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sábado, 30 de agosto de 2014

O Deus Mercado no comando: Marina quer instituir um poder moderador dos gastos governamentais


Blog OUTRAS BOSSAS

30/08/2014

Mário Simões 

Nesta semana foi divulgado o Programa de Governo de Marina Silva.

 Coordenado por Neca Setúbal, filha do Itaú, o texto institui uma tutela aos gastos do governo e adota um quarto poder, "independente e sem vinculação a nenhuma instância de governo", algo como o Poder Moderador instituído na Constituição de 1824 pelo Imperador Dom Pedro I. 

O monarca atual, aquele legitimado pelo direito divino, conforme os operadores da candidatura de Marina, é o mercado, sagrado e inviolável. 

Este novo poder recebeu o nome de Conselho de Responsabilidade Fiscal (CRF).








Está na página 46 do “Plano de ação para mudar o Brasil”, da Coligação Unidos pelo Brasil, de Marina Silva, que reúne o PSB, a REDE (ainda uma ficção), o PPS, o PPL, o PRP, o PHS e o PSL:

No início do texto intitulado “Para reduzir e manter baixa a inflação” estão descritos os três fundamentos básicos da macroeconomia: “metas de inflação críveis”; “superávit necessário”; e “taxa de câmbio livre”.

O primeiro e o terceiro fundamentos são temas para o Banco Central, que passará a ter total independência.

O segundo fundamento merece atenção destacada: “gerar o superávit fiscal necessário para assegurar o controle da inflação − a médio prazo, os superávits devem ser não só suficientes como também incorporados na estrutura de operação do setor público, de tal maneira que possam ser gerados sem contingenciamentos”.

Gerar o superávit fiscal depende diretamente dos gastos do governo. 

Após os governos de Lula e Dilma, que teimaram em transformar o Estado em agente ativo na política econômica, o mercado quer ações mais enérgicas para garantir controle sobre o segundo fundamento, controlar gastos.

Diz o texto:

“Criar o Conselho de Responsabilidade Fiscal (CRF), independente e sem vinculação a nenhuma instância de governo, que possa verificar a cada momento o cumprimento das metas fiscais e avaliar a qualidade dos gasto públicos. 
O propósito será acompanhar a execução do orçamento da União, aprovado pelo Congresso Nacional. 
Além de tratar do andamento de receitas e despesas ao longo do ano, este órgão deverá evoluir em direção à análise de horizontes mais longínquos e fornecer instrumentos para o planejamento público, de caráter transversal, a longo prazo. 
Os quadros desse conselho deverão ser escolhidos por critérios técnicos, com regras transparentes, estabelecidas em leis e aprovadas pelo Congresso”.

O artigo 10 definia que “os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial”.

O conceito do Poder Moderador partiu do pensador Henri-Benjamin Constant de Rebeque (1767-1830) e seria a função natural do poder real em uma monarquia constitucional, a de um mediador neutro.

 O “mediador neutro” em questão era somente um eufemismo. 

Na verdade, conforme o seu artigo 98, a constituição imperial definia que “o Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos”. (texto original nas bases de dados do Palácio do Planalto)

No artigo seguinte, o 99, afirmava que “a Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma”.

Da mesma forma, o novo monarca da vida nacional, na concepção expressa dos operadores da campanha de Marina Silva, o mercado, também é inviolável e sagrado e deve velar sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia da economia.

Dessa maneira, fica claro que, conforme o texto do programa de Marina, a independência do Banco Central não é suficiente. 

Além da macroeconomia, o que se pretende é controlar as despesas concretas, os empenhos dos recursos no dia a dia do governo. 

Mais do que isso, o CRF deve cuidar também do planejamento: “evoluir em direção à análise de horizontes mais longínquos e fornecer instrumentos para o planejamento público, de caráter transversal, a longo prazo”.

D. Pedro I, descendente da Casa de Bragança dos reis portugueses, remete às monarquias europeias e seu direito divino. 

O Direito Divino dos Reis legitimava a soberania do monarca no Estado Nacional.

 Por isso, o monarca estava acima dos poderes e de toda a nação e a própria constituição reconhecia a sua sacralidade.

Apoiado no poder moderador, o imperador podia nomear e demitir ministros, ser o voto diferencial em eleições e estabelecer ou revogar normas dos demais poderes.

Marina, como presidente, e os próximos presidentes eleitos pelo povo seriam somente gestores de uma política econômica previamente definida pelo Banco Central e pelo Conselho de Responsabilidade Fiscal - não se esqueça que ambos serão tratados por leis específicas definindo os seus poderes e aprovados sob uma forte pressão se houver mesmo a vitória dessa proposta nas urnas.

Assim, o mercado terá, além do Banco Central, um conselho de notáveis tutelando os representantes eleitos pelo povo. 

Exatamente como no Império, um poder autocrático, legitimado por um direito alheio ao outorgado pelo povo.

Na democracia, a renovação periódica do mandato é validada pelo voto popular. 

A indicação dos membros do CRF, "independente e sem vinculação a nenhuma instância de governo", não dependerá de voto. 

Será definida pela vontade autocrática de um moderador, tocado por "um direito divino" modernamente chamado de "critérios técnicos, com regras transparentes". 

Como se a economia e sua repercussão na vida cotidiana das pessoas pudesse restringir-se a critérios técnicos, mesmo que com regras transparentes.

Alguém acredita que o Conselho de Responsabilidade Fiscal irá “acompanhar a execução do orçamento da União” para resguardar a aplicação dos recursos oficiais na garantia da equidade social, da correção de desigualdades e na afirmação de políticas socialmente justas?

Marina, apesar de evangélica, entrega o poder de seu governo a outra divindade, o deus mercado dos tempos modernos, e nomeia, com “critérios técnicos, com regras transparentes, estabelecidas em leis e aprovadas pelo Congresso”, seus profetas e guardiães, aqueles que irão fazer cumprir um dos seus mandamentos: não gastarás mais do que o necessário para que sobre recursos para o pagamento de juros ao capital financeiro.

Ao votar em Marina, você entrega para este deus moderno, o mercado, o destino do país. E, recíproca verdadeira, não deixa também de acender uma vela ao diabo.

Outro aspecto curioso é que os conservadores de plantão e a grande mídia, que saíram raivosos contra o Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS), estão mudos e calados sobre o Conselho de Responsabilidade Fiscal.

Enquanto o decreto definia regras para o debate com a sociedade, o Conselho é criado com o propósito de “acompanhar a execução do orçamento da União”, claramente substituindo uma atribuição do Poder Legislativo – fiscalizar o governo e analisar e propor políticas expressas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no Orçamento da União.

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