COLUNA: GUTENBERG TEIXEIRA –
A “ALIANÇA ANTI-ESTADOS UNIDOS DE PUTIN”, O BRICS E O PAPEL DA ÍNDIA NA DESCONSTRUÇÃO SISTÊMICA DA ORDEM MUNDIAL
O primeiro ministro Narendra Modi chamou a todos os indianos a sonhar com uma Índia forte, desenvolvida e inclusiva e que se envolva com a comunidade global para fortalecer a causa da paz mundial e o desenvolvimento.
Modi tem uma tarefa colossal: promover mudanças na relação do Estado com a sociedade indiana. Uma relação pautada nas castas e classes sociais.
Foi graças aos indianos nascidos depois da liberalização econômica da Índia em 1991 (100 milhões de jovens), centrados na busca de oportunidade de emprego, que Modi chegou ao poder.
O descontentamento dos jovens indianos com as estruturas de poder pode ser um fator a se considerar pelo novo primeiro ministro tanto em sua política interna como externa. Modi deverá estar disposto pelo menos a ouvir o que estes jovens têm a dizer.
Dado sua natureza conservadora que se identifica com a direita nacionalista, Modi não irá promover grandes reformas econômicas. Buscará um meio termo que mantenha um fluxo de investimento estrangeiro ao mesmo tempo em que estende a mão ao capital nacional.
Vale lembrar que quando foi governo, o partido de Modi (Bharatiya Janata Party – BJP) fez um grande esforço para atrair investimentos estrangeiros e estabelecer o livre comércio. Perdeu as eleições de 2004 por não levar em conta as necessidades dos pobres e por só favorecer os empresários e as classes mercantis dominantes.
Para não repetir o erro Modi talvez busque um novo ciclo de crescimento econômico utilizando um modelo híbrido de carácter liberal e desenvolvimentista. Os partidários de Modi o veem com a resposta indiana ao neoliberalismo de Reagan e Thatcher.
Para tal, a ação de Modi na Índia deveria ser tão transformadora como a de Deng Xiaoping na China, conduzindo o país indiano a uma trajetória de crescimento econômico[1].
Porém, os críticos de Modi colocam em dúvida sua capacidade para ser um líder conciliador por ser hindu. Há quem defenda que a Índia não se pode permitir um líder que não seja laico em uma sociedade tão diversa.
Existem temores do que possa ocorrer caso os mulçumanos não se sintam representados. Talvez justamente devido a estes precedentes que Modi tem discursado falando sempre em unidade do povo indiano e se apresentado como líder e governante de todo o povo da Índia.
O partido de Modi, está comprometido em construir uma Índia forte, como grande potência mundial.
Possui uma posição bem mais estridente em relação à política nuclear que o governo anterior. A atual doutrina nuclear indiana restringe o uso de armas nucleares para somente no caso de defesa de um ataque nuclear.
Contudo, segundo a doutrina nuclear alternativa do Instituto de Estudos da Paz e Conflito (IPCS) de Nova Deli, desenvolvida em 2012, a Índia não pode iniciar um ataque, mas caso o Paquistão programe seus mísseis nucleares como parte de um alerta nuclear durante uma crise, a interpretação será que o Paquistão “iniciou” um ataque nuclear, o que permitiria à Índia utilizar seu arsenal nuclear. No momento ainda é difícil prever como o Paquistão reagiria caso a Índia abandone sua atual doutrina nuclear.
Quanto à China, esta poderia responder retirando suas restrições sobre as circunstâncias nas quais utilizaria suas armas nucleares. Neste caso, provavelmente o Paquistão seguiria o mesmo exemplo, formando um intensificado e instável triângulo nuclear entre China, Índia e Paquistão.
Porém, apesar de pregar uma política firme de defesa nacional baseada na modernização das forças armadas e em uma forte dissuasão nuclear, quando esteve no poder, o partido de Modi ao contrário do que se esperava, não adotou uma linha dura na política exterior.
