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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

UE pressiona América Latina a não ampliar exportações para Rússia

Carta Maior / 13/08/2014

Bruxelas quer dissuadir países da AL a ocuparem mercados que ficaram abertos após resposta da Rússia às sanções da União Europeia e EUA.




Eduardo Febbro


Paris - A União Europeia sofreu uma indigestão. Bruxelas ativou o plano "retórica" para disssuadir os países da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Peru e Equador) a ocuparem os mercados que ficaram abetros após a Rússia proibir a importação de frutas, legumes, pescados, leite, carne de porco e laticínios provenientes dos Estados Unidos, União Europeia, Austrália, Canadá e Noruega. Por meio de declarações veiculadas pela mídia, a UE disse que não lhe parecia "leal" que os países latinoamericanos se aproveitassem da crise com a Rússia para vender a Vladimir Putin os produtos mencionados
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Uma fonte da União Europeia disse ao Financial Times que o organismo europeu vai "falar com os países que, potencialmente, podem suprir essas exportações para recomendar que não se aproveitem injustamente da situação". Como agora não lhe convém, a Europa parece ter descoberto a injustiça que ela mesma promove em todos os níveis de suas relações comerciais com o resto do mundo, começando pelos desestabilizadores subsídios agrícolas, com os quais adultera a equidade dos mercados agrícolas mundiais. As sanções que o Ocidente adotou contra Moscou após a anexação da Crimeia pela Rússia e o apoio dado aos separatistas do leste da Ucrânia desembocaram em uma guerra comercial muito forte entre os blocos. Moscou respondeu às sanções com o embargo agrícola e imediatamente depois entrou em contato com os países latinoamericanos capazes de substituir os produtos sob embargo.

Os russos foram muito rápidos em seu objetivo de contar, a partir de setembro, com a possibildiade de importar frutas, legumes, pescados, leite, carne de porco e outros produtos que eram comprados da UE por um total de 11 bilhões de euros (segundo fontes da comunidade, 5,2 bilhões correspondem aos produtos agora vetados). Serguéi Dankvert, diretor do Serviço de Inspeção Agrícola e Pecuária russo, reuniu-se em um primeiro momento com os embaixadores do Brasil, Argentina, Chile, Equador e Uruguai. Depois o governo de Vladimir Putin deu um passo muito mais concreto quando decidiu suprimir a proibição sanitária (vigente desde 2011) que pesava sobre 89 frigoríficos do Brasil e 18 fábricas peruanas de tratamento de pescado. Fora da geografia latinoamericana, Turquia e Bielorussia se meteram na mesma brecha.

A União Europeia afirma que contempla iniciar negociações com os países latinoamericanos com forte potencial para substituir os produtos europeus. Fontes anônimas da UE declararam para vários jornais que se trata de negociações políticas cujo objetivo consiste em "enquadrar" o maior número possível de países a fim de pressionar a Rússia. O tema, porém, é outro: os europeus temem perder o mercado russo em um momento no qual o renovado esquema da Guerra Fria produz uma significativa aproximação entre Rússia e América Latina. O momento mais emblemático dessa relação recuperada ocorreu em 2008, quando as forças navais da Rússia e da Venezuela realizaram manobras conjuntas no Caribe. A Rússia vendeu depois a Venezuela material militar em uma operação estimada em 3 bilhões de euros.

Exímio jogador de xadrez internacional, o presidente russo deslocou suas peças no tabuleiro latinoamericano com um olhar estratégico. O ministro britânico de Relações Exteriores, Philip Hammond, qualificou Vladimir Putin de "pária" na Europa. Na América Latina, em troca, o chefe de Estado russo foi um ator de peso.
 
Antes de Putin viajar a Cuba em julho passado, o Parlamento Russo aprovou uma lei mediante a qual perdoou 90% da dívida que Havana tinha com Moscou (35 bilhões de euros). Em sua escala na Nicarágua, o presidente russo fez uma promessa: contribuir com a construção de um grande canal interoceânico capaz de competir com o Canal do Panamá.

