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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A CANDIDATA DOS QUATRO TUÍTES


chico mendes gay marina 13

Conflitos banais da campanha confirmam a fragilidade política de Marina para falar de gays, juros, Chico Mendes, salário mínimo...

Denunciado por Jean Willys, o recuo dos quatro tuites na definição do preconceito contra homossexuais no plano do racismo foi a mais recente demonstração de um traço político marcante de Marina Silva: a imensa fragilidade política para defender seus pontos de vista e enfrentar contradições e conflitos. 

Quando isso acontece, ela prefere fingir que tudo não passou de um mal entendido.

Não vamos nos enganar: a defesa resoluta dos direitos dos homossexuais pode implicar na retirada do apoio do tristemente famoso deputado e pastor Feliciano, dono de uma retórica escandalosa que em 2013 provocou repúdio de vários setores da juventude e da consciência democrática do país – mas foi confortado por Marina, que na época enxergou “preconceito” nas críticas ao parlamentar.

Não foi o primeiro caso e é parte da personagem “Marina Silva” que se apresenta na campanha. 

A aura de predestinada pressupõe uma concorrente acima dos homens e das mulheres, das classes e dos interesses. 

A dificuldade é que essa postura tem pouco a ver com a realidade do país e com a história de resistência dos brasileiros.

Apresentando-se como destino final da história, Marina Silva incluiu a herdeira do Itau, Neca Setubal, e Chico Mendes no mesmo universo da “elite brasileira.” 

Ao praticar uma sociologia eleitoreira, que ajuda a passar uma borracha em diferenças e contradições fundamentais em proveito de uma mistificação, recebeu o repúdio dos dirigentes do Sindicato de Xapuri, no Acre, que Chico Mendes fundou.


É uma reação compreensível, já que a cooptação póstuma de Chico Mendes para o mundo dos banqueiros e grã-finos é p grotesca, revelando uma visão particularmente superficial dos conflitos políticos.


Ao contrário do que acontece com a campanha de Marina, de aberta ambição privatizante, a luta dos seringueiros do Acre tinha uma vocação oposta. Nasceu da resistência dos trabalhadores aos programas de privatização das florestas, promovidas pelos governos estaduais, que leiloavam lotes de terra a fazendeiros e investidores.

 Mobilizados para defender seus campos de trabalho, os seringueiros enfrentavam tropas de jagunços e operações militares. 

Protegendo um sistema de propriedade comunitária, seu movimento nada tinha de privatizante, mas era tecnicamente anti-capitalista. 

Que diferença, não?

Até hoje os colegas de governo Lula não conseguem conter o riso quando recordam o depoimento de Marina Silva no Jornal Nacional. 

Questionada pela nomeação de um candidato a vice presidente que fez campanha aberta pela liberação dos transgênicos, Marina reescreveu a própria história. 

Disse que nunca foi contra os transgênicos. Apenas gostaria de um sistema que permitisse o convívio da soja transgênica com a soja natural.


“Ela simplesmente ameaçou pedir demissão do cargo,” recorda um ministro que seguiu o debate de perto. 

Um alto funcionário do ministério do Meio Ambiente recorda que aliados de Marina chegaram a homenagear a ministra com flores — uma forma de marcar publicamente seu descontentamento.


A Medida Provisória que liberava os transgênicos não proibia a soja natural — apenas autorizava o plantio e comercialização da versão modificada genéticamente. 

Marina simplesmente queria liberar os transgênicos numa parte do país e manter a proibição em outras.


Com a declaração ao JN, a candidata perdeu uma excelente oportunidade para reconhecer perante os brasileiros a quem pede seu voto que errou ao combater os transgênicos –ou que foi incoerente ao aceitar um vice que nunca escondeu que fazia campanha por eles e até recebeu apoio financeiro do setor interessado. 

Preferiu investir em seu personagem. Mas não foi só. 

A mesma MP, que tratava de biossegurança de forma geral, foi alvo de Marina por outra razão: autorizava pesquisas com células-tronco, que ela condenava.

 A ironia, no caso, é que as pesquisas tinham apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia, cujo titular era Eduardo Campos, titular da chapa presidencial do PSB até a tragédia do Cessna.


O Valor Econômico de hoje registra que o mercado financeiro está abandonando Aécio Neves para apoiar Marina e explica: “o sonho de dez entre dez integrantes do mercado financeiro é ver a derrota da candidata do PT.”


Num esforço para não decepcionar nenhum dos dez entre dez, o programa de Marina Silva não faz menção a uma das grandes conquistas dos trabalhadores no governo Lula-Dilma — a legislação que garante reajustes automáticos do salário mínimo, sem necessidade de se promover conchavos anuais no Congresso em nas semanas anteriores ao 1. de maio. Com isso, deixa a porta aberta para que [.    ]


Outro ponto do programa vem dos bancos privados mas este já foi atendida e, a julgar pela desenvoltura da coordenadora do programa de governo Neca Setubal, herdeira do Itaú, não deve cair nem com um milhão de tuites.


O programa de governo defende a ampliação da participação dos bancos privados no mercado de crédito, diminuindo a participação dos estatais. 

É coerente com a ideologia privatizante de Marina. Também é prejudicial do ponto de vista do consumidor.


Os bancos privados perderam terreno no mercado de crédito, depois da crise de 2008, porque se recusaram a competir pelos clientes. 

Mantiveram seus juros nas alturas, mesmo depois que o Banco Central trouxe a taxa Selic para índices compatíveis com aquele momento econômico. 

O Banco do Brasil e a Caixa só cresceram, a partir de então, porque resgataram clientes que o setor privado decidira abandonar, ameaçando quebrar empresas pela falta de capital de giro e empréstimos que costumavam ser renovados automaticamente.


Atendendo a determinação de Lula — uma imperdoável intervenção aparelhista do Estado petista, certo? — os bancos privados se afastaram da política de mercado para atender ao interesse público.


Essa é a questão.Quando fala em ampliar o espaço dos privados, o programa de governo esconde o principal. 

O mercado de crédito funciona — ou deveria funcionar — sob regime de livre concorrência, onde cada um explora a fatia do mercado que conquistou. 

Nessa situação, a única forma de mudar a posição de uns e outros é obrigar os bancos que cobram menos a elevar seus juros, permitindo que as instituições que tem taxas maiores ganhem novos clientes.


Em qualquer caso, é uma medida que, elevando o custo do dinheiro, contribui para esfriar ainda a economia, estimulando uma recessão de verdade. 

Para beneficiar bancos privados, prejudica-se o consumidor e o empresário.


Alguma surpresa? Nenhuma.


Proprietária de uma retórica de palavras fortes, Marina é fraca de conteúdo — situação típica de discursos estruturados mas vazios.

Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

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