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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Barbara Gancia desmonta a hipocrisia dos eleitores tucanos desde 2016.

Neoliberalismo, projeto político.


Por Bjarke Skærlund Risager, no site Outras Palavras:

Autor de numerosas outras obras, o geógrafo britânico David Harvey publicou em 2005 o livro Uma Breve História do Neoliberalismo [1], que marcou época pela análise desse novo modo de dominação capitalista. A entrevista que reproduzimos aqui foi realizada pela Jacobin.

Um excerto de sua Breve História do Neoliberalismo, portanto do Estado neoliberal, pode ser lido em Contretemps. Podemos igualmente consultar este artigo [em francês] de Razmi Keucheyan, que lembra a trajetória e originalidade intelectual do geógrafo marxista estadunidense.

Neoliberalismo é um termo maciçamente utilizado em nossos dias. Mas aquilo que as pessoas projetam nele é bastante turvo. Em seu uso mais sistemático, ele se refere a uma teoria, uma paleta de ideias, uma estratégia política ou um período histórico. Você poderia começar dando sua interpretação de neoliberalismo?

Sempre disse que o neoliberalismo era um projeto político lançado pela classe capitalista quando ela se sentiu muito ameaçada, política e economicamente, do fim dos anos 1960 até os anos 1970. Eles queriam desesperadamente apresentar um projeto político que reduzisse a força da classe operária.

A classe capitalista ficou então verdadeiramente com medo e se perguntou o que fazer. Ela não era onisciente, mas sabia que havia um certo número de frentes nas quais devia lutar: o front ideológico, o front político e acima de tudo a necessidade de reduzir por todos os meios possíveis o poder da classe trabalhadora. É a partir de lá que emergiu o projeto político que chamarei de neoliberalismo.

Poderia nos dizer um pouco mais a propósito dos fronts político e ideológico, assim como os ataques contra o mundo do trabalho?

No front ideológico, isso consistia em seguir o conselho de um cara chamado Lewis Powell, que havia escrito um memorando dizendo que as coisas haviam ido longe demais e que o capital precisava de um projeto coletivo. Essa nota ajudou a mobilizar a Câmara de Comércio e a Távola Redonda dos negócios. As idéias tinham então sua importância. Essa gente pensava que era impossível organizar as universidades porque elas eram muito progressistas; e o movimento estudantil, forte demais. De repente, eles montaram todos esses grupos de reflexão, think tanks como o Instituto Manhattan, as fundações Ohlin ou Heritage. Esses grupos levaram adiante as idéias de Friedrich Hayek, de Milton Friedman e da economia da oferta.

O plano era que esses think tanks fizessem pesquisas sérias […] que seriam publicadas de maneira independente, influenciariam a imprensa e fariam pouco a pouco o cerco das universidades. Esse processo tomou um tempo. Penso que eles estão agora num ponto em que não têm mais necessidade de coisas como a fundação Heritage. As universidades foram amplamente penetradas pelos projetos neoliberais que as cercam.

No que diz respeito ao trabalho, o desafio consistia em tornar competitivo o custo do trabalho local em relação ao custo do trabalho globalizado. Uma solução teria sido demandar mão de obra imigrante. Nos anos 1960, por exemplo, os alemães apelaram aos turcos, os franceses aos magrebinos e os ingleses aos trabalhadores originários de suas antigas colônias. Mas isso havia criado muito descontentamento e agitação social.

Desta vez, os capitalistas escolheram outra via: exportar o capital de onde havia uma força de trabalho mais cara. Mas para que a globalização funcionasse, era preciso reduzir as tarifas e reforçar o capital financeiro, pois esta é a forma de capital mais móvel. O capital financeiro e o fato de tornar as moedas flutuantes tornaram-se essenciais para conter a classe operária. Ao mesmo tempo, os projetos de privatização e de desregulação criaram desemprego. Portanto, desemprego no interior do país e deslocalizações para fora, assim como um terceiro componente, as mudanças tecnológicas, a desindustrialização por meio da automação e da robotização. Esta foi a estratégia para triturar a classe operária.

Depois da publicação, em 2005, da Breve história do neoliberalismo, muito foi escrito sobre esse conceito. Parece haver principalmente dois campos: os pesquisadores que estão mais interessados na história intelectual do neoliberalismo e as pessoas que são sobretudo preocupadas com o “neoliberalismo realmente existente”. Onde você se situa?

Existe uma tendência nas ciências sociais, à qual eu tento resistir, que consiste em procurar uma fórmula mágica para explicar um fenômeno. Há assim uma série de pessoas dizendo que o neoliberalismo é uma ideologia e que escrevem uma história idealizada sobre ela. Um exemplo é o conceito de Foucault de “governabilidade” [designando uma presumível racionalidade própria à função de governar – nota do tradutor] que vê tendências neoliberais já presentes no século XVIII. Mas se vocês tomam o neoliberalismo unicamente como uma ideia ou um pacote de práticas limitadas de “governabilidade”, encontrarão numerosos precursores.