Tomou medidas para melhorar as relações com China e Paquistão. Essa tendência tem se confirmado já nos primeiros dias do governo de Modi que de fato está quebrando paradigmas.
Pela primeira vez, um primeiro ministro indiano tomou posse na presença de seu homólogo paquistanês, Nawaz Sharif. O convite de Modi a Sharif, realizado depois de sua vitória nas urnas é reveladora.
Como ultranacionalista que é, Modi de fato empregará uma política de segurança mais rígida contra ataques terroristas de origem islâmica. Por esta razão, a visita de Sharif foi toda uma vitória diplomática entre os dois países.
Aponta que a política de segurança de Modi apesar de rígida, será respeitosa para com o Paquistão. Abre-se assim uma nova janela de oportunidades para a superação de medos e desconfianças mútuas. Sharif depois de sua visita à Índia já é visto com outros olhos.
É visto agora como o líder paquistanês capaz de vencer as barreiras desfavoráveis a uma boa relação com a Índia. Sharif jogou alto já que sabe muito bem os riscos que pode enfrentar no cenário político interno de seu país.
Setores radicais paquistaneses não gostaram de sua atitude e por isso recebeu ameaças do grupo islâmico Lashkar-e-Toiba. Como Sharif não se intimidou e foi para a posse, cabe a Modi agora dar continuidade ao processo.
Possivelmente, dado ao seu carácter de tomar decisões firmes, Modi dará mais passos de aproximação desde que Sharif sinalize que esteja aberto a elas. O relaxamento das tensões com o Paquistão daria liberdade de manobra para Modi atuar em outros projetos internacionais mais importantes e urgentes para a Índia, seus parceiros e sócios internacionais.
O partido de Modi acredita que os benefícios estratégicos do programa nuclear indiano estavam sendo desperdiçados e prega uma maior independência do mesmo sem pressões ou influência estrangeira no âmbito civil e militar.
Esta é uma clara mensagem ao Ocidente, em especial aos Estados Unidos. Uma parceria estratégica nuclear com Washington estará descartada já que Modi sempre foi conhecido por sua postura anti-EUA e por isso está proibido de entrar nos EUA desde 2005.
A Índia buscará cada vez mais reforçar o comércio com a China e com o sudeste asiático. Seu roteiro lógico é se aproximar cada vez mais de China e Rússia o que preocupa muito o Ocidente.
O novo primeiro ministro indiano é visto como um possível aliado chave de Moscou em sua confrontação com os EUA e o Ocidente. Seguramente com Modi as relações com Moscou estarão em alta, pois com a crise entre Rússia e Ocidente, Moscou se alinhou com Pequim de uma maneira nunca antes vista.
A Índia teme que tal aproximação mude o equilíbrio estratégico na Ásia e buscará a todo custo evitar que isso ocorra[2]. Assim temos uma Índia em vias de alinhamento mais profundo com a Rússia[3] que por sua vez já aprofundou suas relações com a China em todos os aspectos, sejam estes econômicos, políticos, estratégicos e militares.
As discordâncias entre Moscou e Pequim são cada vez menores, o que leva a Índia a buscar a Rússia cada vez mais. Washington parece estar muito preocupado com as implicações da aproximação da Índia com a China e a retomada dos bons e antigos laços com a Rússia.
Se Modi mantém-se fiel ao seu próprio mantra “em primeiro lugar a Índia”, então o caminho óbvio para a Índia é de se aproximar de Rússia e China[4].
A “ALIANÇA ANTI-ESTADOS UNIDOS DE PUTIN”
Segundo Roger Boyes, os países RIC (Rússia, Índia e China) formam a “Aliança anti-Estados Unidos de Putin”[5] por representarem uma ameaça à ordem mundial existente. Assim que para este colunista do ‘The Times’, os países RIC tem sua razão de ser em apoiar uma cruzada contra os EUA e a atual ordem mundial.
Porém, a verdadeira cruzada contra a ordem mundial será composta por mais nações, muitas mais.
