“Seja a mudança que você quer ver no mundo”
(ou: experimente outro mundo para ser a mudança)
A exemplo da citação de Gandhi, há quem defenda que as mudanças devam acontecer de dentro pra fora, por se tratarem de uma questão atrelada única e exclusivamente à decisão individual: “mudar ou não mudar?”. Algo conectado à força de vontade pessoal.
De fato somos seres dotados de livre arbítrio, mas o que não podemos perder de vista é que tendências são formadas pelas condições objetivas.
Ao mesmo tempo, não me parece acertado compactuar pura e simplesmente com o chamado ‘determinismo’, onde a história que será vivida já se encontra toda escrita. Prefiro uma posição intermediária, recusando ambos os extremos: não somos os senhores de nosso destino e, tampouco, acredito que o mesmo esteja previamente traçado – trata-se de uma interação dialética, simultânea e complexa.
Em outras palavras, se você quer mudar algo em sua vida, pense seriamente em mudar o que te cerca. “Mudar dentro” é uma questão de “mudar fora”.
Para além das mudanças individuais, é possível verificar a existência de certo senso comum estabelecido onde o indivíduo ocupa o centro das possibilidades de transformação da história, constituindo-se enquanto potência latente de mudança. Em outras palavras, trata-se de uma crença de que, para as coisas mudarem, determinados indivíduos devem agir.
Tal narrativa estabeleceu-se em diversos âmbitos e dimensões de nossas vidas, desdobrando-se de inúmeras maneiras. Desde às bases históricas da “ética protestante” estudada por Weber em meados do século XIX, até a recente e amplamente difundida “teologia da prosperidade” vinculada ao neopentecostalismo; do liberalismo de Adam Smith à “nova razão do mundo” neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016); da apologia do empresariado às noções contemporâneas de empreendedorismo, encontramos alguns dos fatores e elementos que vem contribuindo historicamente para a supervalorização do papel do indivíduo em nossa sociedade.
Também não é à toa que cada vez mais, ouvimos dizer o quão individualistas estamos nos tornando. Isso quer dizer que, de maneira geral, temos voltado nossas atenções, esforços e objetivos para o âmbito pessoal – o que importa são nossos benefícios imediatos e particulares.
Essa maneira de encarar as coisas, certamente nos conduz a determinadas situações, e estabelece padrões sociais que vem se mostrando cada vez mais insustentáveis: de um lado, uma corrida maluca pelo sucesso, extremamente competitiva, exige que estejamos prontos a aceitar o fracasso do próximo para garantir nossas vitórias; de outro, grupos que, ao invés de buscar promover uma transformação compartilhada, concentram-se apenas em si mesmos.
O resumo dessa ópera é: o individualismo é um dos pilares de sustentação desta ordem mundial, e é fomentado por toda a sorte de filosofias e crenças. Ele é uma prática cultural arraigada em nosso cotidiano, presente na família nuclear; nas escolas; no mercado; em toda parte. Além de buscar superá-lo enquanto estrutura do pensamento, é preciso criar condições objetivas e externas que o afastem, vivenciando na prática outras possibilidades de relação humana. Estimular sistemas competitivos e meritocráticos não é socialmente saudável; o sucesso de uns não pode depender do fracasso de outros. E, por último, é preciso lembrar: ninguém faz nada sozinho. As transformações mais duradouras e significativas só podem ser construídas em grupo.
Mudemos o mundo que nos cerca, para podermos mudar quem somos neste mundo. Com atos individuais e coletivos, derrubemos esse pilar chamado individualismo!
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo-Ensaios sobre a sociedade neoliberal. Belo Horizonte: Boitempo Editorial, 2016.
PLEKHANOV, G. A propósito do papel do indivíduo na história. Obras Escolhidas, p. 315-346, 1898.
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