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domingo, 27 de novembro de 2016

Quem vai reinstalar a Constituição? Lott derrotou os que não aceitaram a derrota para JK. Por Wagner William

Por Wagner William, no Conversa Afiada 

Lott garantiu a posse de JK. 


A partir da TV Afiada que sugere a reinstalação da Constituição de 1988, desde que o eleitor possa escolher, pelo voto livre e universal, um novo Presidente e um novo Congresso, o ansioso blogueiro sugeriu ao amigo Wagner William, autor do indispensável "O soldado absoluto - uma biografia do marechal Henrique Lott" que rememorasse o papel de Lott na preservação da Constituição de 1946 e da soberania popular, expressa na eleição de Kubitschek.

(Consta que o Traíra leu esse livro, mas para tirar as conclusões erradas...)

Um movimento batizado com uma clara contradição “Retorno aos quadros constitucionais vigentes” - já que não se retorna ao que está vigente - talvez seja um perfeito achado para o que representou. Nessa aparente contradição estava a justificativa para a defesa da manutenção do regime democrático. Foi um contragolpe para evitar o golpe e garantir o resultado das urnas. Coisas de um país em que se sai da legalidade para garanti-la, ou, pior e cada vez mais comum e atual, se atua legalmente para criar uma ilegalidade.

A contradição a que me refiro começou a surgir logo após o suicídio de Getúlio Vargas, em agosto de 1954, quando a sua barulhenta oposição - comandada por Carlos Lacerda - calou-se. Nada melhor nessas horas que posar de defensor da Constituição e garantir seu cumprimento. O vice-presidente Café Filho assumiu e tentou fazer um governo de coalizão (uma quase tradição no Brasil). Acabou escolhendo os mesmos que queriam derrubar Getúlio, com uma exceção. Como havia uma clara divisão no Exército entre getulistas e opositores, o manipulável Café foi praticamente forçado a entregar a Pasta da Guerra (antigo nome do Ministério do Exército) a um general que pouco participara da vida política do país, mas que era considerado na caserna um dos mais brilhantes militares da época.

Henrique Lott assumiu seu cargo e promoveu uma modernização na Pasta. Na vida particular, era extremamente conservador. Mas como o assunto é contradição, Lott revolucionou. Mudou o sistema de promoções, passou a ouvir mais os cabos e sargentos e foi o primeiro ministro na história a promover a general um negro, João Baptista de Mattos. A Lott, só importava o mérito. Ao mesmo tempo, não vacilava e mandava para a cadeia oficiais que desobedeciam suas ordens.

Disciplina e hierarquia, os pontos sagrados do Exército eram também o lema de Lott.

E vieram as eleições presidenciais. E o general Juarez Távora, candidato da UDN e dos militares da direita, foi derrotado por Juscelino Kubitschek, que concorreu pela chapa PSD-PTB, alquimia política criada pelo próprio Getúlio. Não era só isso. Juscelino fora o único governador a comparecer ao enterro do presidente gaúcho. E seu vice, João Goulart, era um importante líder trabalhista, considerado herdeiro político de Getúlio.

Era demais para a UDN. A banda de música voltou a tocar em alto volume, criando teorias e mentiras para impedir a posse de Juscelino. Jornais como O Globo, O Estado de São Paulo e a cadeia de Chateaubriand as ecoavam. Surgiram, dentre outras, a tese da maioria absoluta (que não estava prevista na Constituição), e a lorota da Carta Brandi, que envolveria transações secretas e comércio de armas da Argentina de Perón para a revolução sindicalista organizada por Goulart. A falsidade da carta somente seria comprovada vinte dias depois da eleição. Mas o estrago já estava feito.

Em meio a outros boatos e aos artigos violentos que Lacerda escrevia em seu jornal Tribuna da Imprensa, Lott não se dobrava e repetia para quem quisesse ouvir que o resultado das urnas deveria ser respeitado.

Para isso, determinou que todos militares estavam proibidos de fazer qualquer declaração política. O coronel Bizarria Mamede o desobedeceu, frente a frente, durante o enterro de um general. Para Lott, era simples. A disciplina fora quebrada. Mamede deveria ser punido. Mas ele pertencia à Escola Superior e Lott não poderia agir imediatamente. Teria de respeitar as regras e solicitar que Mamede voltasse a ser seu subordinado direto. Parecia simples, mas isso tornou-se uma humilhação para Lott, que passou a ser lentamente ignorado. Mas os quartéis estavam de olho e percebiam o que os oficiais golpistas faziam com seu chefe. Ao mesmo tempo, Café Filho foi internado alegando problemas cardíacos - um momento perfeito para deixar o cargo - e o presidente da Câmara, Carlos Luz, mineiro do mesmo partido de Juscelino, mas totalmente envolvido com o golpe que tentava impedir a sua posse, assumiu. Lott tentou falar com Luz sobre a punição a Mamede. Continuava sua saga. Tentou uma. Duas vezes, e nada de ser atendido. Uma reunião foi marcada com o novo presidente e Lott, famoso por sua pontualidade, levou um chá-de-cadeira de mais de duas horas para ouvir que não havia o quê nem quem punir. Pediu demissão na hora. Voltou para casa arrasado. Na residência vizinha, o general Odylio Denys, seu homem de confiança o aguardava com outros generais. Todos dispostos a resistir. Lott os censurou. Não poderia ir contra a Constituição. Foi pra casa, vestiu o pijama, mas não conseguiu dormir. Estava diante do dilema. Rasgar a Constituição para cumpri-la. De madrugada, telefonou para Denys.

Ambos já haviam previsto essa situação e organizaram planos de ação.

Em poucas horas, os tanques estavam nas ruas e a capital, o Rio, dominada. Oficiais e deputados golpistas foram presos. Lacerda, Mamede e Carlos Luz fugiram no Cruzador Tamandaré. Para Lott, não existia meio-termo (ou coalizão, como quiserem). Ordenou que o Forte de Copacabana atirasse para afundar o Cruzador, mas um nevoeiro e um cargueiro italiano salvaram a pele dos fujões.

Às seis da tarde do dia 11 de novembro de 1955, depois da Câmara votar o impeachment de Luz, Lott deu posse a Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, seguindo a linha constitucional. O país ainda contava com dois presidentes. Café Filho melhoroude saúde subitamente e avisou a Lott que iria reassumir. O mesmo dilema voltou a assaltar Lott. Mas ele não poderia parar. Determinou que tanques cercassem o apartamento de Café em Copacabana. Pediu que Nereu determinasse o estado de sítio. Foi atendido. Tinha o país nas mãos. Mas não esquecera do que começara, nem se deixara contaminar pela soberba. Juscelino e Goulart tomaram posse em janeiro de 1956, conforme o desejo das urnas. Lott os garantira.

Em tempo: para Lacerda o título do movimento era um “ absurdo lógico, uma contrafação e contra-senso”.

Lacerda, o lógico.

Lott, a contradição.

Wagner William

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