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domingo, 21 de setembro de 2014

Boaventura de Sousa Santos: O que está em jogo no Brasil

Carta Maior
15/09/2014 - Copyleft 
Boaventura de Sousa Santos

O que está em jogo no Brasil


O que há de verdadeiramente novo na candidatura de Marina Silva significa um retrocesso não só político como civilizacional.



Escrevo esta crônica de Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso e que é também a capital do que no Brasil se designa por agronegócio (agricultura industrial de monocultura:


 soja, algodão, milho cana do açúcar), 


a capital do consumo de agrotóxicos que envenenam a cadeia alimentar e da violência contra líderes camponeses e indígenas que defendem as suas terras da invasão e do desmatamento ilegais. 


Reúno-me com líderes de movimentos sociais, um deles (indígena Xavante) chegado à reunião clandestinamente por estar sob ameaça de morte. 


Deste lugar e desta reunião torna-se particularmente claro o que está em jogo nas próximas eleições no Brasil.


As classes populares 


– o vasto grupo social de pobres, excluídos e discriminados que viu o seu nível de vida melhorado nos últimos doze anos com as políticas de redistribuição social iniciadas pelo Presidente Lula e continuadas pela Presidente Dilma – 


estão perplexas mas têm os pés bem assentes no chão e não me parece que sejam facilmente iludidas. 


Sabem que as forças conservadoras que se opõem à Presidente Dilma estão apostadas em recuperar o poder político que perderam há doze anos. 


Conscientes de que a época Lula transformou ideologicamente o país, não o poderão fazer pelos meios e com os protagonistas habituais. 


Para pôr fim a essa época é necessário recorrer a alguém que a evoque, Marina Silva, o desvio contra-natura para chegar ao poder.


 A pouco e pouco as classes populares vão conhecendo o programa de Marina Silva e identificando, tanto o que nele é transparente, quanto o que nele é mistificatório.

 

É transparente o regresso ao neoliberalismo que permita os lucros extraordinários decorrentes das grandes privatizações (da Petrobras ao pré-sal) e da eliminação da regulação macroeconómica e social do Estado. 


Para isso se propõe a total independência do Banco Central e a eliminação das diplomacias paralelas (leia-se, total alinhamento com as políticas neoliberais dos EUA e da UE). 


É mistificatório o recurso a conceitos como o de “democracia de alta intensidade” e de “democratizar a democracia” 


– conceitos muito identificados com o meu trabalho mas de que é feito um uso totalmente oportunístico – 


como se fosse uma novidade política quando, de fato, do que se trata é, no seu melhor, a continuação do que tem vindo a ser feito em alguns estados de que é exemplo mais notável o do Rio Grande do Sul.

Acresce a tudo isto que o que há de verdadeiramente novo na candidatura de Marina Silva significa um retrocesso não só político como civilizacional.


 Trata-se da certificação da maioridade política do evangelismo conservador. 


O grupo parlamentar evangélico é já hoje poderoso no Congresso e o seu poder está totalmente alinhado, não só com o poder econômico mais predador (a bancada ruralista), a que a teologia da prosperidade confere desígnio divino, como com as ideologias mais reacionárias do criacionismo e da homofobia. 


Marina, se eleita, levará tais espantalhos ideológicos para o Palácio do Planalto para que de lá façam a pregação do fim da política, da ilusão da diferença entre esquerda e direita, da união entre ricos e pobres. 


Tirando o verniz religioso, trata-se do regresso democrático à ideologia da ditadura, no ano em que o Brasil celebra o mais longo e mais brilhante período de normalidade democrática da sua história (1985-2015).

Em face disto, por que estão perplexas as classes populares? 


Porque a Presidente Dilma nada faz ou diz para lhes mostrar que está menos refém do agronegócio que Marina Silva. 


Nada faz ou diz para mostrar que é urgente iniciar a transição para um modelo de desenvolvimento menos centrado na exploração voraz dos recursos naturais que destrói o meio ambiente, expulsa camponeses e indígenas das suas terras e assassina os que lhe oferecem resistência. 


Bastaria um pequeno-grande gesto para que, por exemplo, os povos indígenas e afrodescendentes se sentissem protegidos pela sua Presidente:


 mandar publicar as portarias de identificação, de declaração e de homologação de terras ancestrais, portarias que estão prontas, livres de qualquer impedimento jurídico e apenas engavetadas por decisão política.


O que as classes populares e os seus aliados parecem não saber é que não basta querer que a Presidente Dilma ganhe as eleições. 


É necessário vir para a rua lutar por isso. 


Ao contrário, os adversários dela sabem isso muito bem.


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