“Tudo isso está acontecendo, em diferentes tonalidades e com diferentes graus de brutalidade, na Tailândia, China, Egito, Síria, Ucrânia, Venezuela, Bolívia, Brasil, Zimbábue e em vários outros pontos, em todo o mundo. Pouco depois de ler o que escrevi sobre a Tailândia, publicado dia 30/1, um leitor brasileiro reagiu: “Parecido com nosso Brasil: embora em ambiente mais leve, de cores menos brutais, talvez, mas substancialmente, a mesma coisa (…) Elites locais, agora mesmo, em janeiro de 2014, estão fazendo de tudo para impedir a reeleição da presidenta Dilma Rousseff (…) Você, experiente observador da América Latina, sabe disso muito bem.”
“O voto é obrigatório na Tailândia. Mesmo assim, só 45% dos eleitores votaram. TUDO que vocês lerem na imprensa ocidental sobre a Tailândia é merda.” 5/2/2014, Pepe Escobar,Facebook.
Prédios públicos depredados, saqueados. Está acontecendo em Kiev e em Bangkok; e, nas duas cidades, os governos parecem desdentados, assustados demais para intervir. O que está acontecendo? Governos eleitos pela maioria vão-se tornando irrelevantes em todo o mundo, enquanto o regime ‘ocidental’ cria e em seguida apoia ‘movimentos de oposição’ nos quais só se veem gangues armadas que ali estão para desestabilizar qualquer estado que resista ao desejo ‘ocidental’ de controlar todo o planeta?
As gangues armadas, agora, gritam para intimidar os que queiram votar a favor do governo moderadamente progressista que governa hoje a Tailândia. Não se discute o processo eleitoral – o voto é livre, como declaram tanto os observadores internacionais como a maioria dos membros da Comissão Eleitoral.
Nem liberdade nem legitimidade ou transparência estão em disputa. A retórica varia, mas, em essência, os ‘manifestantes’ que ‘protestam’ exigem o desmantelamento da frágil democracia tailandesa. A maioria dos ‘protestadores’ são pagos pelas classes média-alta e alta. Alguns são delinquentes ou bandidos, muitos recebem 500 Baht por dia (cerca de US$ 15), recrutados nas atrasadas vilas e vilarejos das províncias do sul do país. São habituados a usar de violência, como mostram claramente a linguagem, as expressões faciais e a linguagem corporal deles.
Funcionários do governo legítimo têm de saltar por cima de barricadas ou suplicar que os ‘manifestantes’ os deixem entrar em seus próprios gabinetes de trabalho. Eleitores que chegavam para votar no turno pré-eleitoral foram intimidados e insultados e um homem foi quase morto por estrangulamento.
Embora a cidade esteja mergulhada em agitação que nunca cessa, e a vida na capital esteja absolutamente alterada, o governo não se atreve a mandar nem tanques nem a polícia para esvaziar as ruas. Deveria mandar, é claro. Mas está paralisado de medo do exército e da monarquia – os dois pilares do poder ostensivamente híbrido de capitalismo selvagem e feudalismo, só comparáveis aos piores pesadelos regionais, como Indonésia e as Filipinas.
Agora, está tudo à vista: o governo fala do próprio medo, enquanto os militares disparam ameaças envenenadas pelos veículos da imprensa-empresa privada lacaia, mediante ‘vazamentos’. O que está acontecendo e o que está em disputa na Tailândia? Thaksin Shinawatra, irmão mais velho da atual primeira-ministra, quando foi ele mesmo primeiro-ministro, tentou levar um capitalismo moderno ao país submisso e terrivelmente assustado. E fez mais: deu moradias aos mais pobres, introduziu um excelente sistema gratuito universal de atendimento à saúde (muito mais avançado que qualquer coisa algum dia sequer proposta nos EUA), educação primária e secundária gratuita e de excelente qualidade, e outras ideias consideradas ameaçadoras pela ‘ordem mundial’, pelas elites feudais locais e pelo exército.