Boyle apenas aponta o braço militar, de uma agremiação cada vez maior de nações descontentes com o atual modelo. O RIC não planeja o primeiro uso da força como forma de desmonte da ordem mundial, pois sabe que neste cenário estaria só.
A esperança está na diplomacia ao invés da força.
A Rússia, segundo Putin, espera que o pragmatismo triunfe e que se renuncie às aspirações de se criar um “quartel global”, que as relações sejam estabelecidas nos termos da igualdade e respeito dos interesses mútuos, pois já é hora de reconhecer o direito à diversidade e o direito de cada país para viver segundo seu próprio parecer sem que as normas sejam ditadas de fora[6].
Nesse sentido o RIC deposita sua fé na atuação da Alemanha e da França.
Ambos os países têm relações econômicas com a Rússia. Os interesses alemães são um contrapeso à subserviência do governo Merkel à Washington.
Os Estados Unidos irritaram os franceses ao tentar entregar a França à Wall Street. Se o desejo de soberania nacional ainda existe nos governos alemão e francês, ambos podiam declarar que se recusam a ser arrastados ao conflito com a Rússia por causa de Washington e da hegemonia financeira de bancos americanos.
Índia, China e Rússia esperam que a Comunidade Internacional, em especial EUA e União Europeia, tome parte ativa em novas iniciativas para resolver a crise do dólar.
O RIC apenas pode desempenhar um papel de apoio na realização de planos sobre divisas e infraestruturas. O ideal seria que no próximo encontro do G20 na Austrália todos buscassem uma solução negociada para incentivar a economia mundial tão enfraquecida pela crise financeira.
O primeiro passo seria apoiar a criação de moedas regionais que sirvam de base para uma nova moeda de reserva internacional.
Contudo tal iniciativa sofre forte resistência dos EUA que insistem em manter sua moeda como a principal reserva internacional.
Se a Alemanha e França fracassam e o resto do mundo acomoda-se ao impulso de Washington pela hegemonia mundial, a Rússia e a China terão que escolher entre submeter-se à hegemonia de Washington ou estarem preparadas para a guerra.
Seria uma guerra total e nuclear. A vida sobre a terra cessaria, pouco importando o escudo ABM (Anti-Ballistic Missile) de Washington.
O resultado mais provável da busca de Washington pela hegemonia mundial é a extinção da vida sobre a terra[7].
Porém, contando com a possível resistência de Alemanha e França, ou com a não acomodação das demais nações e o apoio da Índia, o RIC, propondo algo construtivo e agremiando mais nações ao seu redor com um bom histórico de relações internacionais pacíficas como o Brasil e nações de tradição terceiro-mundista dentro do G77, a tarefa de opor-se à Washington e desconstruir a atual ordem mundial torna-se mais fácil e evita um cenário de catástrofe global.
O PAPEL DA ÍNDIA
A Índia abriu outra frente no complicado jogo econômico internacional, ao promover o relaxamento das restrições à importação de ouro o que pode reviver a demanda pelo metal. Assim sendo, a Índia pode chegar perto de China e até mesmo ultrapassá-la em termos de procura de ouro[8] e isso só reforçaria o seu papel na formação de preços para os metais preciosos no mercado mundial.
Se estima que a nova política indiana nessa área vá garantir um fluxo mensal entre 15 e 20 toneladas de ouro. O aumento da procura de ouro vai gerar 3,5 milhões de postos de trabalho para a população indiana no setor de comércio de ouro e produção de joias[9].
Atuando dessa forma a Índia além de se fortalecer como referência no preço internacional do ouro vai gerar muitos empregos que garantam a estabilidade necessária para uma política desenvolvimentista no cenário nacional ao mesmo tempo que lhe garantirá poder de barganha no cenário internacional.
Mas isso não é tudo, para entender melhor essa nova frente indiana é importante ver a atual situação da Reserva Federal (Federal Reserve) dos Estados Unidos.
Segundo o ex-subsecretário do Tesouro dos EUA, Paul Craig Roberts, os EUA não possuem mais ouro e obrigaram a Alemanha a não pedir mais que se devolva seu ouro, já que os EUA não possuem meios de atender ao pedido alemão.
