25 de Novembro de 2016 - 17h04
Fagnani participou do seminário “Previdência Social: reformar ou destruir?”, realizado na última segunda (21), em São Paulo. O evento foi promovido por Le Monde Diplomatique e Plataforma Política e Social e também contou com a presença dos economistas André Calixtre, do Ipea, e Denise Gentil, da UFRJ.
“O que está em jogo hoje é a implantação radical do liberalismo no Brasil. A ideia é acabar com o Estado Social, fundado na Constituição de 1988, e implantar o Estado mínimo liberal”, disse, destacando que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a ascensão de um governo que não foi eleito representaram a janela de oportunidade necessária à implementação de medidas tão impopulares. “É uma oportunidade, porque um projeto desse tipo não passa pelo crivo popular”, afirmou, durante o evento.
Segundo ele, essa investida liberal inclui a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece um teto para os gastos primários do governo; o fim da vinculação de recursos para educação e saúde; a ampliação do percentual de Desvinculação de Receitas da União (DRU); uma reforma tributária que não deverá enfrentar a injustiça fiscal, mas poderá acabar com fontes de financiamento vinculadas à seguridade social; a reforma da Previdência, além de vários retrocessos na legislação trabalhista.
Uma reforma injusta
Entre as medidas que estão previstas na reforma da Previdência de Temer, está desvincular benefícios do salário mínimo. “Vamos voltar ao que era na época da ditadura militar”, previu o economista, se referindo à época na qual o governo corrigia os benefícios previdenciários abaixo da inflação, o que achatava o poder de compra dos aposentados.
Outro retrocesso que a atual gestão quer implementar é unificar as regras de aposentadoria, fazendo com que sejam iguais para homens, mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, do setor público e privado. Segundo o que tem sido divulgado até então, a ideia é que todos só possam receber o benefício após atingirem a idade mínima de 65 anos.
Para Fagnani, não é possível tratar de forma igual aqueles que são diferentes. “O Brasil é um país desigual. Aqui, 80% da pobreza está na zona rural do Nordeste. Como posso tratar o país todo da mesma forma, diante dessa heterogeneidade? ”, questionou.
Ele sublinhou ainda que, antes da crise de 2008, os países europeus centrais, tinham estabelecido idades mínimas de aposentadoria inferiores a 65 anos e, depois da turbulência econômica, alteraram para 65. Ocorre que, nesses locais, a situação socioeconômica é muito melhor que a do Brasil e, portanto, não faria sentido seguir este padrão por aqui.
“O trabalhador rural do Nordeste vai ter as mesmas regras de aposentadoria do trabalhador urbano da Escandinávia? É justo isso? Não podemos seguir este padrão, pelo abismo que nos separa desses países, do ponto de vista dos indicadores sociais, econômicos, demográficos etc”, criticou.
Demonização do gasto social
Para justificar a reforma da Previdência, o governo Temer alega que, desde 1993, os gastos públicos primários crescem em ritmo acelerado, o que comprometeria o equilíbrio das contas do país. Nesta semana, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, voltou a responsabilizar o aumento dos gastos com previdência, assistência social e transferência de renda pelos problemas fiscais.
Eduardo Fagnani, que é professor da Unicamp, desconstruiu tal discurso durante o seminário. Para ele, setores ligados aos detentores da riqueza criaram um “falso consenso” de que o gasto social é o “vilão” da estabilidade. “É a ideia de que as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento e de que você não vai conseguir estabilizar a questão fiscal se não rever o contrato social de 1988. Mas esse é um argumento absurdamente falso”, disse.
De acordo com ele, o crescimento do gasto social é um fenômeno global e, mesmo no auge do neoliberalismo e durante a crise de 2008, diversos países ampliaram as despesas sociais. O professor destacou que os gastos se aceleraram a partir de 1993, porque foi a partir de então que os direitos sociais previstos na Constituição começaram a ser implementados.
“Foi a erupção do ‘desrepresamento’ secular de direitos. Em 500 anos, é a primeira vez que o trabalhador rural tem o mesmo direito do trabalhador urbano, no caso da Previdência. É a primeira vez que temos o seguro desemprego, que passamos a ter um benefício como o da Prestação Continuada”, exemplificou.
Previdência contra a pobreza
Segundo Fagnani, o maior símbolo de que a reforma da Previdência proposta pelo governo só leva em consideração a questão fiscal foi a incorporação do Ministério da Previdência à pasta da Fazenda.
“Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Significa que a própria Fazenda não precisa nem de intermediários, ela mesma vai fazer o serviço. (...) É uma reforma fiscalista, que não pensa na questão redistributiva da Previdência”, classificou.