Putin viajou também a Buenos Aires, onde firmou acordos de cooperação energética, e depois ao Brasil para participar em Fortaleza da cúpula dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ali, estes países deram um passo histórico quando anunciaram a criação de um banco fora do circuito ocidental, o Banco de Desenvolvimento. O confronto na Ucrânia e sua repercussão nas relações entre a Rússia e as potências do Ocidente colocou a América Latina no centro do jogo. A Europa busca agora a melhor maneira de tirar do meio um sócio múltiplo que ameaça suas prerrogativas comerciais. A União Europeia vende a Rússia 10% de sua produção agrícola. No entanto, frente à ameaça latinoamericana, Bruxelas argumenta que não é oportuno tratar com um sócio "pouco confiável" como Moscou e que seria um erro maior dos países latinoamericanos "sacrificarem uma relação econômica já extensa por benefícios de curto prazo".

Dupla linguagem, dupla geometria. A União Europeia e os países que a compõem sacam a biblia dos valores segundo lhes convém. Por exemplo, apesar das múltiplas sanções e ameaças proferidas contra Moscou pelo Ocidente, a França não renunciou vender e entregar a Rússia dois navios porta-helicópteros Mistral por um valor de um bilhão de euros. Os malabarismos e advertências da UE não amedrontaram os atores institucionais ou privados. No Brasil, Ricardo Santin, presidente da seção de aves da Associação Brasileira de Proteínas Animais (ABPA) vê claramente uma "oportunidade para aumentar suas exportações para a Rússia".

Entre janeiro e junho deste ano, o Brasil exportou para a Rússia 563 milhões de dólares em carne bovina. O comércio bilateral entre Brasília e Moscou representou 3 bilhões de dólares no mesmo período. O secretário de Política Agrícola brasileira, Seneri Paludo, qualificou de "revolução" as possibilidades abertas pelo embargo russo. Na Argentina, o chefe de gabinete da presidência, Jorge Capitanich, deixou clarou que a "Argentina gerará as condições para que o setor privado, com o impulso do Estado, possa aumentar as exportações e satisfazer a demanda do mercado russo".

Segundo um informe publicado pela Câmara Argentino-Russa, no ano passado o comércio entre ambos países cresceu 30%: passou de 1,98 bilhões de dólares em 2012 para 2,627 bilhões em 2013. Na frente do Pacífico, Chile, Peru e Equador estão na mesma linha. O Chile com o salmão (antes vinha da Noruega), as maçãs, peras e uvas (Polônia, França e Itália), o Equador com as frutas e flores (Holanda) e o Peru com o pescado. A nova Guerra Fria pode dar lugar a uma nova mudança do geocomercio.

Para ter uma ideia cifrada das necessidades russas, entre janeiro e maio de 2014, a Rússia importou produtos agroalimentares em um valor de quase 17 bilhões de dólares. Os cínicos da Europa clamam agora por um pouco mais de lealdade. Xavier Beulin, presidente da mega subsidiada Federação Nacional de Sindicatos de Exportações Agrícolas (FNSA), saiu a denunciar o "oportunismo" dos produtores de Brasil e Argentina.

Os portavozes da UE protestaram, por sua vez, contra a presença de "governos por trás" dos produtores privados. O argumento é de uma hipocrisia continental. Os 28 governos da UE estão, de maneira direta ou através de Bruxelas, por trás de todos os grandes contratos que se firmam no mundo. Os monstruosos subsídios agrícolas e seus 373 bilhões de euros distribuídos entre os 13 milhões de agricultores da UE são uma prova mais que evidente. Na viagem que realizou em julho passado à região, Vladimir Putin disse que a América Latina estava se convertendo "em uma parte importante do mundo policêntrico emergente". O Ocidente fará todo o possível para reduzir o policentrismo.
 
Tradução: Louise Antônia Leon



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