O que falta aqui é a maneira como a classe capitalista desenvolveu seus esforços durante os anos 1970 e o início dos anos 1980. Penso que é justo dizer que nessa época, ao menos no mundo anglo-saxão, ela se unificou de modo suficiente. Os capitalistas se colocaram de acordo sobre muitas coisas, como a necessidade de forças políticas que realmente os representem.

Esse período caracteriza-se por uma grande ofensiva em várias frentes, ideológicas e políticas, e a única maneira de explicá-la é reconhecer o alto nível de solidariedade da classe capitalista. O capital reorganizou seu poder numa tentativa desesperada de reencontrar sua prosperidade econômica e sua influência, que havia sido seriamente enfraquecido do fim dos anos 1960 até os anos 1970.

Houve várias crises desde 2007. Como o conceito e a história do neoliberalismo podem nos ajudar a compreendê-las?

Houve muito poucas crises econômicas entre 1945 e 1973. Nesse período, atravessamos problemas sérios mas não grandes crises. A virada para as políticas neoliberais operou-se no decorrer dos anos 1970 no quadro de uma crise severa, e todo o sistema sofreu depois uma série de outras crise. Bem entendido, estas produzem, a cada vez, todas as condições para crises futuras.

Entre 1982 e 1985, houve também a crise da dívida no México, no Brasil, no Equador e, no fundo, de todos os países em desenvolvimento, inclusive a Polônia. Em 1987-1988, vimos nos Estados Unidos uma grande crise de empresas de poupança e empréstimo; depois uma enorme crise em 1990 na Suécia, onde todos os bancos tiveram de ser nacionalizados; e por certo a Indonésia e o Sudeste asiático em 1997-1998, antes que a crise se espalhasse para a Rússia e depois para o Brasil e a Argentina em 2001-2002. Houve enfim problemas nos Estados Unidos em 2001, que foram tirando dinheiro na Bolsa de Valores para injetar no mercado imobiliário. Em 2007-2008, o mercado imobiliário implodiu, e isso foi uma grande crise. Você pode olhar um mapa do mundo e visualizar as crises percorrendo o planeta.

O conceito de neoliberalismo é útil para compreender esses fenômenos. Uma das grandes mudanças do neoliberalismo, em 1982, foi livrar o Banco Mundial e o FMI todos seus keynesianos. Eles foram substituídos por teóricos neoclássicos da oferta e a primeira coisa que estes decidiram é que doravante o FMI seguiria, em face de todas as crises, uma política de ajuste estrutural.

Em 1982, o México viveu uma crise da dívida. O FMI disse “nós vamos salvá-los”. De fato, eles salvaram os bancos de investimento novaiorquinos e impuseram políticas de austeridade. Como resultado das políticas de ajuste estrutural do FMI, a população mexicana sofreu uma perda de poder de compra da ordem de 25% nos quatro anos que se seguiram a 1982. Depois, o México sofreu quatro outros ajustes estruturais. Numerosos países conheceram mais de um. Essa prática tornou-se clássica.

O que fazem hoje na Grécia? É quase uma cópia do que fizeram no México em 1982. E é também o que se passou nos Estados Unidos em 2007-2008. Eles resgataram os bancos e fizeram a população pagar a conta através das políticas de austeridade.

Haverá qualquer coisa, nas crises recentes e no modo como elas foram geradas pelas classes dirigentes, que o faria hoje rever sua teoria do neoliberalismo?

Bem, não creio que a solidariedade da classe capitalista seja hoje o que era então. Em nível geopolítico, os Estados Unidos não estão mais na posição de conduzir a dança como faziam nos anos 1970.

Penso que assistimos a uma regionalização das estruturas globais de poder no seio do sistema dos Estados, com hegemonias regionais como a da Alemanha na Europa, do Brasil na América Latina ou da China no Leste da Ásia. Evidentemente, os Estados Unidos conservam uma posição dominante, mas os tempos mudaram. Trump pode comparecer ao G20 e dizer “devemos fazer isso”, e Angela Merkel lhe responder “não o faremos”, o que era inimaginável nos anos 1970. A situação geopolítica está, portanto, regionalizada, e há mais autonomia. Penso que é em parte um resultado do fim da guerra fria. Países como a Alemanha não dependem mais da proteção dos Estados Unidos.

Aliás, isso que chamamos “a nova classe capitalista” de Bill Gates, da Amazon e do Vale do Silício têm uma política que difere da dos gigantes tradicionais do petróleo e da energia. O resultado é que cada um tenta seguir seu próprio caminho, o que leva a conflitos entre por exemplo a energia e as finanças, a energia e o Vale do Silício etc. Existem sérias divergências sobre temas tais como as mudanças climáticas, por exemplo.