Ninguém vai recuperar o ouro enviado aos EUA.
Faz muito tempo que os expertos do mercado do ouro vinham suspeitando que a Reserva Federal esgotou todo o ouro dos EUA e assim que ficou sem ouro, começou a usar todo o ouro deixado em depósitos.
É uma péssima notícia para a Alemanha e demais nações que confiaram na Reserva Federal[10].
A última vítima foi a Ucrânia que no dia 7 de março de 2014 enviou secretamente suas reservas de ouro para os EUA a partir do aeroporto de Borispol, a Leste de Kiev, algo que a mídia ocidental preferiu ignorar.
Dessa forma os EUA, tomaram a custódia de todas as reservas de ouro da Ucrânia[11] e possivelmente esse ouro jamais será devolvido.
O manutenção do dólar como moeda de reserva internacional depende da Reserva Federal dos EUA.
Assim sendo, China e agora a Índia buscam comprar ouro o quanto seja possível para garantir-se de um colapso do dólar.
Com a desaceleração da compra do ouro por parte da China, a Índia entra no jogo para manter o nível de compra do metal alto. Sendo o predomínio do dólar como moeda de reserva internacional a verdadeira causa fundamental da crise financeira e econômica mundial, expandir para outras moedas não resolveria os problemas gerados pela crise de 2008.
É necessário, além disso, uma nova estrutura financeira internacional mais adaptada com a nova realidade das economias emergentes e em desenvolvimento.
Como nenhum império antes pôde manter o status de suas moedas como reserva, o dólar deixará de ser a moeda de reserva mais importante do mundo.
Na verdade, ele já está começando a perder seu status de reserva para a Europa e China[12].
Em um cenário menos catastrófico, o enfraquecimento do dólar faria sua procura declinar e os EUA seriam forçados a restringir as suas guerras e a ajustar o seu comportamento para conformar-se aos padrões internacionais.
Ou isso, ou ser isolado da política já que seu status de superpotência repousa sobre a hoje frágil hegemonia do dólar que já começa a ruir[13].
O Ocidente deveria parar de tratar o Oriente como um conjunto de colônias que pode ser intimidado ou enganado, pois caso contrário todos os pesadelos de Washington por causa de uma potencial “Aliança Anti-Estados Unidos de Putin” vão se tornar reais no futuro próximo[14] mas por uma outra agremiação de países, no caso o BRICS, com um plano de atuação em pleno desenvolvimento.
O BRICS E O PLANO ALTERNATIVO
Caso se confirme o fracasso da Alemanha e da França, e antes que os demais países se acomodem, partindo da premissa que a ordem mundial atual se baseia, em seu campo econômico, na chamada “hegemonia do dólar” que segundo Mike Whitney, aumentou o brutal desequilíbrio de poder no mundo e colocou a tomada de decisão global nas mãos de senhores da guerra em Washington cuja visão não se estende além dos interesses deles e de seus clientes[15], a desconstrução sistêmica da ordem mundial é a forma pragmática encontrada pelos países membros do BRICS[16] para superar, pelo menos no aspecto econômico, a atual ordem internacional unipolar capitaneada pelos EUA e que conta com o apoio de seu bloco ocidental, cujo braço militar é a OTAN.
Baseia-se na constatação que não faz sentido superar o atual modelo sem um modelo alternativo já organizado e operante que possa substituir o atual sem grandes turbulências.
Partindo de tal perspectiva, os parceiros BRICS lideram um processo de criação de um modelo alternativo que irá substituir de forma gradual o atual modelo.
Consideram o declínio do dólar algo inevitável e que algo deve ser feito para diminuir o máximo possível os impactos negativos deste declínio. Contam com a resistência feroz dos Estados Unidos que mesmo incapaz de salvar o dólar não aceita, ainda, a transição pacífica do mesmo para um novo modelo que o substitua[17].