As elites tailandesas, cujo ‘autoamor’ exige mais serem obedecidas, admiradas e temidas que qualquer outra coisa, reagiram quase imediatamente. O primeiro-ministro foi exilado, impedido de voltar ao país e passou a alvo de intensa campanha de difamação. Houve golpes militares, ‘alianças’ misteriosas, boatos e ‘mensagens secretas’ emitidas de ‘autoridade muito alta’. Houve matança, um verdadeiro massacre, quando os chamados ‘Red Shirts’ [camisas vermelhas], apoiadores de Shinawatra (que iam de reformistas a marxistas) foram executados por atiradores profissionais, vários deles com tiros na cabeça.
Mas o povo, os pobres, a maioria da população da Tailândia, sobretudo os que vivem no norte e nordeste, reagiram, de modo quase estoico e com impressionante determinação. Quantas eleições houvesse, quanto mais o regime atacasse os partidos políticos pro-Shinawatra e os tornassem ilegais, mais novos partidos políticos surgiam, e sempre venciam as eleições.
Em 2011, uma irmã de Shinawatra, Yingluck, com maioria no Parlamento, tornou-se primeira-ministra da Tailândia. Os ‘manifestantes’ bloquearam várias artérias centrais de Bangkok e declararam que “a Tailândia não está preparada para a democracia”. E que por isso, “se mais eleições fossem realizadas para determinar o futuro do país, as forças pró-Shinawatra continuariam a ser eleitas”.
Eleições ‘assim’, é claro, nunca seriam aceitáveis nem para as elites tailandesas nem para vários países ocidentais que, por décadas, beneficiaram-se das vantagens que o sistema feudal tailandês lhes garantia. Um general tailandês declarou que “não descarto a possibilidade de outro golpe militar.” E a oposição propôs (impôs) alguns conceitos nebulosos: um governo de tecnocratas, que governará até que a Tailândia esteja ‘pronta’ para votar (leia-se: até que todo o poder popular seja destruído e a eleição de algum governo pró-elites, pró-monarquia e pró-exército esteja ‘garantida’, em eleições ‘livres’).
Enquanto se discutem essas ‘propostas’, gangues de delinquentes armados bloqueiam as vias públicas e os centros culturais (mas não os shopping centers). São descritos como ‘manifestantes pacíficos’ que ‘protestam’, tanto na Europa como nos EUA. E aqui nos aproximamos do xis da questão: o terrorismo dos militares e de elites feudais foi mascarado sob vestes de ‘rebelião’, até de ‘revolução’. Ganhou um manto de legitimidade e, até, um certo ar romântico.
Mas é o fascismo que, outra vez, ergue sua cabeça horrenda. O ‘ocidente’ sabe perfeitamente disso. Mas está abertamente apoiando o regime que hoje governa de facto a Tailândia por trás das cortinas. Porque é o regime que o ‘ocidente’ ajudou a fabricar. Deixei Bangkok e no avião um pensamento não me saía da cabeça: em vários pontos do mundo sobre os quais escrevi nos últimos tempos vive-se realidade muito semelhante à da Tailândia hoje.
Dos governos democraticamente eleitos, os mais progressistas em todo o mundo estão sob ataque severo de grupos de delinquentes armados, de bandidos, de elementos antissociais, quando não de terroristas conhecidos. Vi a mesma coisa na fronteira sírio-turca. Ouvi as histórias de vários moradores daquela região, na cidade turca de Hatay, e no interior, na região da fronteira turco-síria.
Ali, fui detido, impedido de trabalhar, interrogado pela polícia local, pelo exército e por grupo religiosos armados, quando tentava fotografar um daqueles ‘campos de refugiados’ construídos pela OTAN especialmente para opositores do governo sírio, onde os ‘refugiados’ recebem casa e comida, treinamento e armas, nessa área. Hatay foi varrida porjihadistas sauditas e qataris, organizados por EUA, União Europeia e Turquia, dos quais recebem apoio logístico, armas e dinheiro.
O terror que esses grupos espalha nessa parte do mundo historicamente pacífica, multicultural e tolerante, quase nem se consegue descrever com palavras. Crianças de uma vila de fronteira narraram raids, roubos e violência, até assassinatos, cometidos por ‘rebeldes’ anti-Assad. Ali e em Istanbul, onde trabalhei com intelectuais turcos progressistas, com jornalistas e com profissionais da academia, ouvi, bem explicado, inúmeras vezes, que a ‘oposição’ anti-Assad estava sendo treinada, financiada e ‘encorajada’ pelo Ocidente e pela Turquia (que é membro da OTAN), e que estava causando morte e destruição de milhões de vida em toda a região.