Um outro aspecto que me parece crucial é que o impulso neoliberal dos anos 1970 não foi imposto sem fortes resistências. Houve importantes reações da classe trabalhadora, dos partidos comunistas na Europa etc. Mas eu diria que ao final dos anos 1980 a batalha havia sido perdida. E como a classe trabalhadora não tem mais o poder de que dispunha àquela época, a solidariedade no seio da classe dirigente não é mais também necessária. Não há mais uma séria ameaça vindo de baixo. A classe dirigente se vira muito bem e não tem muita coisa a mudar.

Se a classe capitalista se arranja bem, em contrapartida o capitalismo vai bastante mal. As taxas de lucro se recuperaram, mas as taxas de reinvestimento são extremamente baixas. Por isso, um monte de dinheiro não retorna para a produção mas é dedicado à conquista de terras ou à compra de ativos.

Falemos um pouco mais das resistências. Em seu trabalho, você insiste no fato, aparentemente paradoxal, de que a ofensiva neoliberal se desenvolveu paralelamente a um declínio na luta de classes, pelo menos no Norte, em favor de “novos movimentos sociais” pela liberdade individual. Poderia explicar como o neoliberalismo gerou certas formas de resistência?

Aqui está uma questão a meditar: o que faz com que cada modo de produção dominante, com sua configuração politica particular, crie um modo de oposição que se constitui em seu reflexo? À época da organização fordista da produção, o reflexo era um movimento sindical centralizado e partidos políticos baseados no centralismo democrático. À época neoliberal, a organização da produção para uma acumulação flexível produziu uma esquerda que é também, na verdade, seu reflexo: trabalho em redes decentralizadas, não hierarquizados. Penso que é muito interessante. E até certo ponto, o reflexo do espelho valida o que tentava destruir. O movimento sindical, assim, sustentou o fordismo.

Penso que neste momento muita gente à esquerda, sendo muitos autônomos e anarquistas, reforçam na verdade o neoliberalismo em seu jogo final. Muita gente de esquerda não quer saber dessa afirmação. Mas a pergunta que se coloca é, evidentemente: haverá um meio de se organizar que não seja no espelho do neoliberalismo? Podemos quebrar esse espelho e organizar qualquer outra coisa, que não jogue o jogo do neoliberalismo?

A resistência ao neoliberalismo pode assumir diversas formas. No meu trabalho, ressalto o fato de que o lugar de realização do valor é também um ponto de tensão. O valor é produzido no processo do trabalho, e é um aspecto muito importante da luta de classes. Mas o valor se realiza no mercado através da venda, e uma boa parte da política tem aí seu lugar. Uma grande parte da resistência à acumulação do capital se exprime não somente no lugar de produção, mas também através do consumo, na esfera da realização do valor.

Tome a indústria de automóveis: grandes fábricas podiam antes empregar cerca de 25 mil pessoas, e hoje empregam 5 mil porque a tecnologia reduziu a necessidade de trabalhadores. O trabalho encontra-se assim cada vez mais deslocado da esfera da produção para a esfera da vida na cidade. O principal centro de insatisfação, no quadro das dinâmicas capitalistas, desloca-se para a esfera de realização do valor, para as políticas que têm impacto na vida cotidiana na cidade. Os trabalhadores evidentemente preocupam-se com um monte de coisas. Se nos encontramos em Shenzhen, na China, as lutas no quadro do processo de trabalho são dominantes. E nos Estados Unidos teríamos apoiado a greve de Verizon [2] por exemplo.

Mas em vários pontos, o que domina são as lutas em torno da qualidade da vida cotidiana. Vejam as grandes lutas dos dez a quinze últimos anos. Um conflito como o do Parque Gezi, em Istambul, não foi uma luta trabalhista. O descontentamento tinha a ver com a política cotidiana, a falta de democracia e o modo de tomar decisões. Nos levantes ocorridos das cidades brasileiras, em 2013, foram também os problemas da vida cotidiana os detonadores: os transportes e as despesas suntuosas para a construção de grandes estádios em detrimento de escolas, hospitais e moradias acessíveis. Os levantes a que assistimos em Londres, em Paris ou em Estocolmo não estavam ligados ao processo de trabalho, mas à vida cotidiana.

Nesse terreno, a política é muito diferente daquela que é implementada no local de produção. Na produção, o conflito opõe claramente o capital ao trabalho. As lutas pela qualidade de vida são menos claras em termos de configuração de classe. As políticas claramente de classe, que procedem em geral de uma compreensão do processo de produção, tornam-se teoricamente mais vagas à medida que se tornam mais concretas. Elas expressam uma disputa entre classes, mas não no sentido convencional.

Você acha que se fala demais de neoliberalismo e não o suficiente de capitalismo? Quando é mais apropriado usar um ou outro desses termos, e quais são os riscos de confundi-las?

