Recebo de um veterano jornalista, capaz de ver através da fumaça, a seguinte análise sobre a dita onda de abstenções no primeiro turno das eleições municipais. Coisa boa, daquelas que bota a gente para pensar.
Leia só:
Foram essas as percentagens de abstenções, votos nulos e votos em branco nas eleições presidenciais (1° turno) desde 1989:
E essas as percentagens nas eleições municipais de 2016:
Os índices acima podem apresentar algumas deformações em função das diferenças de recadastramentos nas diversas cidades, mas, apesar disso, permitem algumas observações:
Os índices de abstenções, brancos e nulos eleições de 2016 foram altíssimos nas principais capitais e cidades do país.
(Nota do Tijolaço: reafirmo a posição de que o cadastramento eleitoral, onde não foi realizado, é a maior influência na abstenção. Um exemplo:Niterói, vizinha ao Rio, teve recadastramento biométrico e lá a abstenção foi de 18%, embora os brancos e nulos lá tenham sido, até, em proporção superior à capital: 18,61% nulos e 5,62% brancos)
Uma primeira leitura possível é de que venceu a “negação da política”. Não deixa de ser verdade.
Mas é interessante observar que a “negação da política” não se manifestou de forma igual nas 9 principais capitais do país. Onde a esquerda se fracionou ou não apresentou candidatos viáveis, a soma de abstenções, votos em branco e nulos superou a marca dos 30% (em azul). É o caso de Curitiba, Salvador, Porto Alegre, São Paulo, Rio e BH. Onde a esquerda apresentou candidatos viáveis e mostrou-se razoavelmente unida (em vermelho), a soma das abstenções, votos em branco e nulo ficou abaixo de 30%: Recife, Fortaleza e Belém.
Vale a pena comparar com os números das eleições presidenciais desde a redemocratização. Se excetuarmos os índices da eleição de 1989, atípica por ser a primeira depois do fim da ditadura e por contar com um número imenso de candidatos, o padrão se repete: sempre que os candidatos da esquerda eram competitivos e havia um clima de unidade no ar, os índices de abstenção, votos em branco e nulos foram inferiores a 30% (2002, 2006, 2010 e 2014). Quando a esquerda parecia não ter chance de vitória e estar apenas cumprindo tabela, eles superaram com folga esse patamar (1994 e 1998).
Ou seja, pelos números das eleições presidenciais desde 1994 e pelos resultados das eleições municipais deste ano, talvez valha a pena uma reflexão: no Brasil pós-redemocratização, altos índices de abstenções, votos em branco e nulo atingem homogeneamente o eleitorado? Ou tendem a ser bem mais fortes na base política e social da esquerda quando ele se sente desanimada ou desorientada e joga a toalha antes da eleição?
Os números mostram que a segunda alternativa parece ser a mais correta. Não existe uma “negação da política” em geral, que incide igualmente sobre todo o eleitorado. Ela é muito mais forte na população mais pobre, aumentando ainda mais quando ela está perplexa, descrente ou desorientada e quando carece de lideranças visíveis e alternativas claras. Nesses casos, uma boa parte desse segmento deixa de votar porque lhe parece inútil ou porque se sente derrotada de véspera.
Se essa avaliação é correta, deveria nortear nossos próximos passos.
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