Como bem lembra Noam Chomsky, as políticas dos EUA são uma ameaça para a humanidade devido que a segurança da população é uma preocupação marginal dos planificadores das políticas, as preocupações principais são a proteção do poder de Estado o do poder privado e estas determinam a política estatal dos EUA[18].
A tendência atual é que o processo, idealizado timidamente na cúpula dos BRICS em Yekaterimburgo[19], em 2009 e complementado pela Índia em Nova Deli em 2012, como veremos a seguir, ganhe forma, força e velocidade.
O BRICS já cooperara ativamente com a Argentina principalmente no G20[20].
Talvez o maior fator em comum da Argentina com o BRICS é que ambos buscam romper com o modelo imposto pelo Banco Mundial e FMI. Por esta razão, além da Índia, Brasil e África do Sul apoiam o ingresso da Argentina no BRICS.
Porém Rússia e China são mais cautelosos. Apesar disso, Modi parece disposto a visitar Buenos Aires logo após o encontro do BRICS dia 15 de julho em Fortaleza. O presidente chinês, Xi Jinping também é esperado na Argentina e Putin também já confirmou que visitará Bueno Aires em julho.
A solidariedade do BRICS em relação à Argentina vem se fortalecendo a cada dia como um recado ao atual sistema financeiro que parece haver escolhido punir economicamente este país sul-americano para que sirva de exemplo a todas as nações que se empenhem em apoiar um modelo alternativo ao atual modelo financeiro internacional[21].
Porém, parece que punir economicamente a Argentina não irá impedir que o projeto de desconstrução da atual ordem mundial seja levado a cabo pelo BRICS em Fortaleza.
A cúpula de Fortaleza será dominada pelo tema da criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS e também pela questão de saber se a instituição poderá desafiar as instituições já existentes que são um poderoso símbolo de liderança da ordem global ocidental[22].
O Banco do BRICS é uma alternativa ao Ocidente que domina o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
A ideia foi proposta pela Índia em uma reunião de ministros das Finanças do BRICS em 2012, em Nova Deli[23]. Assim que, o papel indiano no BRICS é bem ativo e responsável por muitos de seus avanços. A Índia dá sinais para que o processo seja acelerado.
Segundo o investigador do Centro Cultural de la Cooperación em Buenos Aires, Juan Manuel Karg, o BRICS criará uma nova estrutura oposta ao FMI, uma parte de uma nova estrutura financeira mundial. Esta nova estrutura não buscará intervir nos assuntos econômicos de cada um dos países. Será uma arquitetura financeira mundial que somente o BRICS pode realizar[24].
O BRICS ao oferecer uma alternativa aos financiamentos do FMI e do Banco Mundial pode colocar em xeque a política financeira mundial guarnecida pelo G7[25].
Espera-se em Fortaleza a oficialização da estrutura que irá competir com o FMI e o Banco Mundial, facilitando créditos aos países sem lhes impor as já tão famosas e criticadas medidas de choque neoliberal que os organismos financeiros controlados pelo Ocidente costumam cobrar em troca de aporte financeiro.
O Banco de Desenvolvimento do BRICS proporcionará assim crédito a projetos que beneficiarão os países emergentes e em vias de desenvolvimento.
Originalmente pensado para atender somente ao BRIC, o Banco também atenderá aos países que queiram ingressar por adesão. Sendo assim, os créditos poderão ser destinados a países africanos por exemplo.
Os benefícios ao BRICS seriam gerados pela envio dos equipamentos e mão de obra qualificada necessários ao desenvolvimento. Se o crédito fosse concedido pelo FMI ou Banco Mundial, quem enviaria seriam os países ocidentais, sem falar da imposição dos “ajustes” econômicos já citados anteriormente[26].
O Banco de Desenvolvimento do BRICS poderá contar com um capital inicial de 50 bilhões de dólares. Assim sendo, poderá cobrir a demanda por financiamento de projetos de desenvolvimento que o atual sistema financeiro global não pode satisfazer[27].