Muitos liberais clássicos dizem que o neoliberalismo foi longe demais em termos de desigualdade de renda, que todas essas privatizações foram longe demais e que há numerosos bens comuns a proteger, como o meio ambiente. Há também modos de falar do capitalismo, como quando falamos de uma economia de partilha, que na verdade acaba por ser extremamente capitalista e exploradora.

Há a noção de capitalismo ético, que significa apenas ser razoavelmente honesto ao invés de roubar. Algumas pessoas pensam que é possível uma reforma da ordem neoliberal em direção a uma outra forma de capitalismo. Penso que talvez haja uma forma de capitalismo melhor que essa que existe hoje – mas não tão melhor. Os problemas fundamentais tornaram-se agora tão profundos que, sem um vasto movimento anticapitalista, será de fato impossível chegar até eles. Gostaria então de colocar as questões atuais em termos de anticapitalismo, em vez de antineoliberalismo. E quando ouço as pessoas falarem sobre neoliberalismo, me parece que o perigo é acreditar que não é o próprio capitalismo, de uma forma ou de outra, que está em questão.

Notas

[1] Publicado pela Oxford University Press. https://www.amazon.com.br/Brief-History-Neoliberalism-David-Harvey/dp/0199283273

[2] Sete semanas de greve nessa gigante das telecomunicações possibilitaram obter 10,5% de aumento de salários em três anos para 36 mil assalariados e a contratação de 1.400 pessoas até 2019.

* Publicado originalmente na Jacobin. Tradução de Inês Castilho.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

O tenentismo togado e a crise total: estamos às portas de uma anti-Revolução de 1930 .


24/05/2017 09:24 - Copyleft


O tenentismo togado propõe a demolição do Estado e das forças produtivas que o Brasil foi capaz de construir ao longo de mais de 80 anos 

Rodrigo Vianna
.
“Estamos às portas de uma crise que já não é de governo, mas de regime”. A frase é de Marco Aurélio Garcia, ex-assessor internacional de Lula e Dilma, que além de ter atuado nos bastidores dos dois governos é historiador e observador da cena política.

Ao contrário do que se imaginava, a Lava-Jato e o movimento comandado por procuradores, juízes e delegados federais não tinham como objetivo apenas derrubar o governo Dilma, nem destruir o “lulo-petismo” – como davam a entender colunistas e políticos ligados ao tucanato.

Este blogueiro, desde 2015, lembra que a Lava-Jato tinha, sim, um claro viés antipetista; mas sempre foi muito mais que isso.

Enganava-se quem via na atuação de Moro, Janot e outros togados um projeto “tucano”. O MPF e o juiz das camisas negras fizeram uma aliança puramente “tática” com o PSDB e setores de centro-direita para atacar Lula e derrubar Dilma. Mas a Lava-Jato jamais esteve “a serviço” do PSDB – como os próprios jornalistas tucanos chegaram a acreditar.

Um analista entrevistado pela BBC usou uma definição interessante para a ação dos procuradores e juízes: seria uma espécie de “tenentismo togado” (clique aqui para ler mais). O paralelo que se traça é com o movimento militar de jovens e impetuosos oficiais, que se levantou contra a República Velha, num longo enfrentamento que teve como desfecho a Revolução de 1930 comandada por Getúlio Vargas:


Não parece haver um recorte específico no sentido de poupar os demais partidos. No fundo, o que os “tenentes togados” fazem é o processo da vida política brasileira como um todo: “querem, em nome da ética jurídica, dos “valores republicanos”, erradicar a “politicagem” da cena brasileira. Mas é inegável que existe também um viés antipetista, às vezes por questão de classe, às vezes por perceberem a mistura de socialismo com corrupção como satânica ou herética” (Christian Edward Cyrill Lynch, doutor em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ).



O tenentismo teve o papel de ajudar a demolir a velha ordem. Alguns tenentes foram levados ao governo de Vargas pós-1930, na qualidade de interventores estaduais. Outros caminharam para o prestismo que depois comandaria o PCB (Partido Comunista do Brasil) durante cinco décadas. Mas o tenentismo, ótimo para demolir a velha ordem, não tinha um projeto para colocar no lugar da Velha República. Na última hora, um político advindo da velha ordem (Getúlio Vargas, que fora ministro de Washington Luiz, último presidente da República Velha) assumiu o poder e lentamente construiu uma nova ordem.

O paralelo termina aqui. Está claro que, ao contrário dos tenentes (que eram ingênuos e sem projeto, mas lutavam pela modernização do país), os procuradores/delegados/juízes do século XXI não têm um sentido de construção nacional. Mas de demolição pura e simples.

Estamos diante de uma crise de regime, sim. Que, se chegar ao ápice, pode levar à destruição não só do “lulo-petismo”, mas de toda a ordem democrática implantada desde a Constituição de 88. E mais que isso: em certo sentido, pode levar à destruição do longo projeto de Estado Nacional iniciado em 1930.