Agora, enquanto escrevo, o canal Russia Today está exibindo matéria exclusiva, da cidade síria de Adra, que foi saqueada e destruída por grupos pró-al Qaeda e por forças da ‘oposição’ pró-Ocidente, inclusive pelo Exército Sírio Livre. Nessa cidade, como muitos informaram, há um mês houve execuções públicas por apedrejamento, incineração em tonéis e degola. Em vez de cortar todo o apoio à ‘oposição’ síria, racista, pervertida, extremamente brutal, Washington continua a demonizar o governo de al- Assad e volta, outra vez, a ameaçar com ação militar.
E os assassinos, nos países que elegeram governos progressistas ou patrióticos, foram contratados e pagos pelas elites locais, operando a favor do Império Ocidental. E, antes disso, as mesmas chamadas ‘elites’ foram contratadas e pagas ou, no mínimo, foram treinadas/’educadas’ pelo Ocidente. Num plano mais ‘intelectual’, os veículos da imprensa-empresa privada competem entre eles para ver qual o mais servil, o mais submisso às ordens e desejos dos agentes que os comandam de fora do país. Os militares e as forças feudalistas mais retrógradas, até forças completamente fascistas em todo o mundo (veja-se a Ucrânia, por exemplo) estão claramente retomando as rédeas, beneficiando-se e extraindo a máxima vantagem da nova ‘tendência’.
Tudo isso está acontecendo, em diferentes tonalidades e com diferentes graus de brutalidade, na Tailândia, China, Egito, Síria, Ucrânia, Venezuela, Bolívia, Brasil, Zimbábue e em vários outros pontos, em todo o mundo.
Pouco depois de ler o que escrevi sobre a Tailândia, publicado dia 30/1, meu leitor brasileiro reagiu: “Parecido com nosso Brasil: embora em ambiente mais leve, de cores menos brutais, talvez, mas substancialmente, a mesma coisa (…) Elites locais, agora mesmo, em janeiro de 2014, estão fazendo de tudo para impedir a reeleição da presidenta Dilma Rousseff (…) Você, experiente observador da América Latina, sabe disso muito bem.”
O processo, as táticas, são quase sempre os mesmos: imprensa-empresa privada paga por anunciantes ou interessados ‘internacionais’, ou a imprensa-empresa privada norte-americana e europeia diretamente, só fazem trabalhar para desacreditar governos populares. Criam-se ‘escândalos’, atribuem-se cores partidárias a movimentos de ‘oposição’ sempre recém-constituídos [no Brasil a ‘cor’ é verde-rede e a ‘bandeira’ é ‘ecológica à moda Al Gore’; ou só oportunista, à moda Eduardo Campos; ou só interessada em tentar chegar ao poder para livrar a própria pele, à moda Aecinho (NTs)!], delinquentes e bandidos [alguns de ‘alta estirpe’ operando pela ‘mídia’] selecionados e bem pagos e, por fim, aparecem as armas, como que por milagre, nos ‘locais de protesto’.
Se acontece de o governo ser ‘nacionalista’, autêntica e saudavelmente patriótico, e de defender interesses do povo local mais pobre contra o saque internacional (quer dizer, se não é como o governo Abe, no Japão, que é descrito como ‘nacionalista’, mas, de fato, trabalha completamente a favor da política externa dos EUA naquela parte do mundo), é imediatamente marcado. E seu nome logo surge numa lista invisível mas muito perigosa de alvos, à velha moda da máfia.
Como Michael Parenti descreveu, correta e muito vivamente: “Faça do nosso jeito, ou quebramos suas pernas, capice?”
Assisti ao presidente Morsi do Egito (de início, muito critiquei o governo de Morsi, como também critiquei o governo de Shinawatra, antes de que o verdadeiro terror tomasse conta do Egito e da Tailândia) ser derrubado pelos militares, os quais, em empreitada mascarada como de ‘modernização’, comandaram o processo de assassinar vários milhares do povo mais pobre do Egito.
