o Império  para (1) recuperar o controle de suas vidas que foi tomado pelo grande governo,  pelos grandes negócios, pelas grandes cidades,  pelas grandes escolas e pelas  grandes redes de computadores; (2) reaprender a cuidar de si mesmos num ambiente descentralizado, menor, desmilitarizado e humanizado;  e (3) aprender a ajudar os outros a cuidar de si para que todos nós nos tornemos menos dependente de um grande negócio, de um grande governo e de uma grande  tecnologia.
Jefferson
Jefferson
Nós, os cidadãos de Vermont,  pacificamente e respeitosamente pedimos aos  deputados estaduais democraticamente eleitos para considerar uma e apenas uma questão – a retirada de Vermont dos Estados Unidos da América e o retorno a sua condição de república independente como foi até1791.
 Uma vez que a declaração de secessão seja aprovada por uma maioria de dois terços dos deputados, o governador de Vermont terá poderes para negociar um acordo de separação com o secretário de Estado.
No mundo do terrorismo global,  qualquer estado pertencente aos EUA está exposto aorisco de ataque terrorista, bem como ao recrutamento militar de sua juventude. 
Secessão já não é apenas uma causa abstrata libertária, mas um caminho para a sobrevivência. Chegou a hora de enfrentar a realidade de desunir ou morrer.

O fracasso do socialismo de cátedra - Wanderley Guilherme dos Santos


Sem a contribuição da polícia com sua repressão, os socialistas de cátedra e mentores da violência só irão figurar nos noticiários sensacionalistas.



Carta Maior - 24/02/2014

Arquivo



Wanderley Guilherme dos Santos


Socialistas de cátedra e adeptos da violência não serão capazes de promover impasses institucionais. Faltam-lhes causa reconhecida e apoio da população. Obterão alguns traços eleitorais, talvez. Nem isso, caso a repressão não coopere com eles usando da mesma selvageria. Sem a contribuição da polícia os socialistas de cátedra e mentores da violência só irão figurar nos noticiários sensacionalistas. Fracassarão.

Impasses institucionais são corolários da adesão de grupos sociais dotados de preferências intensas, uns a favor, outros contrários a pautas específicas. A solução de conflitos de tal magnitude se dá por revolução, por golpe de estado ou por negociação. O Brasil passou por alguns impasses cujas soluções variaram.
 
Em 1930, o conflito intra-oligárquico foi resolvido por uma revolução, isto é,  por um movimento que, no poder, transformou extensamente as instituições do País. Foi com um golpe doméstico consentido que, em 1945, removeu-se uma esquizofrênica ditadura nacional já que vitoriosa em guerra internacional contra as anti-democracias nazista e fascista. Não obstante os tremores de 1954, o suicídio de Getulio Vargas alterou drasticamente a estrutura do jogo, adiando o impasse, finalmente provocado pela renúncia de Janio Quadros: setores militares e civis se opondo à posse de João Goulart contra os legalistas liderados pelo então governador do Rio Grande Sul, Leonel Brizola. O episódio foi parcialmente superado pela negociação em torno da adoção do parlamentarismo para voltar a explodir em 1964, com a polarização da política e a quase paralisia do governo. Desta vez, o resultado foi um golpe de Estado e a implantação da ditadura militar.

Por caminhos distintos, longevas ditaduras – a de Franco, na Espanha, a do Portugal salazarista e a brasileira  - foram superadas por diferentes roteiros democráticos. Pactos formalmente firmados entre as oposições democráticas e o regime franquista obtiveram a aprovação popular (problemas de autonomias regionais à parte) e garantiram a rotação partidária no poder. Em Portugal, um golpe militar propiciou o surgimento da democracia representativa, caso bastante raro, pois, nessa trilha, o rotineiro é a substituição de uma ditadura por outra. Não tem sido diferente o infeliz destino da icônica primavera árabe.
 
No Brasil, frustrada a alternativa revolucionária a peso de muitas mortes, desaparecimentos e tortura, a negociação tornou-se inevitável. Naturalmente, radicais dentro e fora do Congresso denunciavam as tratativas de saída negociada do autoritarismo como traição, cooptação e outros adornos retóricos. É bem verdade, também, que muitos dos radicais andavam em busca de um general, almirante ou brigadeiro que depusesse a ditadura em vigor e lhes entregasse o poder. Comportamento mais do que farisaico, esplendidamente tolo.

Conforme o negociado e previsto, o desatar dos nós se fez por etapas: fim do AI-5, da censura, decretação de anistia e, em 1982, a primeira eleição realmente competitiva multipartidária, ainda que submetida a legislação coercitiva, para a Câmara dos Deputados. Concorreram cinco partidos: PDS (governista), PDT, PT, PTB e PMDB. Nenhum deles, à exceção do PDS, viu a participação eleitoral como recibo de adesão à boa vontade autoritária, sim como resultado de difícil processo de negociação, ameaças, idas e vindas e, em especial, a recusa de aceitar a proposta governamental (importada) de criação de um partido único com isolamento da minoria radical. Mais tarde vieram a luta pelas eleições diretas para presidente, batalha perdida, a criação da comissão de anistia, recompensando financeiramente dezenas de vítimas da ditadura, e, finalmente, já em condições de normalidade democrática, a Comissão da Verdade.
 
O tempo do processo não foi tão rápido quanto desejado, a anistia foi menos clara e incisiva quanto deveria e a Comissão da Verdade sofre críticas por seus ritos e absolvições. Mas a crítica só existe porque existe o fato. Nenhum ator responsável deixou de se aproveitar das aberturas que iam surgindo e muitos dos radicais no e fora do Congresso que denunciaram os negociações como colaboracionistas correram a se beneficiar das polpudas compensações financeiras postas a disposição. Mas há quem não tenha reivindicado receber, com juros e correção monetária, dezoito anos de salários não pagos, a partir da aposentadoria decretada na última lista do marechal Castelo Branco, em outubro de 1964.


Apesar dos discursos auto-laudatórios, o restabelecimento da democracia no Brasil não resultou da dramaticidade performática radical. À falta de um processo revolucionário, e recusando a tentação de um “golpe democrático”, foram os moderados que negociaram o desatar do nó autoritário. É esta mesma moderação, e chamo de moderação a tudo que não é convocatória à violência, que impedirá um impasse institucional orquestrado com intimidação e insultos pelos whiteblocs contemporâneos. O governo do Brasil é democrático e assim continuará.