O sentido de tudo que aconteceu de 1930 para cá foi: o Brasil pode ser um Estado autônomo, pode incluir as massas no desenvolvimento (com mais ou menos direitos, mais ou menos liberdade), e o governo cumpre papel central no desenvolvimento, dada a incapacidade da burguesia de liderar qualquer projeto nacional.

Os militares de 64 não ousaram confrontar a herança varguista de Estado. Collor tentou, e caiu. FHC anunciou que enterraria a Era Vargas, mas não conseguiu – seja porque dentro do PSDB ainda havia setores que seguraram a onda ultraliberal, seja porque na oposição o bloco PT/CUT/movimentossociais/partidos de esquerda foi capaz de resistir ao desmonte.






O tenentismo togado, agora, propõe (talvez sem a devida clareza, mas por ações práticas) uma demolição do Estado e das forças produtivas que o Brasil foi capaz de construir ao longo de mais de 80 anos. Estão na mira: Petrobras, BNDES, construção pesada, agro-indústria. É uma crise sem precedentes. Uma crise de regime. Uma espécie de anti-Revolução de 1930.

Assim como os tenentes não tinham projeto, mas apenas a energia renovadora, os togados não parecem ter outra função que não seja demolir tudo. Mas o poder, como sabemos, não admite vácuo. Alguém ocupará espaços. Se o tenentismo togado cumpre a tarefa de implodir o sistema político e de minar a própria ideia de um Estado forte, com vistas ao desenvolvimento, sobra o que?

Provavelmente, uma nova ordem baseada em “iniciativa privada, visão gerencial privatista, abertura do país”.

Muita gente se pergunta: por que a Globo foi com tanta sede ao pote na direção de destituir Temer?Ora, porque a Globo pretende se safar do naufrágio, pretende estar do outro lado do balcão se, e quando, a crise de regime levar de roldão PT/PSDB/PMDB e as agências federais de desenvolvimento – como BNDES, Petrobras e toda a longa e bem sucedida construção varguista do Estado.

A Globo é a organizadora do projeto privatista, do novo regime que já nos espreita na esquina da história.

Mas nem a Globo pode se salvar, se as delações de Ricardo Teixeira arrastarem para a fogueira da destruição os direitos de transmissão esportivas e os esquemas de lavagem de dinheiro já denunciados aqui – https://vimeo.com/album/2146619.

Até 2 ou 3 meses atrás, setores mais responsáveis do centro democrático emitiam sinais de que era preciso “salvar a política” do avanço destrutivo representado pelo tenentismo togado. Lula era visto como o nome que, de dentro do sistema político, poderia comandar a necessária resistência. Nelson Jobim e Renan, além do próprio FHC, chegaram a vocalizar essa estratégia.

Mas o tempo pode ter passado. A crise de regime pode arrastar a todos, sem exceção.

Em 1930, brotou na última hora uma solução autoritária (Vargas) que deu sentido para a demolição da República Velha. Um sentido nacional, de desenvolvimento.

Minha impressão (e espero estar errado) é que vai surgir nos próximos meses uma liderança autoritária, que ofereça um sentido para a destruição promovida pelo tenentismo togado. Mas agora um sentido regressivo, de recolonização do Brasil.

A anti-revolução de 1930 avança, e me parece que nem Lula teria força agora para deter a onda que se avoluma no horizonte.


Créditos da foto: .

domingo, 28 de maio de 2017

Sergio Mamberti diz que “Tudo começou em 2013”

ASSISTA ESSA ENTREVISTA. IMPERDÍVEL. SÉRGIO MAMBERTI, O TIO VITOR DO CASTELO RA-TIM-BUM, UM DOS MAIORES ATORES E ATIVISTAS POLÍTICOS DO BRASIL.

http://www.blogdacidadania.com.br/2017/05/sergio-mamberti-diz-que-tudo-comecou-em-2013/

Sergio Mamberti diz que “Tudo começou em 2013”

https://youtu.be/9RmvMyRMLGYsergio mamberti


“(…) Os movimentos [de rua], a partir de 2013, [foram] financiados pelo capital internacional e pela burguesia brasileira e  desestabilizaram todo um processo que estava sendo construído a duras penas (…) Foi a ponta do Iceberg. [As manifestações] eram absolutamente iguais às marchas da Tradição, Família e Propriedade (…) Em 64 foi assim (…)”
Sergio Mamberti