Considerando a atuação indiana desde o princípio da proposta de criação deste banco não seria surpresa que sua sede fosse em Nova Deli. Porém, segundo fontes próximas das negociações a vontade chinesa em sediar o Banco de Desenvolvimento foi insuperável e possivelmente a sede será em Xangai.
Para a Índia coube abrigar um escritório regional do BRICS[28]. Pelo menos, ao parecer, o interesse chinês em aportar mais fundos ao Banco para poder ter mais poder sobre a instituição foi impedido o que significa dizer que possivelmente levar a sede do Banco para a China serviu para fazer Pequim desistir de seu projeto de mais poder dentro da instituição.
O Banco do BRICS começará a funcionar oficialmente em 2016, tendo já resolvidas todas as potenciais barreiras e divergências que impediam sua constituição e será uma alternativa digna no mundo financeiro[29].
A criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS possui também conotações políticas já que permitirá ao BRICS promover seus interesses pelo mundo.
Com este grupo fortalecido, cada vez mais será possível que este defenda os interesses particulares de seus membros. Mas vale lembrar que, pelo menos por enquanto, a criação desta estrutura alternativa de financiamento global não quer dizer que o BRICS abandonará o Banco Mundial e o FMI[30].
Inicialmente o Banco de Desenvolvimento do BRICS não substituirá o FMI. Porém o surgimento de tal instrumento ajudará estes países a desenvolver-se, podendo no futuro desafiar o predomínio dos EUA no mundo financeiro[31]. Caberá ao BRICS decidir o momento mais adequado para tal ação.
TRATADO CONSTITUTIVO DO ARRANJO CONTINGENTE DE RESERVAS
Como se não fosse pouco, o BRICS também planeja constituir um fundo de reservas cambiais ou monetárias, será um fundo monetário de estabilização, denominado “Arranjo Contingente de Reservas” (Contingent Reserve Arrangement – CRA) para reforçar a cooperação e alavancar as trocas comerciais entre o BRICS por meio do Tratado Constitutivo do Arranjo Contingente de Reservas.
Este Fundo de Reservas constitui um seguro ou garantia no caso de que um dos membros do grupo sofra problemas financeiros. Permitirá aliviar qualquer falta de liquidez dos países membros, no caso de uma desvalorização repentina não desejada da moeda nacional diante de uma saída brusca de capital inspirada por qualquer política monetária da Reserva Federal dos EUA.
O BRICS, assim, poderia receber auxílio, evitando problemas internos e possíveis crises bancárias. O Fundo de Reservas ficaria assim como uma alternativa ao FMI. Será justamente este fundo o responsável pelo abandono gradual do dólar nas trocas cambiais[32], caso seus membros não se intimidem com a possíveis ameaças que EUA e União Europeia empreguem para evitar que isso ocorra.
O Fundo de Reservas, receberá um aporte de 100 bilhões de dólares e seu Arranjo Contingente de Reservas (CRA) terá 41 bilhões da China, Brasil, Rússia e Índia entrarão com 18 bilhões cada e a África do Sul com 5 bilhões[33].
Se tal lógica se confirma a China terá um poder considerável sobre o Fundo. O BRICS está se afastando do FMI e do Banco Mundial, criados há 70 anos, sob controle do Departamento do Tesouro dos EUA.
As duas iniciativas abrem espaços de cooperação financeira frente à volatilidade do dólar, e alternativas de financiamento para países em situação crítica, sem submeter-se a condicionalidades mediante programas de ajuste estrutural e reconversão econômica[34].
O CRA do BRICS garante maior autonomia política frente aos EUA. A guerra de divisas das economias centrais contra as economias da periferia exige que esse CRA seja executado, e com a máxima rapidez[35].
No caso de os empréstimos do Banco BRICS serem denominados em Yuan, a moeda chinesa estará avançando na própria internacionalização e reforçará gradualmente sua posição, como meio de pagamento e moeda de reserva, em detrimento de outras divisas.
Mas, além da consolidação de um mundo multipolar, o CRA e o Banco BRICS representam as sementes de uma arquitetura financeira que emerge numa etapa da crise cheia de contradições, ao mesmo tempo caracterizada pela cooperação e pela rivalidade financeira[36].