Estive várias vezes no Egito, ia e vinha, durante vários meses, filmando um documentário para a rede sul-americana de televisão Telesur.
Horrorizado, sem acreditar nos meus próprios olhos, vi meus amigos revolucionários desaparecerem na clandestinidade, sumirem, escondidos, como se a terra os tivesse tragado, para salvar a própria vida. E isso enquanto famílias ‘tradicionais’, arrogantes, elogiavam os assassinos militares sem qualquer pudor, publicamente.
A lógica e as táticas no Egito eram previsíveis: embora ainda capitalista e em certa medida ainda submisso ao FMI e ao Ocidente, o presidente Morsi e a Fraternidade Muçulmana mostravam um pouco menos de entusiasmo na colaboração com o Ocidente. Jamais de fato disseram ‘não’, mas isso não pareceu suficiente para o regime euro-norte-americano, o qual, nos tempos atuais, exige obediência total, incondicional, além do beija-mão (e outras partes menos nobres da anatomia). O regime de EUA e União Europeia exige obediência total à velha moda dos Protestantes, autoapagamento total e sempre presente sentimento de culpa. O regime ‘ocidental’ ordena hoje total e ‘sincero’ servilismo.
Parece que quase nenhum país, nenhum governo não alinhado merece escapar do total aniquilamento, se não se submeter totalmente.
A coisa foi tão longe que, a menos que o governo em país em desenvolvimento como Filipinas, Indonésia, Uganda ou Ruanda, envie mensagem clara a Washington, Londres ou Paris de que “aqui estamos exclusivamente para fazê-los, vocês, no Ocidente, felizes”, ele se expõe ao risco de ser aniquilado, por mais democraticamente que tenha sido eleito, ainda que (e de fato especialmente se) for governo apoiado pela maioria dos eleitores.
Nada disso, é claro, é novidade. Mas no passado as coisas eram feitas um pouco mais ‘discretamente’. Hoje, é tudo às claras. Talvez também isso seja proposital, para que ninguém se rebele, para que ninguém nem sonhe em rebelar-se contra o ‘ocidente’.
Assim a revolução no Egito foi desencaminhada, destruída e morta com requintes de crueldade. Já nada resta da chamada “Primavera Árabe”, além de um aviso: nunca mais se atrevam a tentar, porque, se se atreverem…”.
Ah, sim! Vi, no Egito, as elites dançando e celebrando sua vitória. As elites amam o exército. O exército é a garantia de que permanecerão sempre no zênite, o poder delas, intocado. As elites até fazem as crianças carregarem retratos dos líderes responsáveis pelo golpe, responsáveis por milhares de mortes, responsáveis pelo fim das maiores esperanças do mundo árabe.
O que vi no Egito foi apavorante, e parecido com o golpe de 1973 no Chile (país que considero meu segundo ou terceiro lar); o golpe no Chile, que não tenho idade para lembrar, mas cujas imagens vi e revi muitas vezes filmadas, em silêncio, com horror que nunca arrefece.
“Porque se não…” pode ser também a tortura e o assassinato do povo do Bahrain. “Porque se não…” pode ser a Indonésia em 1965/66. Ou pode ser o ‘colapso’ da União Soviética. “Porque se não…” pode ser aviões de passageiros explodidos em pleno voo; um avião cubano destruído por agentes da CIA. “Porque se não…” pode ser o Iraque, a Líbia, o Afeganistão reduzidos a ruínas, ou o Vietnã, Cambodia e Laos, bombardeados até ser reduzidos à Idade da Pedra. “Porque se não…” pode facilmente ser algum país inteiramente devastado como Nicarágua, Grenada, Panamá ou a República Dominicana. “Porque se não…” pode significar 10 milhões de pessoas assassinadas na República Democrática do Congo, para se saquearem os recursos naturais do Congo, ou porque seu grande líder, Patrice Lumumba falava forte e claro demais contra os imperialistas.