Em Brasília, participando do III Encontro Nacional Pela Democratização da Comunicação, no terraço do hotel Saint Moritz, durante o café da manhã de uma gloriosa manhã de sábado, 27 de maio de 2017, entrevistei um homem que simboliza o teatro brasileiro e se confunde com a história política do país.
Assista vídeo da entrevista que Sergio Mamberti concedeu ao Blog da Cidadania. Antes, porém, vale reproduzir uma minibiografia para deixar clara a importância das opiniões dele. Mamberti se concentra, basicamente, na conjuntura política brasileira, como eco de outros momentos similares.
O vídeo está logo abaixo das informações a seguir
*
Sérgio Duarte Mamberti (22 de abril de 1939, 78 anos), ator, diretor, produtor, autor e político brasileiro, formado pela Escola de Artes Dramáticas de São Paulo, é dramaturgo há mais de 50 anos.
Filiado ao Partido dos Trabalhadores, Sérgio Mamberti ocupou, durante o Governo Lula, diversos cargos no Ministério da Cultura.
– Secretário de Música e Artes Cênicas
– Secretário da Identidade e da Diversidade Cultural
– Presidente da Fundação Nacional de Artes FUNARTE
– Secretário de Políticas Culturais

CARREIRA ARTÍSTICA DE SERGIO MAMBERTI

No cinema

Ano       Filme
1966      Nudista à força
1969      O Bandido da Luz Vermelha
1973      Toda Nudez Será Castigada
1976      À Flor da Pele
1981      O Olho Mágico do Amor
1982      Noites Paraguaias
1982      O Homem do Pau-brasil
1982      Rio Babilônia
1984      O Baiano Fantasma
1985      Avaeté – Semente da Vingança
1985      Sonho sem Fim
1987      A Dama do Cine Shanghai
1987      A Menina do Lado
1987      A Mulher Fatal Encontra o Homem Ideal
1987      Anjos da Noite
1987      Brasa Adormecida
1988      Fogo e Paixão
1988      O Mentiroso
1988      Romance
1990      Beijo 2348/72
1991      O Corpo
1992      Dudu Nasceu
1992      Perfume de Gardênia
1994      Dente por Dente
1994      Mil e Uma
1994      O Efeito Ilha
1997      Doces Poderes
1999      Castelo Rá-Tim-Bum, o filme
1999      Hans Staden (filme)
2000      Brava Gente Brasileira
2000      Tônica Dominante
2001      3 Histórias da Bahia
2003      Xuxa Abracadabra
2007      O Homem que Desafiou o Diabo
2008      O Cavaleiro Didi e a Princesa Lili
2013      Jogo das Decapitações

Na televisão – Novelas & Séries

1968      Ana
1969      Algemas de Ouro
1970      As Pupilas do Senhor Reitor
1971      Os Deuses Estão Mortos
1971      Quarenta Anos Depois
1979      Meu Nome É Villa-Lobos
1979      Dinheiro Vivo
1981      Brilhante
1984      Transas e Caretas
1986      Dona Beija
1987      Helena Amílcar
1988      Vale Tudo
1989      Cortina de Vidro
1990      Ana Raio e Zé Trovão
1990      Pantanal
1992      As Noivas de Copacabana
1993      Agosto senador Freitas
1993      Olho no Olho
1994      Castelo Rá-Tim-Bum
1995      Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados
1996      Dona Anja
1996      O Campeão
1997      Anjo Mau
1998      Labirinto
2000      A Muralha
2001      Estrela-Guia
2001      O Clone
2002      Sabor da Paixão
2004      Da Cor do Pecado
2005      Essas Mulheres
2006      O Profeta
2007      Desejo Proibido
2011      O Astro
2013      Flor do Caribe
2016      Sol Nascente
2016      3%

No teatro

1964      O Inoportuno
1968      Navalha na Carne
1969      O Balcão
1975      Reveillon
1980      Calabar
1984      Hamlet Shakespeare
1985      Tartufo Molière
1995      Pérola Mauro Rasi
2001      O Evangelho Segundo Jesus Cristo
2015      Visitando Sr. Green

Prêmios e indicações

1962 – Moracy do Val – Melhores do Ano/Jornal Última Hora – SP
Revelação de Ator – Espetáculo: Antígone – América

1964 – Prêmio Saci – Teatro/ Jornal O Estado de S. Paulo
Melhor Ator Coadjuvante – Espetáculo: O Inoportuno

1969 – Prêmio Governador do Estado – SP
Melhor Ator Coadjuvante – Espetáculo: O Balcão

1974 – Prêmio Molière – Teatro / Air France – SP
Melhor Ator – Indicação – Espetáculo: O Jogo do Poder

1975 – Prêmio Molière – Teatro Air France – SP
Melhor Ator – Espetáculo: Reveillon

Prêmio APCA – Teatro / Associação Paulista de Críticos de Arte – SP
Melhor Ator – Espetáculo: Reveillon

Prêmio Governador do Estado – Teatro – SP
Melhor Ator – Espetáculo: Reveillon

Revista Veja – SP
Melhor Ator – Espetáculo: Reveillon

Revista Veja – SP
Melhor Espetáculo – Espetáculo: Coração na Boca Direção: Sérgio Mamberti

1982 – Arte Postal – RJ
Individual: 1º Concurso de Fantasias da Cidade do Rio de Janeiro – 1º Lugar