O economista ressaltou que a Previdência é hoje o maior instrumento de proteção social do Brasil. O governo, contudo, ignora sua importância. Só em 2015 foram concedidos cerca de 20 milhões de benefícios urbanos e 10 milhões de benefícios rurais.
“São 30 milhões de benefícios diretos, e a maior parte deles equivale ao piso do salário mínimo. Se essas famílias tiverem mais dois membros, direta ou indiretamente, estou beneficiando 90 milhões de pessoas. Se tiverem mais três membros, estamos falando de 120 milhões de pessoas envolvidas. Ou seja, a Previdência, direta ou indiretamente, beneficia cerca de 100 milhões de pessoas - metade da população brasileira”, contabilizou.
No país, apenas 7% dos idosos estão abaixo da linha de pobreza. Sem a Previdência, eles seriam 70%. De acordo Fagnani, a Previdência ajuda ainda no combate ao êxodo rural, fomenta a agricultura familiar, movimenta a economia regional, cumpre um importante papel redistributivo nos municípios mais pobres e reduz a desigualdade da renda.
“É um instrumento de proteção extraordinário, que tem impacto na redução da pobreza. Então não posso pensar em uma reforma que só tenha por objetivos a questão fiscal, o corte de gastos”, alertou.
Falácias alimentam a reforma fiscalista
Durante o seminário, o professor destacou que o debate travado pleo govreno sobre a Previdência é pautado por uma série de falácias.A primeira delas é a de que o sistema seria deficitário, algo que diversos economistas refutam.
Fagnani lembrou que, em 1988, os constituintes criaram a seguridade social – que inclui saúde, previdência, assistência social, seguro desemprego. E, com o objetivo de financiar esses setores, criaram o orçamento da seguridade social, um conjunto de fontes de financiamento que incluem contribuições do trabalhador, do empregador e do Estado.
Para o governo cumprir a sua parte, foram estabelecidas duas contribuições: a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL).
“O que aconteceu é que a área econômica meteu a mão nesses recursos, e o Ministério da Previdência continua contabilizando as receitas da Previdência só com a contribuição do trabalhador e do empregador. O rombo que eles alegam é a parte do governo (...). Então, não precisa nem criar imposto para a Previdência. Porque ela é superavitária, mesmo com as desonerações que o governo concede e com a Desvinculação de Recursos da União {que retiram verbas da assistência social]. Bastaria cumprir a Constituição”, explicou o economista.
Outra inverdade apontada por Fagnani é o argumento de que se gasta muito no Brasil com Previdência, e que esta seria a maior despesa do governo. “Em 2015, nós gastamos R$ 501 bilhões com juros da dívida, que beneficiam alguns poucos rentistas. Com a Previdência, gastamos R$ 490 bilhões. Quer dizer, gastamos mais com juros que com Previdência, que beneficia direta e indiretamente cerca de 100 milhões de pessoas”, comparou.
De acordo com ele, ao contrário do que diz o governo, o sistema brasileiro não é generoso e as regras de aposentadoria implementadas em 1988 já eram mais rigorosas que as de vários países desenvolvidos. Outra falácia residiria no fato de que, ao contrário do que disseminam, o Brasil já exige idade mínima para aposentadoria, algo introduzido em 1998, por meio da Emenda Constitucional número 20.
Fagnani destacou que estas e outras mentiras serão descontruídas em um documento que ele e um grupo de outros economistas está elaborando. O objetivo é subsidiar com elementos técnicos o debate sobre a Previdência. A expectativa é de que o texto seja lançado no início do ano que vem.
Fazer crescer a economia
Segundo o professor, é verdade que, em alguns anos, a maior parcela da população será idosa, mas não se deve aceitar “o fatalismo demográfico” difundido pelos idealizadores da reforma. Para ele, existem alternativas para viabilizar as aposentadorias. No seminário, ele citou algumas delas, mas a proposta detalhada para sustentação financeira do crescimento da Previdência estará no documento, a ser divulgado mais à frente.
A primeira medida apontada por ele diz respeito à importância de retomar o crescimento da economia. “Porque, se a economia não crescer, não é a Previdência que vai quebrar, é o Estado brasileiro, são os governos estaduais e municipais”, previu.
Fagnani questionou ainda se as dificuldades financeiras da Previdência estariam relacionadam ao crescimento das despesas ou a uma redução de arrecadação. “Porque se for redução de receita, o problema não é da Previdência, são as opções macroeconômicas que estão erradas”, disse.
