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sábado, 30 de agosto de 2014

CRISE MUNDIAL DO CAPITALISMO APROFUNDA-SE: recessão atinge em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro



29/08/2014


Esta terceira recessão que se inicia, diferente das outras duas anteriores, está voltada para países centrais da Zona do Euro, Alemanha, França e Itália.

Por Vincenç Navarro (*), na Carta Maior


Teve início uma terceira recessão

Teve início uma terceira recessão

Não há dúvidas de que, quando for escrita a história da União Europeia e da Zona do Euro dentro dela, será mostrado até que ponto uma religião laica – o neoliberalismo – pode ser reproduzida apesar de toda a evidência empírica acumulada mostrando não apenas que tal religião estava equivocada, mas também o enorme prejuízo que ela está causando nas classes populares dos países da União. 

A religião laica se promove com um espírito apostólico, baseado em uma fé impermeável à evidência científica, revelando claramente sua grande falsidade. 

Atualmente, esta fé, reproduzida pela maioria da mídia, está anunciando que a Espanha e a Zona do Euro estão se recuperando, quando, na realidade, estamos entrando em outra recessão. Vejamos os dados.

Desde que, no ano de 2007, teve início a Grande Recessão, que para muitos países foi pior do que a Grande Depressão, houve, na Zona do Euro, nada menos que duas recessões, consequência da aplicação das políticas neoliberais. 

A primeira ocorreu no período 2008-2009. Foi seguida de uma rapidíssima recuperação (com um crescimento econômico da Zona do Euro de somente 0,5% do PIB) no período 2009-2010, para cair novamente em outra recessão, que durou 18 meses e que anulou o escassíssimo crescimento que tinha acontecido na etapa de crescimento anterior. 

No ano de 2012, iniciou-se outra excessivamente tímida recuperação com um crescimento de somente 0,2% do PIB, recuperação que está sendo novamente revertida, iniciando agora uma terceira recessão (o PIB da Zona do Euro caiu 0,2%), alcançando três recessões em cinco anos. Um recorde! 

Na realidade, a economia da Zona do Euro nunca se recuperou desde a queda de 2007, quando teve início a Grande Recessão. As pequeníssimas recuperações eram, mais do que tudo, pequenos saltos do fundo do abismo.

Estamos agora no início da terceira recessão

O que é importante sublinhar é que esta terceira recessão que se inicia, diferentemente das outras duas anteriores, está voltada para países centrais da Zona do Euro, Alemanha, França e Itália. 

As outras duas anteriores tinham se centrado nos países periféricos, Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. De certa maneira, esta recessão é consequência da Grande Recessão que, finalmente, atingiu em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro. 

O PIB dos três países centrais soma 8,8 trilhões de euros, que é o tamanho da economia da China. E dado que a economia da Alemanha (que equivale um terço do PIB da Zona do Euro) se baseia muito nas exportações, que representam 56% de sua economia, esta queda da economia do centro da Zona do Euro prevê uma desaceleração da economia mundial.

Os fatos políticos que estão acontecendo no continente europeu, dos quais o conflito da Ucrânia é de grande importância, contribuíram (apesar de não terem causado) para esta terceira recessão. 

O golpe de Estado na Ucrânia, com o apoio dos governos da União Europeia e dos Estados Unidos, iniciou uma situação de conflito, reavivando a Guerra Fria, que já está tendo um custo econômico considerável. 

Mas a principal causa da terceira recessão são as políticas neoliberais baseadas na austeridade (os infames cortes e o desmantelamento do Estado de bem-estar social, a diminuição dos salários e o crescimento do desemprego), que estão destruindo o bem-estar das classes populares.

E estas políticas estão sendo feitas para benefício e glória do que antes era chamado o capital, hegemonizado pelo capital financeiro, e que agora se chama o 1%. 

