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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Ataque ao pré-sal pode desarticular integração do continente à brasileira


VIOMUNDO


publicado em 1 de setembro de 2014 às 0:24



por Luiz Carlos Azenha




                                           
                                                          O velho slogan ganha atualidade



2007. Estados Unidos. Assessores de Barack Obama chegam a flertar com os progressistas da América Latina. Chávez, Evo, Correa, Lula. 

No programa do candidato a candidato do Partido Democrata, a sugestão de que a distribuição de renda poderia estabilizar a região. 

Eu morava em Washington, então. 

2008. Setembro. Desmorona a Lehman Brothers. 

Tem início a maior crise econômica internacional desde 1929. 

George W. Bush transfere o poder a Obama já compromissado com uma trilionária injeção de dinheiro público para salvar os bancos. 

Mundo louco, o nosso: a direita norte-americana delira quando o “socialista” Obama salva a General Motors à base do intervencionismo estatal.

Na origem da crise estavam papéis podres, títulos sem lastro, dissociados de riqueza real.

Especulação pura e simples. 

Coisa tão maluca que era possível fazer fortuna apostando na quebra de uma empresa, com a consequente perda de milhares de empregos. 

CapEtalismo, como brinca um de nossos leitores. 

Cada transação destas rendia uma fração do dinheiro envolvido aos bancos. Famosas taxas de administração, que resultavam em gordas comissões aos facilitadores.

Detentores da moeda de troca universal, os EUA enfrentaram a crise exportando parte dela através do QE, o chamado Quantitative Easing. 

Trocando em miúdos, imprimindo dinheiro à vontade e injetando na economia. 

Foi isso, nada mais do que isso, que sustentou Wall Street. 

Bolsa em alta, povo em baixa. 

Desemprego. Cozinhas de emergência. Recorde na distribuição dos food stamps, os cupons para compra em supermercados que equivalem ao Bolsa Família brasileiro. Concentração de renda.

Na Europa, onde a Alemanha representa um terço do PIB total, o cassino estava montado como se fosse uma fila de dominós. 

Na ponta, irlandeses, espanhóis, portugueses e gregos, que haviam aproveitado o dinheiro barato do tempo das vacas gordas para fazer investimentos imobiliários. 

A casa. A casa de campo. O apartamento na praia. 

Os emprestadores eram bancos espanhóis, conectados aos italianos, por sua vez ligados aos franceses, conectados aos britânicos e assim sucessivamente, até chegar a Berlim.

Angela Merkel, atendendo à opinião pública alemã, que vê os mediterrâneos como gastadores irresponsáveis, pendurou a conta na periferia.

A penúria atual dos gregos, o desemprego recorde dos jovens espanhóis, a nova onde de imigração de irlandeses, os profissionais portugueses que redescobrem o Brasil — isso tudo é apenas consequência.

As versões japonesa e europeia do QE dos Estados Unidos deram resultados igualmente pífios. 

O PIB da Alemanha teve uma retração de 0,2% no segundo trimestre de 2014, assim como o da Itália, com a França registrando dois trimestres consecutivos de crescimento zero.

Para complicar ainda mais, a desastrosa intervenção externa dos Estados Unidos na Ucrânia vai provocar um retração de 10 a 15% em uma economia relativamente importante do Leste, exigindo um resgate não inferior a U$ 50 bilhões.

A possibilidade de uma recessão global está no horizonte, escreve Jack Rasmus no Counterpunch.

Rasmus, aliás, acredita que vivemos o prelúdio de uma depressão global.

A China, que com sua fome de matérias primas sustentou economias exportadoras, cresce a um ritmo bem inferior ao do passado, apesar de ter adotado suas próprias medidas de estímulo. O cobertor anda curto na economia globalizada.

O fato concreto é que nunca houve, de fato, uma contabilidade honesta de 2008. 

A papelada sem lastro continuou voando por aí, às custas de uma imensa transferência de riqueza dos 99% para o 1% — a classe que administra e controla o sistema financeiro. 

Mas o rombo é tão gigantesco que talvez exija uma guerra para “estimular” a economia. John Pilger, por exemplo, acha que os EUA caçam guerra no entorno da Rússia.

Não seria a primeira, obviamente.

Uma das saídas para lastrear as operações financeiras a descoberto em riqueza palpável, material — como o minério de ferro de Carajás, o cobre do Chile ou o coltan do leste do Congo — é a recolonização.

Vimos isso mais recentemente no Iraque, no Sudão e na Líbia.

A invenção do Sudão do Sul assim, de forma improvisada, foi um jeito de tirar da China o controle de reservas de petróleo estrategicamente situadas, desenvolvidas com o dinheiro de Beijing.

Na Líbia, a operação conjunta Estados Unidos-OTAN nada mais foi que a desestatização na marra do petróleo, cuja renda o ditador Kadafi utilizava para financiar projetos de autonomia africana.

Autonomia é algo que não combina muito bem com o capitalismo em crise, pois ela se sustenta na exploração soberana de recursos naturais disponíveis em determinado espaço geográfico.

Na América do Sul, desde o início dos anos 2000, surfando no apetite gigantesco dos chineses por matéria prima, o governo Lula jogou um papel decisivo.

O continente em geral e o Brasil em particular atingiram um nível de autonomia política que jamais tinham vivido anteriormente, ainda que sob a sombra permanente do Tio Sam.

Washington deixou claro quais seriam os limites geográficos da “ousadia” que estava disposta a aturar quando despachou o governo de Honduras em 2009. Era avançar demais sobre o quintal alheio.

A arquitetura anti-hegemônica brasileira, costurada inicialmente pelo ministro Celso Amorim, incluiu a diversificação de mercados, a independência em relação ao FMI, a ampliação e o fortalecimento do Mercosul, a criação da Unasul, a ‘ultrapassagem’ da OEA e o fortalecimento das relações entre os BRICs, para citar apenas alguns passos.

Embora as campanhas eleitorais sempre priorizem as questões domésticas, não podemos deixar de considerar esta arquitetura também estará em jogo nas eleições de outubro deste ano: o desmanche, o realinhamento ou o fortalecimento do projeto de inserção do Brasil na economia global adotado há mais de dez anos.

Isso, num quadro de crise econômica duradoura, em que as finanças miram, acima de tudo, as grandes riquezas ainda disponíveis na América do Sul.

O filé mignon é o megalastro energético que, aos poucos, vai se transformando no pilar central do desenvolvimento integrado do continente.

A saber: o pré-sal brasileiro, as reservas de gás da Bolívia e as maiores reservas de petróleo pesado do mundo, na faixa do Orinoco, na Venezuela. 

De certa forma, estas reservas começam a se tornar interdependentes, embora de forma ainda incipiente.

Aqui, somos nós, os sulamericanos, que estamos diante de nossa própria sequência de dominós. A queda de um coloca em risco todos os outros.

Talvez seja apenas retórica de campanha, para agradar usineiros; ou uma satisfação aos que sonham com a era pós-petróleo. 

Se Marina Silva, de fato, não considera prioritário o desenvolvimento do pré-sal, pode estar colocando em risco toda a arquitetura da integração continental à brasileira que herdamos do governo Lula — e isso, para além da ideologia, se traduz em emprego e renda.

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