Com 55,9% do PIB e em confronto com a Receita, banqueiros jogam pesado na autonomia do Banco Central.
Via Blog do Profírio
No dia 16 de agosto de 2013 o Banco Itaú se viu obrigado a comunicar ao mercado que havia sido autuado por sonegação de impostos pela Receita Federal em R$18,7 bilhões – R$11,845 bilhões em Imposto de Renda (IR) e mais R$6,867 bilhões em Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), acrescidos de multa e juros.
No dia 3 de fevereiro de 2014, o banco voltou ao mercado para informar que a Receita confirmara a autuação e já o estava intimando a recolher os impostos devidos.
Era a maior autuação de uma empresa no Brasil por conta de uma única operação, a absorção do Unibanco, em 2008.
Entre o primeiro e o segundo comunicado foram feitas gestões infrutíferas, restando ao agora maior banco brasileiro recorrer junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, garantindo que considerava “remoto” o risco de perda na cobrança, pelo que não faria qualquer provisão para o pagamento da infração.
Essa autuação, com base numa divergência sobre os procedimentos adotados em 2008 para incorporar o Unibanco, registrou um valor maior de que o lucro líquido de 2013, que alcançou R$15,695 bilhões, e foi apresentado pelo Itaú em 4 de fevereiro de 2014 como o maior já obtido por um banco em nosso país.
Ao tomar a iniciativa de informar sobre as autuações sigilosas da Receita Federal, o Itaú visava mobilizar todo o sistema contra o governo federal.
Ele já tinha questionado o vazamento da notícia e também estranhara a divulgação da compra do Credicard por R$$2,8 bilhões em maio de 2013, negócio que chegou a desmentir, mas que se viu obrigado a confirmar no mesmo mês.
A iniciativa vingou e hoje os três maiores bancos privados que têm quase 90% dos depósitos (junto com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica) estão em ostensiva articulação.
O episódio que envolveu o Banco Santander num “panfleto” para jogar seus clientes contra Dilma está dentro desse contexto.
Por ser um banco estrangeiro, o Santander foi escalado para o ensaio.
Uma comunicação aos clientes “selects”, com renda maior de R$10 mil mensais, teve o teor explosivo de um panfleto partidário golpista, como qualquer um poderá concluir do texto abaixo.
“A economia brasileira continua apresentando baixo crescimento, inflação alta e déficit em conta corrente.
A quebra de confiança e pessimismo crescente em relação ao Brasil em derrubar ainda mais a popularidade da presidente, que vai caindo nas últimas pesquisas, e que tem contribuído para a subida do Ibovespa.
Difícil saber até quando vai durar esse cenário e qual será o desdobramento final de uma queda ainda maior de Dilma Rousseff nas pesquisas.
Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir.
O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e um o índice da Bovespa caíra, revertendo parte das altas recentes.
Esse último cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos fundamentos macroeconômicos.
Diante desse cenário, converse com o seu Gerente de Relacionamento Select para alocar seus investimentos da maneira mais adequada ao ser perfil de investimento”.
Esse documento descabido, impresso no extrato dos clientes, pegou muito mal e levou a alguns gestos pirotécnicos da direção do banco, culminando com a demissão de quatro funcionários, sacrificados dentro da lógica empresarial: ninguém escreveria aquilo por conta própria.
Mas era preciso reduzir a repercussão negativa que afetava o banco que ganhou o então poderoso Banco do Estado de São Paulo de mão beijada, na privataria tucana.
(O Banespa foi vendido para o Santander em novembro de 2000 por R$7 bilhões, na maior privatização do sistema financeiro brasileiro até então.)
A oligopolização que começou na ditadura
Em meu primeiro emprego, repórter do jornal Última Hora, fui encaminhado para abrir conta num pequeno banco, o Delamare, que só existia no Rio (pelo que me consta) e tinha uma única agência, na Avenida Presidente Vargas. Era março de 1961.
Naqueles idos, o sistema bancário era pulverizado por quase um milhar de estabelecimentos, muitos de caráter regional.
Lembro que os bancos caçavam depósitos por meio de seus anúncios. Isso dava uma força preponderante a seus clientes.
E tinham uma relação respeitosa com o governo: não se constituíam ainda numa força política bajulada e temida.
Com o passar dos tempos, a partir da ditadura militar, os bancos pequenos foram sumindo, engolidos pelos grandes.