Agora, no Egito, a gangue de Mubarak está rapidamente voltando ao poder. Ele foi o ‘demônio’ confiável, e o Ocidente rapidamente percebeu que deixá-lo cair seria grave erro estratégico; e então decidiu trazê-lo de volta ao poder, ele, pessoalmente ou, pelo menos, seu legado, ao custo de milhares de (insignificantes) vidas egípcias e contra o desejo de praticamente o país inteiro.
Tampouco podem cair, é claro, no Egito, os militares. Os EUA investiram bilhões e bilhões de dólares naquele exército e os soldados estão agora, literalmente, no controle de metade do país. E é organização muito confiável: mata sem escrúpulos qualquer ser que tente construir uma sociedade socialmente mais justa na mais populosa nação árabe do planeta. E o exército joga ao lado de Israel. E ama o capitalismo.
Tailândia e Egito: dois países separados por milhares de quilômetros, duas diferentes culturas, em dois continentes. Nos dois países, o povo votou e elegeu os líderes que quis. E, vejam, não são governos comunistas: na Tailândia, um governo de orientação social apenas moderada; no Egito, apenas um governo moderadamente nacionalista e islâmico.
Nos dois casos, as elites feudais e fascistas entraram imediatamente em ação. Os que estão por trás daquelas elites, os que as financiam e lhes dão apoio ‘moral’ são, me parece, absolutamente visíveis.
A Ucrânia nem é vítima nova das táticas de desestabilização da União Europeia a qual, parece, já é tão doentiamente gananciosa que já não consegue nem controlar-se. A União Europeia baba, baba muito, imaginando o quanto lhe renderão as riquezas naturais da Ucrânia, e treme de desejo, ante aquela força de trabalho, barata e altamente escolarizada.
As empresas europeias querem entrar na Ucrânia, seja como for. Mas é preciso precaver-se: não vão as hordas de ucranianos invadir a União Europeia, aquela sagrada fortaleza racista. A Europa pode saquear todo o planeta, mas é brutalmente fechada a todos os que tentem entrar e “roubar nossos empregos”.
É claro que a União Europeia não pode fazer na Ucrânia o que faz livremente em muitos lugares, como na República Democrática do Congo. Não pode simplesmente chegar e pagar países ‘seus procuradores’, como paga aos governos de Ruanda e de Uganda (já responsáveis por mais de 10 milhões de congoleses mortos em menos de vinte anos), para que saqueiem a Ucrânia e matem todos os que resistirem ao saque.
Ao longo dos séculos, repetidas vezes, a Europa provou que é capaz de massacrar nações inteiras sem mercê (ao mesmo tempo em que guarda zero de memória histórica dos massacres) e quase sem nenhum princípio moral, pelo menos se comparada ao resto do mundo. Mas a Europa é escolada, e, diferente dos EUA, sabe muito de táticas, estratégia e Relações Públicas.
O que a União Europeia fez na Líbia é bem claro. Quem acredite que os EUA agem sozinhos, terá de disciplinar-se muitíssimo para não ver o quanto são próximos e interligados os interesses dos velhos e dos novos usurpadores da África, da Ásia, da América Latina, do Oriente Médio e da Ásia e Oceania. A França age hoje, outra vez, como arqui-saqueadora neocolonial, sobretudo na África.
Mas a Ucrânia está ‘logo ali’, perto demais, em termos geográficos, da própria União Europeia. Tem de ser desestabilizada, mas a coisa tem de parecer muito legítima. A ‘rebelião’, a ‘revolução’, o ‘levante dos povos’: isso, sim, é jeito ‘adequado’ de lidar com as coisas.
Há mais de um mês, alguém propôs negócio bizarro: as empresas europeias seriam autorizadas a entrar e limpar a Ucrânia dos seus recursos naturais; mas o povo da Ucrânia não seria autorizado sequer a ir trabalhar na União Europeia.
O governo, lógica e sensivelmente, rejeitou o ‘negócio’. Então, de repente, à moda tailandesa ou à moda egípcia, todas as ruas de Kiev amanheceram cheias de bandidos armados com porretes e até com rifles e pistolas, e puseram-se a depredar a capital, exigindo a renúncia do governo democraticamente eleito.