Atualmente, o establishment (ou seja, a estrutura do poder econômico, financeiro, midiático e político) europeu, centrado na Comissão Europeia, no Banco Central Europeu, o Conselho Europeu e o governo alemão e seus aliados, como o governo Rajoy, está realizando tais políticas com toda crueldade, respondendo a cada crise com a resposta previsível de que o fato de não sair da crise é porque precisam aplicá-las inclusive com mais força e contundência, levando as classes populares à ruína.

 Três recessões em cinco anos é o resultado.

E o grande drama é que as esquerdas governantes aceitaram e continuam aceitando o dogma neoliberal. Sua versão é a versão light das mesmas políticas. 

Não têm mais a ver com as propostas econômicas dos principais partidos social-democratas de oposição, incluindo o PSOE (cujo novo secretário-geral enfatizou, em sua entrevista ao El País, como ponto central de seu programa econômico melhorar a competitividade europeia e espanhola), para perceber que não há uma mudança substancial destas políticas, sob o argumento de que estas são as únicas possíveis. 

Acusam as únicas alternativas que permitem romper com esta série de recessões de utópicas, demagógicas e uma série de epítetos desqualificativos. 

A experiência histórica mostra que, para sair desta recessão crônica (que, repito, alcança dimensões de depressão em muitos países), é necessária uma mudança quase de 180º da política aplicada.

Há alternativas


Sim, por exemplo, nos centramos em um dos maiores problemas – o endividamento das famílias e de grandes e pequenas empresas – a solução é fácil de ver. 

Os Estados têm que garantir o crédito, tomando uma série de medidas, desde mudar a governança do euro e do BCE, estabelecendo o crescimento econômico como objetivo deste Banco, até aumentar a capacidade aquisitiva das classes populares com um aumento muito notável e massivo do gasto público, incluindo o gasto em infraestruturas, não somente físicas, mas sociais do país, facilitando o alcance da felicidade (sim, leu certo, felicidade) como objetivo do novo modelo econômico-social, e não a acumulação de benefícios do capital.

 E tudo isso não acontecerá sem uma profunda democratização das instituições que refletem a vontade e a soberania popular. 




Atualmente, a demanda mais revolucionaria existente na Europa não é a nacionalização dos meios de produção, mas a exigência de que cada cidadão tenha a mesma capacidade de decisão em um país, enfatizando as formas de participação direta (o direito a decidir todos os níveis), além de democratizar as escassamente democráticas instituições representativas.

Exigir democracia com toda contundência e agitação (que deve excluir qualquer forma de violência) é revolucionário, pois entra em conflito direto com as estruturas que controlam as instituições que se autodefinem como democráticas.

Também não é afirmar que a propriedade dos meios de produção, distribuição, persuasão e legitimação é chave para definir o grau de liberdade, democracia e justiça existente em um país. 

Mas, a não ser que os sistemas escassamente democráticos mudem, não haverá maneira de que o resto do mudo.

O grande erro de muitas esquerdas radicais tem sido se limitar à agitação, sem intervir na luta dentro do Estado. 

Estas esquerdas devem estar na rua e nas instituições, exigindo mudanças radicais (ou seja, que vão às raízes do problema de concentração de poder) contra as quais as estruturas e castas de poder vão se opor de todas as maneiras.

 As classes populares poderão alcançar o que desejam se se mobilizarem. 

O problema principal existente na Espanha não é que a população não seja consciente das enormes limitações da democracia espanhola, mas sim não acreditar que isto possa mudar. 

Mas a história mostra que sim, é possível. Ao contrário do que as estruturas de poder informaram, a mudança de ditadura para democracia aconteceu como consequência da enorme mobilização popular, liderada pelo movimento trabalhador.

Foi esta mobilização que colocou fim na ditadura. E esta mobilização podem também forçar mudanças agora, democratizando autenticamente o país.

(*) Vicenç Navarro foi Catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona. Atualmente é Catedrático de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na Johns Hopkins University (Baltimore, EUA) onde lecionou por 35 anos. Dirige o Programa em Políticas Públicas e Sociais patrocinado.

Fonte: Carta Maior

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