Ele citou que, nos últimos anos em que a economia brasileira cresceu, a previdência urbana passou a ser superavitária. Teve lucro de R$ 40 bilhões em 2012, porque a massa salarial e o nível de emprego cresceram. Em momentos de crise como o atual, o efeito é o oposto, já que a arrecadação diminui. “A taxa de desemprego hoje voltou para 12%. Em dois anos, voltamos ao desemprego de 2003. Que impacto isso tem sobre a receita da Previdência? É enorme”, completou.
Menos juros e mais receitas
Outra questão levantada por Fagnani é que o governo foca seu ajuste fiscal nas despesas primárias, quando o maior problema, segundo ele, está no resultado nominal do país – aquele que inclui os gastos com juros.
“Temos que enfrentar inconsistências do regime fiscal. O problema não é o déficit primário. O problema fiscal brasileiro é o déficit nominal, são os juros. (...) Em 2015, o déficit nominal foi de 10,5% do PIB. Desses, 1,1% era o déficit primário. Os outros 9,4% tinham a ver com juros, basicamente”, citou.
De acordo com ele, é preciso recompor a capacidade financeira do Estado. Alguns passos nesse sentido, seriam a necessária redução dos gastos com juros; a revisão das desonerações tributárias, que somaram R$ 280 bilhões em 2015; e a reorganização do Estado para combater a sonegação de impostos, que fica em torno de R$ 400 bilhões por ano, e cobrar a dívida ativa da União, hoje em cerca de 1,5 trilhão.
Ouras medidas importantes seriam a realização de uma reforma tributária, que inclua iniciativas no sentido de uma maior justiça fiscal, como a taxação de lucros e dividendos – hoje isentos –, e uma maior formalização do mercado de trabalho, que ampliaria a arrecadação. Fagnani sugeriu ainda a mais simples das ações: assegurar que as fontes de receita da seguridade social sejam aplicadas na seguridade social, já que hoje, só pela DRU, o governo pode desviar 30% das verbas destinadas à área para outras finalidades.
“Há várias outras medidas que a gente pode adotar. Ou seja, tem alternativa que passa, não pela penalização dos deserdados, dos pobres, mas que fazem com que os mais ricos também tenham sua parte na solução da crise”, defendeu Fagnani.
O economista Eduardo Fagnani afirma que o governo Michel Temer quer implementar uma reforma “meramente fiscalista”, que desconsidera o fato de que a Previdência é o maior instrumento de proteção social do país, com impacto direto ou indireto sobre cerca de metade da população.
Para ele, a reforma se insere em um contexto de ataque ao Estado social e tentativa de implantação do Estado mínimo. O professor denuncia inverdades no discurso do governo e propõe alternativas ao ajuste fiscal.
“O que está em jogo hoje é a implantação radical do liberalismo no Brasil. A ideia é acabar com o Estado Social, fundado na Constituição de 1988, e implantar o Estado mínimo liberal”, disse, destacando que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a ascensão de um governo que não foi eleito representaram a janela de oportunidade necessária à implementação de medidas tão impopulares. “É uma oportunidade, porque um projeto desse tipo não passa pelo crivo popular”, afirmou, durante o evento.
Segundo ele, essa investida liberal inclui a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece um teto para os gastos primários do governo; o fim da vinculação de recursos para educação e saúde; a ampliação do percentual de Desvinculação de Receitas da União (DRU); uma reforma tributária que não deverá enfrentar a injustiça fiscal, mas poderá acabar com fontes de financiamento vinculadas à seguridade social; a reforma da Previdência, além de vários retrocessos na legislação trabalhista.
Uma reforma injusta
Entre as medidas que estão previstas na reforma da Previdência de Temer, está desvincular benefícios do salário mínimo. “Vamos voltar ao que era na época da ditadura militar”, previu o economista, se referindo à época na qual o governo corrigia os benefícios previdenciários abaixo da inflação, o que achatava o poder de compra dos aposentados.
Outro retrocesso que a atual gestão quer implementar é unificar as regras de aposentadoria, fazendo com que sejam iguais para homens, mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, do setor público e privado. Segundo o que tem sido divulgado até então, a ideia é que todos só possam receber o benefício após atingirem a idade mínima de 65 anos.
Para Fagnani, não é possível tratar de forma igual aqueles que são diferentes. “O Brasil é um país desigual. Aqui, 80% da pobreza está na zona rural do Nordeste. Como posso tratar o país todo da mesma forma, diante dessa heterogeneidade? ”, questionou.