Os grupos de delinquentes incluíam muitos neonazistas, antissemitas e criminosos comuns. E foram fortalecidos pelo medo à moda tailandesa, do governo ucraniano, de usar a força. Agora, já estão queimando vivos os policiais; ocuparam e bloquearam prédios públicos, impedindo o funcionamento regular do governo.
Exatamente como seus predecessores da ‘revolução laranja’, foram fabricados e atentamente modelados, antes de serem soltos no grande mundo.
Na África, para citar apenas alguns casos, o pequeno estado de Seychelles, que segundo a ONU alcançou o mais alto IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, foi, durante anos bombardeado por críticas e tentativas de desestabilização. O governo de Seychelles provê excelente atendimento público à saúde (inclusive todos os remédios) e excelente educação pública universal e gratuita. O povo de Seychelles come bem e mora bem. Claro que não é sociedade perfeita, mas, com as ilhas Maurício, é o melhor que o continente africano tem a exibir. Nada disso parece fazer qualquer diferença.
Propaganda produzida fora das ilhas, e a imprensa-empresa privada patrocinada principalmente por empresas britânicas de oposição ao atual governo, estão destruindo o sistema das Seychelles.
Fica-se quase sem entender por quê; mas basta examinar mais de perto e conhecer o modo como o Império opera, e as coisas logo aparecem, bem claras. As ilhas Seychelles mantiveram, durante longo tempo, cooperação estreita com Cuba e com a República Popular da Coreia do Norte no campo da educação pública e em vários outros campos. Converteram-se em ilhas ‘socialistas’ demais, para os critérios do Império. Aqueles aposentados que nada querem além de estilo hedonista de vida (privada) até suportariam viver cercados de (mar) azul, de (serviçais) amarronzados, mas nunca, em nenhum caso, de vermelhos.
A Eritreia, apelidada de “a Cuba africana”, pode até ser nação orgulhosa e determinada; mas foi decretada pária total e estado-bandido por várias potências ocidentais. Impuseram sanções ao país, que tinha de ser castigado por… ninguém sabe exatamente por quê.
“Estamos trabalhando para ser país inclusivo, democrático, justo e igualitário” – disse-me recentemente o Diretor de Educação da Eritreia, no Quênia. “Mas quanto mais fazemos, quanto mais conseguimos melhores condições de vida para nosso povo, mais alguns países ocidentais parecem enfurecidos…” É homem experiente e não parecia surpreendido. Estávamos só ‘comparando anotações’.
O Zimbábue é outro caso claro e extremo. Ali, o Ocidente apoia clara e abertamente ‘a oposição’ contra governo amado e apoiado pela grande maioria da população: o governo que se constituiu na luta de libertação contra o colonialismo e o imperialismo.
Indignado com a quantidade imensa de mentiras publicada principalmente pela imprensa-empresa privada britânica, estive no Zimbábue ano passado, e desconstruí ponto a ponto os principais argumentos do que aqueles veículos estavam publicando contra Harare. Nem é preciso dizer que o artigo que CounterPunch publicou[1] despertou grande indignação contra a propaganda pró-ocidente em todo o continente africano.
O ocidente também constrói e alimenta ‘rebeliões’ e ‘oposição’ contra governos democraticamente eleitos na Venezuela, Bolívia, Cuba, Brasil e Equador, para citar só alguns países que aparecem com destaque na lista de alvos.
Na Venezuela, os EUA patrocinaram golpe abortado e pagam diretamente a centenas de organizações, ‘ONGs’ e veículos da imprensa-empresa privada, com o único objetivo de derrubar os governos e o processo revolucionário chavistas.
Em Cuba, o povo dessa nação humanista, letrada e progressista vive sob furioso ataque há décadas. O que os cubanos enfrentaram e enfrentam só pode ser definido como terrorismo. Os EUA e o ocidente já patrocinaram invasões, saques, atos terroristas e até planos para alterar padrões meteorológicos, na tentativa de provocar secas e/ou inundações; além de envenenar colheitas.
Qualquer ‘dissidente’ cubano, qualquer bandido que pegue em armas contra o sistema e o governo de Cuba passa imediatamente a receber dinheiro e apoio dos EUA.
