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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

PSB NÃO PODE SER TRATADO COMO ASSUNTO FAMILIAR



roberto amaral marina antonio 14

Uma tragédia costuma alterar os sentimentos e modificar reações normais da maioria das pessoas. 

Quando se trata de um episódio como a morte de Eduardo Campos, candidato que mobilizava esperança e simpatia de tantos brasileiros, eleitores e não eleitores, essa situação é ainda mais intensa. 

A dor pela perda chega a seu ponto máximo, pois fica acima da capacidade de compreensão humana.

Essa situação permite entender a reação de Antônio Campos, irmão do candidato do PSB. 

Na quinta-feira, 24 horas depois da tragédia, Antonio Campos, divulgou uma carta sobre o futuro do partido na campanha presidencial, onde defendia a escolha de Marina Silva para disputar a presidência.


A notícia de hoje é que Antonio Campos, o Tonca,poderia ocupar a vaga de vice.


Alguns trechos da carta de Antonio:
“A nossa família tem mais de 60 anos de lutas políticas em defesa das causas populares e democráticas do Brasil. 

O meu avô Miguel Arraes foi preso e exilado, não se curvando à ditadura militar. Eduardo Campos continuou o seu legado com firmeza de propósitos, tendo trazido uma nova era de desenvolvimento para Pernambuco. 

Desde 2013 vinha fazendo o debate dos problemas e do momento de crise por que passa o Brasil, querendo fazer uma discussão elevada sobre nosso país. 

Faleceu em plena campanha presidencial, lutando pelos seus ideais e pelo que acreditava.(…)


“O mundo está nas mãos daqueles que têm coragem de sonhar e de correr o risco para viver os seus sonhos pessoais e coletivos. 

Ambos faleceram, no dia 13 de agosto, e serão plantados no mesmo túmulo, no Cemitério de Santo Amaro, em Recife, túmulo simples, onde consta uma lápide com a frase do poeta Carlos Drummond: “tenho duas mãos e o sentimento do mundo”. (…)


Falando sobre o momento que o país atravessa, Antonio escreveu que o Brasil “enfrenta uma grave crise, sendo a principal dela a crise de valores.” 

A carta conclui: “como filiado ao PSB, membro do Diretório Nacional com direito a voto, neto mais velho vivo de Miguel Arraes, presidente do Instituto Miguel Arraes – IMA e único irmão de Eduardo, que sempre o acompanhou em sua trajetória, externo a minha posição pessoal que Marina Silva deve encabeçar a chapa presidencial da coligação Unidos Pelo Brasil, liderada pelo PSB, devendo a coligação, após debate democrático, escolher o seu nome e um vice que una a coligação e some ao debate que o Brasil precisa fazer nesse difícil momento, em busca de dias melhores.”


Antonio arrematou: “Tenho convicção que essa seria a vontade de Eduardo.”
A nota provocou reação imediata de Roberto Amaral, ex-ministro, vice-presidente do partido. (O presidente era Eduardo Campos). 

Ele defendeu o direito de Antonio manifestar-se, “como qualquer militante”, mas recordou que o partido se encontra de luto.


A resposta de Amaral expressa uma conhecida situação de conflito interno na legenda. 

Formada por pelo menos dois governadores e uma parcela do Senado, a fatia próxima do PT — liderada por Amaral — trabalha contra a indicação de Marina e por uma aproximação com Dilma, repetindo o movimento do PSB em todas as campanhas presidenciais desde a democratização do país. 

O argumento envolve a tradição dos socialistas. Sem o candidato que justificava a campanha, caberia retomar as alianças de sua história, em vez de projetar uma candidata que ingressou no partido sem intenção de permanecer por mais tempo do que o necessário para formar a própria legenda.


A outra fatia, que faz oposição aberta a Dilma e trabalha por uma unidade contra seu governo, aposta no lançamento de Marina, convencida de que ela pode garantir a realização do segundo turno.