Ele sublinhou ainda que, antes da crise de 2008, os países europeus centrais, tinham estabelecido idades mínimas de aposentadoria inferiores a 65 anos e, depois da turbulência econômica, alteraram para 65. Ocorre que, nesses locais, a situação socioeconômica é muito melhor que a do Brasil e, portanto, não faria sentido seguir este padrão por aqui.
“O trabalhador rural do Nordeste vai ter as mesmas regras de aposentadoria do trabalhador urbano da Escandinávia? É justo isso? Não podemos seguir este padrão, pelo abismo que nos separa desses países, do ponto de vista dos indicadores sociais, econômicos, demográficos etc”, criticou.
Demonização do gasto social
Para justificar a reforma da Previdência, o governo Temer alega que, desde 1993, os gastos públicos primários crescem em ritmo acelerado, o que comprometeria o equilíbrio das contas do país. Nesta semana, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, voltou a responsabilizar o aumento dos gastos com previdência, assistência social e transferência de renda pelos problemas fiscais.
Eduardo Fagnani, que é professor da Unicamp, desconstruiu tal discurso durante o seminário. Para ele, setores ligados aos detentores da riqueza criaram um “falso consenso” de que o gasto social é o “vilão” da estabilidade. “É a ideia de que as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento e de que você não vai conseguir estabilizar a questão fiscal se não rever o contrato social de 1988. Mas esse é um argumento absurdamente falso”, disse.
De acordo com ele, o crescimento do gasto social é um fenômeno global e, mesmo no auge do neoliberalismo e durante a crise de 2008, diversos países ampliaram as despesas sociais. O professor destacou que os gastos se aceleraram a partir de 1993, porque foi a partir de então que os direitos sociais previstos na Constituição começaram a ser implementados.
“Foi a erupção do ‘desrepresamento’ secular de direitos. Em 500 anos, é a primeira vez que o trabalhador rural tem o mesmo direito do trabalhador urbano, no caso da Previdência. É a primeira vez que temos o seguro desemprego, que passamos a ter um benefício como o da Prestação Continuada”, exemplificou.
Previdência contra a pobreza
Segundo Fagnani, o maior símbolo de que a reforma da Previdência proposta pelo governo só leva em consideração a questão fiscal foi a incorporação do Ministério da Previdência à pasta da Fazenda.
“Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Significa que a própria Fazenda não precisa nem de intermediários, ela mesma vai fazer o serviço. (...) É uma reforma fiscalista, que não pensa na questão redistributiva da Previdência”, classificou.
O economista ressaltou que a Previdência é hoje o maior instrumento de proteção social do Brasil. O governo, contudo, ignora sua importância. Só em 2015 foram concedidos cerca de 20 milhões de benefícios urbanos e 10 milhões de benefícios rurais.
“São 30 milhões de benefícios diretos, e a maior parte deles equivale ao piso do salário mínimo. Se essas famílias tiverem mais dois membros, direta ou indiretamente, estou beneficiando 90 milhões de pessoas. Se tiverem mais três membros, estamos falando de 120 milhões de pessoas envolvidas. Ou seja, a Previdência, direta ou indiretamente, beneficia cerca de 100 milhões de pessoas - metade da população brasileira”, contabilizou.
No país, apenas 7% dos idosos estão abaixo da linha de pobreza. Sem a Previdência, eles seriam 70%. De acordo Fagnani, a Previdência ajuda ainda no combate ao êxodo rural, fomenta a agricultura familiar, movimenta a economia regional, cumpre um importante papel redistributivo nos municípios mais pobres e reduz a desigualdade da renda.
“É um instrumento de proteção extraordinário, que tem impacto na redução da pobreza. Então não posso pensar em uma reforma que só tenha por objetivos a questão fiscal, o corte de gastos”, alertou.
Falácias alimentam a reforma fiscalista
Durante o seminário, o professor destacou que o debate travado pleo govreno sobre a Previdência é pautado por uma série de falácias.A primeira delas é a de que o sistema seria deficitário, algo que diversos economistas refutam.
Fagnani lembrou que, em 1988, os constituintes criaram a seguridade social – que inclui saúde, previdência, assistência social, seguro desemprego. E, com o objetivo de financiar esses setores, criaram o orçamento da seguridade social, um conjunto de fontes de financiamento que incluem contribuições do trabalhador, do empregador e do Estado.
Para o governo cumprir a sua parte, foram estabelecidas duas contribuições: a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL).