Mas até veículos da imprensa-empresa privada ocidental, que fazem pesquisas clandestinas em Cuba, não raras vezes acabam por conclui que a maioria dos cidadãos cubanos apoio o governo e o sistema do país. Mas essas conclusões enfurecem ainda mais o ocidente e os veículos de mídia. O povo cubano está pagando alto preço pela própria liberdade, pelo próprio orgulho e pela própria independência.
Há inúmeros outros exemplos de como se constroem ‘oposições’ e terrorismo contra governos ‘impopulares’ (do ponto de vista do ocidente).
Os bolivianos quase perderam sua província de Santa Cruz, ‘branca’ e de direita, quando um movimento separatista, ao que se sabe financiado pelos EUA (chamado movimento ‘de independência’), obrava para evidentemente tentar punir o governo extremamente popular de Evo Morales, por ser ‘tão’ socialista, ‘tão’ indígena e tão votado.
O Brasil, em mais uma grande demonstração de solidariedade e internacionalismo ameaçou invadir e resgatar a província para a Bolívia, ajudando assim a preservar a integridade territorial do país vizinho. Assim, só o peso do Brasil, esse gigante pacífico e altamente respeitado, salvou a Bolívia da secessão e da destruição quase certa.
Pois, agora, até o Brasil já está sob ataque dos ‘fabricantes de oposição’!
Não quero, aqui, escrever muito sobre a China. Os leitores já conhecem minha posição. Mas, em resumo: quanto mais trens de alta velocidade o governo comunista constrói; quanto mais parques públicos; quanto mais distribui equipamento para exercícios pelos parques; quanto mais há linhas de transporte público e calçadas amplíssimas; quanto mais volta a crescer o atendimento médico universal e gratuito à população; quanto mais são bem-sucedidos os planos para tornar toda a educação livre e gratuita para todos os chineses – mais a China é demonizada e descrita como ‘mais capitalista que os países capitalistas’ (embora mais de 50% de tudo que a China produz seja produzido pelo estado, não por empresas privadas).
A Rússia, como China, Cuba ou Venezuela, é incansavelmente demonizada, todos os dias, todas as horas. Não há oligarca nem ‘celebridade’pop que não se sinta autoridade para criticar o governo do presidente Putin; e basta criticá-lo para ser imediatamente elevado ao nível de santidade pelos governos de EUA e Alemanha, dentre outros governos ocidentais.
Não o criticam, contudo, por causa dos recordes no campo dos direitos humanos. Só o criticam tanto porque a Rússia, como países latino-americanos e como a China, estão bloqueando com determinação as tentativas do ocidente para desestabilizar e destruir países independentes e progressistas, por todo o mundo. A demonização pelo ocidente tem a ver também com a crescente influência do jornalismo russo, especialmente RT (Rússia Today), que se converteu em voz jornalística, com jornalismo de boa qualidade, da resistência contra a propaganda do ocidente pelo ocidente. Nem preciso dizer que me alio, como jornalista e como autor, com muito orgulho, a RT e aos seus esforços.
Já não há dúvidas de que o que o mundo sofre hoje pode ser descrito como ‘a nova onda’ de uma ofensiva ocidental imperialista. Essa ofensiva está operando em todos os fronts, e está em rápida aceleração. Durante os governos de Barack Obama, que ostenta seu Prêmio Nobel da Paz e de seus neoconservadores europeus que vestem, se não por fora, com certeza na alma, as camisas marrons dos nazi-‘socialistas’; e do primeiro-ministro fascista reeleito no Japão, o mundo está-se tornando lugar extremamente perigoso. É como vilarejo de fronteira invadido por todos os facínoras da área.
A percepção bíblico-apocalíptica segundo a qual ‘os que não estão comigo estão contra mim’ vai ganhando nova profundidade.
E atenção às cores. Atenção aos ‘levantes’. Atenção aos ‘protestos’ contra governos eleitos. Alguns são autênticos; outros são produzidos, nada ‘naturalmente’ pelo imperialismo e pelo neocolonialismo. Qual é qual?
Tudo parece extremamente confuso e as maiorias, na opinião pública estão sendo afogadas de propaganda distribuída à farta pela imprensa-empresa privada. De fato, as coisas são feitas precisamente para confundir cada vez mais! Quanto mais confundidas as pessoas, menos capazes são para ver e rebelar-se contra a opressão e os riscos reais que as ameaçam.