1989 – Prêmio APCA – Televisão – SP
Melhor Ator Coadjuvante – Novela: Vale Tudo / TV Globo

1995 – Prêmio Mambembe – Teatro / Minc – RJ
Melhor Ator Coadjuvante – Espetáculo: Pérola

Prêmio Sharp – Teatro – RJ
Melhor Ator – Espetáculo: Pérola

1996 – Prêmio APETESP – Teatro – Associação de Produtores Teatrais do Estado de São Paulo – SP
Melhor Ator – Indicação – Espetáculo: Pérola

1998 – Prêmio Internacional Lumière
Unupadec – Conjunto de Trabalhos: Teatro / Cinema / TV
Prêmio Patrimônio de Bauru

CRISE, REFORMAS, FORA TEMER, ELEIÇÕES INDIRETAS: PONTOS PARA EMBASAR QUALQUER ANÁLISE DE CONJUNTURA

CRISE, RERORMAS, FORA TEMER, ELEIÇÕES INDIRETAS

13 PONTOS PARA EMBASAR QUALQUER ANÁLISE DE CONJUNTURA

O complexo financeiro-empresarial não tem opção partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para suas metas de maximização dos lucros.
por: Maurício Abdalla 
24 de maio de 2017
Crédito da Imagem: Mídia Ninja/cc
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1 – O foco do poder não está na política, mas na economia. Quem comanda a sociedade é o complexo financeiro-empresarial com dimensões globais e conformações específicas locais.
2 – Os donos do poder não são os políticos. Estes são apenas instrumentos dos verdadeiros donos do poder.
3 – O verdadeiro exercício do poder é invisível. O que vemos, na verdade, é a construção planejada de uma narrativa fantasiosa com aparência de realidade para criar a sensação de participação consciente e cidadã dos que se informam pelos meios de comunicação tradicionais.
4 – Os grandes meios de comunicação não se constituem mais em órgãos de “imprensa”, ou seja, instituições autônomas, cujo objeto é a notícia, e que podem ser independentes ou, eventualmente, compradas ou cooptadas por interesses. Eles são, atualmente, grandes conglomerados econômicos que também compõem o complexo financeiro-empresarial que comanda o poder invisível. Portanto, participam do exercício invisível do poder utilizando seus recursos de formação de consciência e opinião.
5 – Os donos do poder não apoiam partidos ou políticos específicos. Sua tática é apoiar quem lhes convém e destruir quem lhes estorva. Isso muda de acordo com a conjuntura. O exercício real do poder não tem partido e sua única ideologia é a supremacia do mercado e do lucro.
6 – O complexo financeiro-empresarial global pode apostar ora em Lula, ora em um político do PSDB, ora em Temer, ora em um aventureiro qualquer da política. E pode destruir qualquer um desses de acordo com sua conveniência.

7 – Por isso, o exercício do poder no campo subjetivo, responsabilidade da mídia corporativa, em um momento demoniza Lula, em outro Dilma, e logo depois Cunha, Temer, Aécio, etc. Tudo faz parte de um grande jogo estratégico com cuidadosas análises das condições objetivas e subjetivas da conjuntura.

sábado, 27 de maio de 2017

Lava Jato: polêmica e absurda, por Antonio Alberto Machado


"É polêmico – e, para mim, um verdadeiro absurdo – que delações premiadas sejam obtidas mediante prisão ou ameaça de prisão"
 
Fernando Frazão/Agência Brasil
 
Jornal GGN - O artigo à seguir, publicado pelo Promotor de Justiça de São Paulo, Antonio Alberto Machado, e compartilhado nas redes sociais, levanta pontos polêmicos da Lava Jato, indicando que o processo encabeçado pela justiça curitibana praticou atos que nem mesmo a ditadura militar praticou. 
 
O autor também convida os leitores a observarem a operação de maneira mais crítica e os riscos que a sociedade corre de debater o assunto de forma simplista e maniqueísta.
 
Por Antonio Alberto Machado, Promotor de Justiça de São Paulo
 
26/09/2016
 
HOJE, qualquer opinião que se emita sobre a operação Lava Jato – seja a favor seja contra, seja de crítica seja de apoio -, será sempre entendida e julgada pelo viés ideológico. Não adianta negar – o país ficou dividido entre os que aprovam e os que reprovam essa operação, na mesma medida que se dividiu entre os que apoiavam e os que reprovavam o governo petista. Mas, sejam lá quais forem as ideologias e as preferências políticas de cada um, algumas coisas na operação Lava Jato são muito polêmicas, tanto do ponto de vista político quanto jurídico – e algumas constituem verdadeiros absurdos.
Se não, vejamos.
 