Em 1971, a ditadura criou uma Comissão de Fusão e Incorporação de Empresas (Cofie) e estimulou a oligopolização.
Até a década de 1990 ainda tínhamos bancos médios. Hoje, não.
Praticamente todo o sistema financeiro está concentrado em cinco bancos, que em 2013 detinham R$1,4 trilhão em depósitos, o equivalente a 83% do total.
Em 1995, 68% dos depósitos estavam nos grandes bancos. Desses cinco, o Itaú foi o que mais inchou, passando à frente do Bradesco e equiparando-se ao Banco do Brasil.
Os outros dois maiorais são Caixa Econômica e Santander.
Em 1995, o Itaú tinha 4% dos ativos do setor.
Em 2012, segundo números do Banco Central, chegou a 19%, junto com o BB (20%) e à frente do Bradesco (14%), Caixa (15%) e Santander (10%).
Em sexto lugar, estava o HSBC, com 3%.
No mesmo dia em que foi autuado, o Itaú anunciou uma fusão no Chile com o Corpbanca, tornando-se a quarta maior rede bancária daquele país, ampliando sua presença também na Colômbia, onde tem agências.
Quatro dias depois, em 4 de fevereiro, o mesmo Itaú informou seu lucro em 2013: R$15,695 bilhões, ou 15,5% a mais do que em 2012, em contraste com os seus alardes sobre baixo crescimento da economia.
Antes, o Bradesco havia registrado um lucro líquido de R$12,011 bilhões.
Os dois somaram ganhos de R$27,706 bilhões, ou R$2,809 bilhões a mais do que toda a “ajuda” de R$24,897 bilhões do governo a 50 milhões de brasileiros, por meio do programa Bolsa Família, embora este tenha registrado um aumento mensal por família de R$107,00 para R$216,00, segundo o Ministério de Desenvolvimento Social.
Sistema financeiro tem hoje 55,9% do PIB brasileiro
A voracidade dos bancos acendeu a luz vermelha no Planalto. Essa luz vermelha se refletiu nas casamatas do sistema financeiro.
O Itaú, que ainda espera reverter a multa na Justiça, se deu conta de que seu poder de fogo e do sistema bancário, que parecia incontestável, corre um risco real diante do governo de uma presidenta “durona”, inflexível no respeito à ação dos órgãos do Estado.
O que vale para a Polícia Federal, que tem agido com ostensiva autonomia, vale também para a Receita Federal, que tem pilhado antigos intocáveis sem nenhum constrangimento.
O sistema financeiro hipertrofiou e reforçou de forma perversa a hegemonia da economia.
Em 2004, o volume total do Sistema Financeiro Nacional ficou na casa dos 26% do PIB, bastante em linha com os percentuais registrados nos quatro anos anteriores, e no decorrer dos últimos dez anos foi batendo recordes até atingir 55,9% em abril deste 2014, quando as operações de crédito somaram R$2,77 trilhões, conforme o Banco Central.
O setor produtivo tornou-se desesperadamente dependente dos conglomerados financeiros, que não se limitam a vender crédito.
Embora já lucrem em excesso com o crédito mais caro da nossa história, os bancos não ficam por aí.
Hoje, o Bradesco tem o controle acionário da Vale do Rio Doce, como outras empresas vivem situações idênticas, num quadro periclitante, que reclama maior intervenção do governo federal para reverter essa relação.
É aí que os bancos optam por uma cartada ousada, a desvinculação do Banco Central das políticas de governo.
O que poderá acontecer com essa “autonomia” não é difícil imaginar. Basta consultar a lista dos diretores do BC que hoje dão as cartas no “mercado”.
A autonomia jurídica do Banco Central, nos moldes do FED norte-americano, foi sugerida a Aécio Neves, que não topou assumi-la publicamente, mas anunciou Armínio Fraga, homem do mercado e defensor dessa proposta, como seu ministro da Fazenda, em caso de vitória.
Já Marina Silva, que se fez presidenciável com a morte de Eduardo Campos em acidente aéreo sob investigação, não pensou duas vezes: abraçou a autonomia como emblema do seu programa econômico.
Afinal, a coordenadora do seu programa de governo e arrecadadora é Neca Setúbal, herdeira do Itaú.
Isso precisa ser mais discutido. É o que pretendemos.
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