Mas no final, apesar de tudo, o povo da Tailândia votou dia 2 de fevereiro. Tiveram de escalar barricadas e de lutar contra os que tentavam fechar as sessões e urnas eleitorais.
E na Ucrânia, a maioria ainda apoia o governo eleito.
Venezuela e Cuba, furiosamente atacadas, não caíram.
As gangues jihadistas ainda não controlam a Síria.
Eritreia e Zimbábue ainda defendem os seus governos eleitos.
Gente não é gado. Em muitos pontos do mundo as pessoas já percebem quem são os reais inimigos.
Quando os EUA patrocinaram o golpe contra Chávez, os militares não acompanharam os golpistas; e quando um empresário escolhido a dedo foi posto pelos golpistas na presidência, os militares manobraram seus tanques na direção de Caracas, para defender o presidente legítimo e eleito. A revolução chavista sobreviveu ao golpe.
Chávez já morreu, e há quem diga que foi envenenado; que foi infectado criminosamente, que o norte o assassinou. Não sei se é verdade, mas, antes de morrer, Chávez foi fotografado, inchado e suando, já sofrendo de uma doença incurável, mas sempre orgulhoso e determinado. No momento daquela fotografia, Chávez dizia “Aquí no se rinde nadie!”, aqui ninguém se rende. Essa única imagem e essa frase curta inspiraram milhões.
Lembro que, ano passado, em Caracas, parei à frente de um enorme cartaz com o rosto dele e sua frase. Pensei em agradecer-lhe. Se pudesse, lhe daria um abraço. Não porque fosse perfeito – e não foi perfeito. Mas porque sua vida e suas palavras inspiraram milhões, arrancaram nações inteiras do pântano do medo, da depressão e do luto, da escravidão. O que se lê no rosto, naquele cartaz é claro: “Eles fazem o diabo para acabar com você, mas você resiste. Você cai, mas levanta e volta à luta. Tentam matar você, mas você luta. Por justiça, pelo seu país, por um mundo melhor.” Chávez não me disse nada disso, é claro. Mas foi o que ouvi, claramente, diante daquele cartaz.
Naquele momento, grande parte da América do Sul já estava livre e unida contra o imperialismo ocidental, e forte, difícil de derrotar. É. Aqui, ninguém se rendeu.
O resto do mundo é ainda muito vulnerável e continua algemado.
O Ocidente vive a fabricar e, na sequência, a apoiar as forças da opressão – sejam feudais sejam religiosas. Quanto mais oprimido o povo, menos coragem e disposição para lutar por justiça e pelos próprios direitos. Quanto mais assustadas estejam, mais fácil controlar as pessoas.
Feudalismo, opressão religiosa e sanguinárias ditaduras de direita, tudo isso serve perfeitamente bem tanto ao fundamentalismo de mercado do império, como à sua obsessão por controlar todo o planeta.
Mas esse é um arranjo anormal do mundo; é temporário. Os seres humanos anseiam já por mais justiça. Na essência, somos uma espécie decente. Albert Camus conclui, com muita razão no seu poderoso romance A Peste[2] (analogia com a luta contra o fascismo): “há mais a admirar que a desprezar nos seres humanos.”
O que o ocidente faz hoje ao mundo – provocar, criar, inventar conflitos; apoiar hordas de bandidos e de terroristas; sacrificar a vida de milhões em todo o mundo, para servir a interesses comerciais –, nada disso é novidade sob o sol. Já foi chamado de Fascismo Ordinário. E o fascismo no passado veio e foi derrotado. Será outra vez derrotado, porque é erro, porque trabalha contra a grandeza humana e o crescimento humano, e porque as pessoas, em todo o mundo já veem que as estruturas feudais, antiquadas, que o fascismo ocidental tenta impor em todo o mundo são coisa do século 18, não do século 21. E nunca mais serão toleradas.
[1] 15-17/3/2013, Counterpunch.
[2] CAMUS, Albert. [1947] A Peste. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1984.
Nenhum comentário:
Postar um comentário