Segundo Oliver Stuenkel, a decisão do Brasil de convidar todos os líderes sul-americanos para conhecerem Xi, Modi, Zuma e Putin após a cúpula é uma tentativa para se posicionar como líder e representante da região.
Se estruturada da maneira correta, não só ajudará a fortalecer os laços do Brasil com as principais economias emergentes do mundo, mas também mostrará aos seus vizinhos que Brasília tem um projeto regional que envolve a ligação de todo o continente com o mundo[37].
Vou mais além, este papel do Brasil já está consolidado diante do BRICS e da América do Sul. O convite aos membros da UNASUL não é apenas uma jogada brasileira. Está muito bem orquestrado com os demais parceiros do BRICS.
Este será o primeiro encontro político da UNASUL com o BRICS. No dia seguinte a este encontro haverá uma reunião de chefes de Estado e Governo da China e Brasil com o quarteto da Comunidade de Estados Latino-Americanos (CELAC), que integram Cuba, Costa Rica, Equador e um membro da Comunidade do Caribe.
Assim sendo, o objetivo maior é anunciar a criação e apresentar a todos estes países e a quem representam as duas instituições financeiras alternativas à atual ordem mundial e lograr o apoio do maior número possível de nações ao modelo alternativo em formação patrocinado pelo BRICS. Assim sendo, olhando de maneira mais ampla, a visão brasileira está em sintonia com seus parceiros BRICS.
Em poucos meses o BRICS se articulou com uma grande quantidade de países, todos necessários para dar suporte à desconstrução sistêmica da ordem mundial em rumo. A China atuou no G77+China[38] enquanto que a Índia fez várias consultas com seus parceiros asiáticos. A Rússia e a China também sondaram seus parceiros mais próximos.
No caso da América do Sul, é natural ao Brasil convidar os demais países para um encontro com o BRICS devido a fatores históricos e geopolíticos. Porém o “projeto regional que envolve a ligação de todo o continente com o mundo”, não é exclusivo do Brasil, ele pertence ao BRICS e caberá ao grupo defender tal projeto porque também é um interesse do Brasil.
Tudo deverá estar pronto para o encontro dos Ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais do BRICS em Melbourne que ocorrerá as margens da reunião do G20.
Será no G20, na Austrália, que se sentirá o primeiro impacto da estrutura alternativa sobre a ordem vigente. A reação do G20 será determinante.
Considerando o atual momento eleitoral que viverá o Brasil em outubro e os constantes ataques da imprensa nacional e internacional contra o atual governo brasileiro, a crise da Rússia com o Ocidente e o aquecimento das tensões na Ásia por questões conectadas com a China e esta confirmada como sede do Banco de Desenvolvimento, provavelmente caberá à Índia atuar nos bastidores com mais liberdade de ação para garantir o sucesso do projeto alternativo que dará largada em 2016.
Veremos o que G20 terá a dizer sobre tudo isso e se o projeto de desconstrução sistêmica da ordem mundial seguirá seu rumo.
[1] http://www.france24.com/en/20140526-hopes-new-era-pakistan-ties-india-narendra-modi-sworn-nawaz-sharif/
[2] http://actualidad.rt.com/actualidad/view/128372-india-narendra-modi-nacionalismo-eeuu
[3]http://in.rbth.com/economics/2014/06/20/indias_quest_for_self-reliance_in_defence_and_russias_contribution_36093.html
[4] http://in.rbth.com/world/2014/06/03/does_the_west_fear_a_ric_alliance_35697.html
[5] http://www.thetimes.co.uk/tto/opinion/columnists/article4101687.ece
[6] http://sp.ria.ru/international/20140701/160618193.html
[7] http://www.globalresearch.ca/can-putins-diplomacy-prevail-over-washingtons-coercion/5388468
[8] China vem importando um pouco mais de mil toneladas de ouro, enquanto a Índia importa algo em torno de 975 toneladas.