“O que aconteceu é que a área econômica meteu a mão nesses recursos, e o Ministério da Previdência continua contabilizando as receitas da Previdência só com a contribuição do trabalhador e do empregador. O rombo que eles alegam é a parte do governo (...). Então, não precisa nem criar imposto para a Previdência. Porque ela é superavitária, mesmo com as desonerações que o governo concede e com a Desvinculação de Recursos da União {que retiram verbas da assistência social]. Bastaria cumprir a Constituição”, explicou o economista.
Outra inverdade apontada por Fagnani é o argumento de que se gasta muito no Brasil com Previdência, e que esta seria a maior despesa do governo. “Em 2015, nós gastamos R$ 501 bilhões com juros da dívida, que beneficiam alguns poucos rentistas. Com a Previdência, gastamos R$ 490 bilhões. Quer dizer, gastamos mais com juros que com Previdência, que beneficia direta e indiretamente cerca de 100 milhões de pessoas”, comparou.
De acordo com ele, ao contrário do que diz o governo, o sistema brasileiro não é generoso e as regras de aposentadoria implementadas em 1988 já eram mais rigorosas que as de vários países desenvolvidos. Outra falácia residiria no fato de que, ao contrário do que disseminam, o Brasil já exige idade mínima para aposentadoria, algo introduzido em 1998, por meio da Emenda Constitucional número 20.
Fagnani destacou que estas e outras mentiras serão descontruídas em um documento que ele e um grupo de outros economistas está elaborando. O objetivo é subsidiar com elementos técnicos o debate sobre a Previdência. A expectativa é de que o texto seja lançado no início do ano que vem.
Fazer crescer a economia
Segundo o professor, é verdade que, em alguns anos, a maior parcela da população será idosa, mas não se deve aceitar “o fatalismo demográfico” difundido pelos idealizadores da reforma. Para ele, existem alternativas para viabilizar as aposentadorias. No seminário, ele citou algumas delas, mas a proposta detalhada para sustentação financeira do crescimento da Previdência estará no documento, a ser divulgado mais à frente.
A primeira medida apontada por ele diz respeito à importância de retomar o crescimento da economia. “Porque, se a economia não crescer, não é a Previdência que vai quebrar, é o Estado brasileiro, são os governos estaduais e municipais”, previu.
Fagnani questionou ainda se as dificuldades financeiras da Previdência estariam relacionadam ao crescimento das despesas ou a uma redução de arrecadação. “Porque se for redução de receita, o problema não é da Previdência, são as opções macroeconômicas que estão erradas”, disse.
Ele citou que, nos últimos anos em que a economia brasileira cresceu, a previdência urbana passou a ser superavitária. Teve lucro de R$ 40 bilhões em 2012, porque a massa salarial e o nível de emprego cresceram. Em momentos de crise como o atual, o efeito é o oposto, já que a arrecadação diminui. “A taxa de desemprego hoje voltou para 12%. Em dois anos, voltamos ao desemprego de 2003. Que impacto isso tem sobre a receita da Previdência? É enorme”, completou.
Menos juros e mais receitas
Outra questão levantada por Fagnani é que o governo foca seu ajuste fiscal nas despesas primárias, quando o maior problema, segundo ele, está no resultado nominal do país – aquele que inclui os gastos com juros.
“Temos que enfrentar inconsistências do regime fiscal. O problema não é o déficit primário. O problema fiscal brasileiro é o déficit nominal, são os juros. (...) Em 2015, o déficit nominal foi de 10,5% do PIB. Desses, 1,1% era o déficit primário. Os outros 9,4% tinham a ver com juros, basicamente”, citou.
De acordo com ele, é preciso recompor a capacidade financeira do Estado. Alguns passos nesse sentido, seriam a necessária redução dos gastos com juros; a revisão das desonerações tributárias, que somaram R$ 280 bilhões em 2015; e a reorganização do Estado para combater a sonegação de impostos, que fica em torno de R$ 400 bilhões por ano, e cobrar a dívida ativa da União, hoje em cerca de 1,5 trilhão.
Ouras medidas importantes seriam a realização de uma reforma tributária, que inclua iniciativas no sentido de uma maior justiça fiscal, como a taxação de lucros e dividendos – hoje isentos –, e uma maior formalização do mercado de trabalho, que ampliaria a arrecadação. Fagnani sugeriu ainda a mais simples das ações: assegurar que as fontes de receita da seguridade social sejam aplicadas na seguridade social, já que hoje, só pela DRU, o governo pode desviar 30% das verbas destinadas à área para outras finalidades.
“Há várias outras medidas que a gente pode adotar. Ou seja, tem alternativa que passa, não pela penalização dos deserdados, dos pobres, mas que fazem com que os mais ricos também tenham sua parte na solução da crise”, defendeu Fagnani.
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Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho
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