 O apoio tucano a Marina é real, mas cauteloso. O receio é que ela seja capaz de ultrapassar Aécio Neves, confirmando aquilo que as pesquisas do início do ano anunciavam, quando Marina sempre foi a mais cotada das possíveis concorrentes da oposição. 

Se os números mostrarem uma diferença acima da margem de erro estará aberta uma crise no PSDB.


Além da questão eleitoral, contudo, há outro debate aqui. Estamos falando de valores e princípios políticos.


Lembrando a imensa dor da tragédia do Guarujá, cabe registrar que uma candidatura presidencial está longe de ser uma questão de família.


Os laços de sangue, sabemos todos, se mostram muito importantes na hora de enfrentar uma tragédia. 

O calor dos parentes, com frequência, é um dos poucos elementos que podem servir de consolo.


Seu lugar na vida política é outro, porém. Laços de sangue são ingredientes naturais das monarquias e demais regimes aristocráticos onde a sucessão política se resolve pela genética do trono.


No Brasil, isso não acontece há muito tempo. Ninguém procurou familiares de Luiz Inácio Lula da Silva para saber sobre o futuro do PT no momento em que se descobriu um tumor maligno em sua laringe e ninguém adivinhava suas chances de recuperação.


Ninguém defendeu que a família de Tancredo Neves tivesse prerrogativas especiais depois que uma doença trágica impediu a posse do fundador da Nova República.


Mesmo comandado com mão firme por Eduardo Campos, o PSB jamais ficou exibido como troféu na sala de visitas de sua casa. Era partido político real. 

Fundado por Antonio Houaiss, um de nossos intelectuais mais relevantes e cultos, o PSB reúne, conforme o último levantamento disponível, um total de seis governadores de Estado, 327 prefeitos, 4 senadores, 32 deputados federais, 71 estaduais, 3484 vereadores.


Toda tentativa de resolver, de cima para baixo, uma disputa que envolve uma máquina política com essa dimensão lembra práticas típicas do coronelismo político, tradição nefasta contrária a toda noção de “nova política” que Eduardo Campos defendeu com muito empenho na campanha presidencial.


Em sua pregação, ele fez da renovação de nosso sistema político uma preocupação permanente. Há três semanas, Eduardo Campos esteve na Confederação Nacional da Industria, para debater 42 propostas dos empresários aos três principais candidatos a presidente.

 Claro que falou de economia. Mas falou demoradamente sobre a necessidade de renovar o nosso sistema político — colocando este ponto como o dado essencial para as principais mudanças que a maioria da população deseja. 

Sorteado para fazer uma pergunta ao candidato na entrevista coletiva realizada logo após, perguntei como o candidato do PSB pretendia encaminhar as transformações do sistema política.


Eduardo Campos não entrou em proposições específicas. Estava convencido de que elas serão debatidas e definidas com o tempo.

Falou do desencanto de grande parte da população com a política. Chegou a mostrar-se esperançoso com a notícia de que pelo menos 100 dos atuais 513 deputados desistiram de concorrer ao pleito de outro. 

Por outro lado, mostrou-se descrente da proposta de uma Constituinte exclusiva, lembrando que fora descartada em debates anteriores.


De certa forma, nem seria preciso apontar muitos detalhes. 

Os princípios que devem guiar uma reforma política são conhecidos por todos e costumam ser repetidos por adolescentes estão desiludidos com a política antes de votar pela primeira vez.


Um deles envolve a separação entre o que é público e o que é privado.


Outro, a denúncia do patrimonialismo, que permite a apropriação privada de bens públicos.


Cabe, ainda, recordar o personalismo, que consiste em dar prioridade aos indivíduos e seus laços pessoais, em lugar de projetos políticos e programas de governo, debatidos e escolhidos
Quarenta e oito horas depois da morte de Eduardo Campos, é impossível avaliar todos os desdobramento da tragédia.


Mas é curioso encarar um risco real.
A campanha de 2014, iniciada sob o signo da renovação, corre o risco de ficar velha antes de começar.


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