[9] http://in.rbth.com/russian_india_experts/2014/05/30/india_could_overtake_china_in_gold_imports_-_russian_ac_35627.html
[10] http://kingworldnews.com/kingworldnews/KWN_DailyWeb/Entries/2014/6/27_Paul_Craig_Roberts_-_The_Entire_U.S._Gold_Hoard_Is_Now_Gone.html
[11] http://www.globalresearch.ca/ukraines-gold-reserves-secretely-flown-out-and-confiscated-by-the-new-york-federal-reserve/5373446
[12] http://www.businessinsider.com/why-the-us-dollar-will-eventually-stop-being-the-worlds-reserve-currency-2014-6
[13] http://www.counterpunch.org/2009/10/06/dollar-hysteria/
[14] http://in.rbth.com/world/2014/06/03/does_the_west_fear_a_ric_alliance_35697.html
[15] http://www.counterpunch.org/2009/10/06/dollar-hysteria/
[16] Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
[17] http://www.counterpunch.org/2009/10/06/dollar-hysteria/
[18] http://actualidad.rt.com/actualidad/view/132717-chomsky-gobierno-eeuu-catastrofe-humanidad
[19] Ekaterimburgo (em russo: Eкатеринбург); http://archive.kremlin.ru/eng/articles/bric_1.shtml
[20]http://br.rbth.com/internacional/2014/05/29/brics_nao_discutem_possivel_expansao_do_grupo_25867.html
[21] http://actualidad.rt.com/economia/view/132576-argentina-fondos-buitre-argentina-paul-songer
[22] http://www.postwesternworld.com/2014/06/17/possibilidade-fortalecer-regionais/
[23] http://en.ria.ru/world/20140513/189787321/Argentina-Might-Join-BRICS–Indian-Ambassador.html
[24] http://actualidad.rt.com/economia/view/129717-brics-fmi-banco-brasil-finanzas
[25] http://cenarioestrategico.com/?p=2128
[26] http://es.rbth.com/economia/2014/04/18/los_brics_crearan_su_propio_fmi_39411.html
[27] http://actualidad.rt.com/economia/view/129647-brics-banco-creditos-bm
[28] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/169998-china-vence-e-sera-sede-do-banco-dos-brics.shtml
[29] http://portuguese.ruvr.ru/news/2014_07_02/Banco-dos-BRICS-lan-a-desafio-ao-predom-nio-financeiro-dos-EUA-4015/
[30] http://es.rbth.com/economia/2014/04/18/los_brics_crearan_su_propio_fmi_39411.html
[31] http://portuguese.ruvr.ru/news/2014_07_02/Banco-dos-BRICS-lan-a-desafio-ao-predom-nio-financeiro-dos-EUA-4015/
[32] http://es.rbth.com/economia/2014/04/18/los_brics_crearan_su_propio_fmi_39411.html
[33] http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/169998-china-vence-e-sera-sede-do-banco-dos-brics.shtml
[34] http://redecastorphoto.blogspot.com.es/2014/07/vi-cupula-dos-brics-as-sementes-de-uma.html?spref=fb
[35] http://redecastorphoto.blogspot.com.es/2014/07/vi-cupula-dos-brics-as-sementes-de-uma.html?spref=fb
[36] http://redecastorphoto.blogspot.com.es/2014/07/vi-cupula-dos-brics-as-sementes-de-uma.html?spref=fb
[37] http://www.postwesternworld.com/2014/06/17/possibilidade-fortalecer-regionais/
[38] “Por uma nova ordem mundial para viver bem” foi o tema da cimeira G77+China, celebrada nos dias 14 e 15 de junho em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Ao ser o maior grupo de países da ONU, o G77 desempenha papel importante na construção de uma agenda para o desenvolvimento depois de 2015, disponivel em: http://actualidad.rt.com/actualidad/view/131115-g77-bolivia-nuevo-orden-mundial
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“As opiniões contidas neste artigo são de única responsabilidade do referido autor e não obrigatoriamente refletem a opinião do Cenário Estratégico”
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