Nossos limites. E a anatomia de um “menino monetarista”
Isoladamente tenho dito que a atual escalada golpista no Brasil tem uma grande particularidade. Muito além da noção quase messiânica de “nós contra eles”, o que está em jogo é a continuidade de um projeto que se esgota nos seus próprios erros iniciado em 2003 contra a tentativa de reafirmação, e aprofundamento de um profundo golpe dado em 1994 (Plano Real). Por isso, não me surpreende a fala de Armínio Fraga.
Por Elias Jabbour*
Armínio Fraga (em “Respostas à altura da crise”, Estadão – 13/09/2015), ao propor profundo arrocho fiscal e monetário, mudanças nas regras trabalhistas, mais enxugamento do Estado e mudanças de essência na Constituição (respeito à economia de mercado e justificativas à maior participação do Estado, um despautério à chilena) coloca à mesa o programa de retomada do caminho iniciado em 1994 e transformado em política ativa de Estado em 1999 (Tripé Macroeconômico). E sempre reafirmado desde 2003, como um princípio mater, não por falta de força política para fazer diferente como muitos imaginam, mas por pura falta de convicções e vícios teóricos absorvidos por uma esquerda hegemônica e hegemonista cuja crise financeira somente acelerou seus graves limites de elaboração e estratégia.
Por outro lado, o desafio não é só denunciar o golpismo real, mas também nos reinventarmos caso pensamos em disputar seriamente os rumos do país. Reconheçamos: perdemos o debate de ideias, não por força das ideias deles, mas por falta de ideias nossas para ir além do combate à pobreza e da expansão do mercado consumidor. A conta, repito, chegou. O primeiro passo a um soerguimento de nosso campo político está numa necessária revisitação histórica, de forma crítica e profunda, principalmente às opções feitas desde 2003, os acertos e erros acumulados. Trata-se de um debate que não deve ser atropelado pela lógica da luta política acirrada e indigesta ao campo popular. Transformemos nossa autoridade moral em autoridade intelectual.
Algumas palavras sobre o PSDB e Armínio Fraga. A década de 1990 consagrou a plena opção do PSDB em se tornar – de fato – o braço político da grande finança. Para lá refluiu a fina flor do pensamento ortodoxo brasileiro. A distância que separa o monetarismo do fascismo estreitou-se com quatro derrotas consecutivas, o golpismo fanático é a liga que faltava a este casamento. A fronteira entre o discurso moral, o privatismo e a condenação a “arroubos populistas”, nunca existiu. Discurso com alto grau de apelo em momentos de colapso fiscal, alta inflacionária, queda de expectativas de consumo e investimento e alto desemprego. Um duro ajuste fiscal criou condições política à ascensão nazista. Lá e cá a história se repete.
Certamente Armínio Fraga foi um desses meninos, típicos “filhinhos de papai” encantados com os modelos de “equilíbrio geral” ensinados nos cursos de economia e vendidos como a fina flor da “ciência econômica moderna”. Determinados cursos de economia se transformaram em verdadeiro campo fértil à transformação de jovens com tendências ultraconservadoras em verdadeiras máquinas de ser e fazer dinheiro, completamente desprovidos de valores humanistas. Que trocaram a fé na Santíssima Trindade cristã em crença absoluta na “neutralidade da moeda” e capazes de pegar em armas contra aqueles que ousem chegar próxima “dela”. Sobra a intransigência metodológica de Walras, falta a flexibilidade intelectual de Alfred Marshall.
Armínio Fraga se comporta com esse nível de fanatismo diante da “ameaça à moeda” conformada em doze anos de “populismo”. Mas não é só ideologia, é interesse também. Armínio Fraga foi um além de ser um menino monetarista. Não é segredo para quem trabalha (JP Morgan, George Soros). O livro More Money Than God (MALLABI, S., Penguin/2010) corrobora a hipótese para quem Armínio Fraga operou um grande ataque especulativo contra a Tailândia em 1997 com lucros estimados – a ele e seu patrão George Soros – da ordem de US$ 2,5 bilhões. Um verdadeiro ato de lesa-humanidade e terrorismo financeiro aberto. Neste sentido, abro parêntese para reafirmar, principalmente a meus alunos, a minha fé na força da ciência e na força da Economia Política humanista de Adam Smith.
A guerra não está perdida. Ainda temos a chance de encontrar o caminho, mesmo por equívoco. A maxidesvalorização cambial é uma realidade que deve ser acompanhada pela instituição de um limite de “equilíbrio industrial”, algo em torno de R$ 3,60 por dólar, eliminando essa volatilidade cambial – verdadeiro combustível à falta de expectativas ao investimento produtivo. A taxa de juros deverá retomar alguma tendência de queda, antes que seja tarde. A defesa da democracia deve ser estendida à defesa da Constituição de 1988 contra a tentativa de assalto em curso. Porém, o limite do debate de ideias, a fronteira a ser transporta está justamente no que ninguém tem posto em questão. Mudanças institucionais qualitativas, capazes de subverter a ordem de 1994 centrada na política de metas de inflação e principalmente em seu caráter anual. “A mãe de todas as batalhas.” Repito o que já disse anteriormente. Ou isso ou a nossa proscrição estratégica.
Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE-UERJ). Membro do Comitê Central do PCdoB
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