É polêmico – e, para mim, um verdadeiro absurdo – que as delações premiadas no âmbito da Lava Jato sejam obtidas mediante prisão ou ameaça de prisão. A essência desse instituto, e o que o faz tolerável, é a espontaneidade do delator. Quando a delação é obtida mediante tortura física e psicológica – e decerto que a prisão e a ameaça de prisão constituem suplício físico e psicológico – ela deixa de ser espontânea e se transforma numa prova ilícita – expressamente vedada pela Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, outro absurdo – que os advogados dos réus na Lava Jato só tenham acesso ao conteúdo das delações feitas contra seus clientes na véspera das audiências, dificultando-lhes a articulação e o exercício do direito de defesa; e isso quando a Lei Maior assegura exatamente o contrário, isto é, assegura a todos os réus o direito ao contraditório e à ampla defesa – tal como impõe o “devido processo legal” consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, autêntico absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha mandado conduzir coercitivamente um ex-presidente da república até uma repartição policial sem intimar previamente o conduzido para comparecer perante a autoridade de polícia. Essa condução constrangedora só tem lugar quando o conduzido teima em não atender à intimação da autoridade – do contrário, é uma medida que ofende abertamente o direito de ir e vir consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, mais um absurdo – que esse mesmo juiz tenha determinado a interceptação ilegal de uma conversa telefônica entre uma presidenta e um ex-presidente da república, e, depois, tenha revelado através da mídia o conteúdo dessa conversa, com o claro propósito de influenciar no delicado jogo político por que passava o país às vésperas de um processo de impeachment – essa divulgação é crime e ofende o sigilo das comunicações telefônicas consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, um rematado absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha mandado “grampear” o telefone dos advogados de réus, e do defensor de um ex-presidente da república, malferindo assim a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, o direito de defesa, o direito de ampla defesa, o direito ao livre exercício da profissão de advogado e o princípio da lealdade processual – tudo isso configura afronta à lei e aos ditames da Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, outro absurdo – que esse juiz tenha cometido essas arbitrariedades todas, tenha reconhecido publicamente que as cometeu, e, em seguida tenha sido “perdoado” pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo depois de o ministro relator do processo da Lava Jato no STF ter afirmado, nos autos e por escrito, que a atitude do juiz “comprometia um direito fundamental” de dois ex-presidentes da república – aliás, um direito fundamental consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, um flagrante absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha mandado prender um ex-ministro de estado do governo petista, e, menos de cinco horas depois, porque descobriu que a mulher do ex-ministro estava sendo internada com câncer, tenha revogado essa prisão por considerá-la desnecessária – isso viola o direito constitucional de liberdade, a dignidade humana, e a presunção de inocência consagrados na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, absurdo também – que o juiz da Lava Jato tenha feito aliança com a mídia empresarial para exercer melhor suas funções de magistrado, e, por força dessa aliança fizesse “vazar” informações ao mais poderoso grupo de mídia do país, com o insofismável propósito de predispor a opinião pública contra os réus que ele (juiz) mandava prender – isso viola o sigilo das delações, o direito à privacidade e o princípio da presunção de inocência inscritos na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, outro injustificável absurdo – que um juiz de direito, no exercício de suas funções públicas, faça alianças com a mídia privada. E, além disso, aceite premiação concedida publicamente por essa mídia, mesmo sabendo que ela é adversária dos réus da Lava Jato, que ela não se cansa de manipular informações, e que no passado até já apoiou ditadura militar – isso fere mortalmente o princípio republicano e a independência do Judiciário consagrada na Constituição Federal.
 
Porém, o mais polêmico (e absurdo) é ver agora um Tribunal Regional Federal (4ª Região Sul) render-se ao óbvio e reconhecer que as práticas do juiz da Lava Jato são realmente ilegais, pois “escapam ao regramento” do direito. Mas, segundo esse mesmo tribunal, apesar de ilegais, trata-se de “soluções inéditas” que devem ser toleradas porque o processo da Lava Jato é também um “processo inédito”. Em suma, o tribunal afirma, por escrito, que o direito aplica-se aos “casos comuns” em geral; mas, à Lava Jato aplicam-se, não a Constituição e o direito, e sim as “soluções inéditas”, ou seja, as soluções buscadas fora do direito, ou fora do “regramento comum” – com essa retórica canhestra, esse tribunal federal acaba de proclamar que a lei e a Constituição não valem para o processo da Lava Jato, ou, noutros termos, admite expressamente que esse processo tramita mesmo perante uma lei e um juízo de exceção.
 
Nem no tempo da ditadura militar isso ocorreu. É certo que os militares nos outorgaram uma Constituição autoritária (67-69); é certo também que eles editaram um ato de exceção (AI-5); mas, mesmo a Constituição autoritária dos ditadores, e mesmo o Ato Institucional nº 5, valiam para todos: igualmente, isonomicamente – coisa que não ocorre agora porque, segundo esse tribunal federal do Sul, nem a lei nem a Constituição valem para os réus da Lava Jato.
 
Isso já não é apenas polêmico, nem somente um absurdo – isso já passa a ser simplesmente assustador.