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terça-feira, 8 de setembro de 2015

Lula: A solução para a situação atual é mais política que econômica. Seacertamos a política, solucionaremos a econom



 

Lula: A solução para a situação atual é mais política que econômica. Se acertamos a política, solucionaremos a economia

publicado em 06 de setembro de 2015 às 17:17
CrédLulaito da foto: EBC
06/09/2015 – Copyleft
‘Torço para que ganhe alguém que queira ter uma boa relação com o Brasil’
“Seria muito importante que ganhasse na Argentina alguém que tenha a vocação integracionista, e não pensa que a solução está no Norte”
Ele completará 70 anos no dia 27 de outubro, o mesmo dia em que seu amigo Néstor Kirchner faria 65. Com os cabelos mais grisalhos e fora da presidência desde que terminou o seu segundo mandato, no último dia de 2010, Luiz Inácio Lula da Silva não perdeu nem o seu sorriso, nem a emoção, nem a ênfase. Não está retirado da política brasileira – longe disso. Tampouco da política sul-americana: passará quase toda esta semana na Argentina, onde chegará para fazer seu terceiro gesto público importante, uma longa agenda de eventos junto com o candidato Daniel Scioli.
O ex-presidente brasileiro, que assumiu o governo de seu país em 1° de janeiro de 2003, conhece o candidato presidencial da Frente para a Vitória (FpV) desde que ele era vice de Kirchner. Mantiveram contato quando ele foi governador da Província de Buenos Aires. Em abril passado, os dois se encontraram no Instituto Lula, um edifício simples, no bairro do Ipiranga, onde o presidente de honra do Partido dos Trabalhadores (PT) instalou sua base de operações.
Naquela ocasião, onde os dois conversaram durante três horas, e combinaram entre as respectivas equipes uma continuação do encontro, desta vez na Argentina. A equipe de Lula é liderada pelo ex-secretário-geral da presidência, Luiz Dulci, a de Scioli, por seu secretário de relações internacionais Rafael Follonier, velho amigo de Lula, de Dulci, da presidenta Dilma Rousseff e do assessor da presidência, Marco Aurélio Garcia. No final de maio, o governador enviou outro membro de sua equipe, Javier Mouriño, ao congresso realizado pelo PT na Bahia, para que entregasse uma carta de solidariedade. E Lula a retribuiu mandando uma mensagem de apoio à campanha.
Esta semana, na terceira participação do ex-presidente num cenário eleitoral presidencial na Argentina, aparecerá várias vezes com Scioli.
Juntos, irão ao município de José C. Paz, para inaugurar uma UPA – Unidade de Prevenção e Assistência em saúde. Logo, irão até outro município, La Matanza, para que Lula receba dois doutorados honoris causa, um da universidade local e outro da Universidade Metropolitana para a Educação e Trabalho, do reitor Nicolás Trotta.
Juntos, estarão com Cristina Fernández de Kirchner numa agenda cujos últimos detalhes ainda estão sendo revisados pela assessoria da presidenta e por Clara Ant, membro da diretoria do Instituto Lula, que viajou a Buenos Aires e estabeleceu seu centro de atividade no escritório do seu amigo Pablo Gentili, secretário-executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, que vive no Brasil há 20 anos e construiu uma relação de confiança política e técnica com o PT e com Lula.
O mesmo Lula que chegou ao seu instituto abraçado ao fotógrafo e documentarista Ricardo Stuckert, que o acompanha desde os anos como presidente, e o assessor de imprensa José Crispiniano. Se sentou, tomou uma xícara de café, um gole de água de sua garrafinha, e se preparou para o pingue-pongue:
– Depois de sua reunião com Scioli, aqui mesmo no instituto, uma frase que você teria dito a ele ganhou destaque nos noticiários: “Daniel, você tem que ganhar, para que a Argentina não retroceda”. Foi assim?
– Vou dizer uma coisa, de todo o coração. Vou responder a pergunta a coração aberto. Tenho uma relação muito digna e muito respeitosa com a Argentina. Compreendo perfeitamente o papel da Argentina. Tive uma relação extraordinária com o Néstor Kirchner, e também a tenho com a Cristina. Então, aqui do Brasil, eu obviamente torço para que a Cristina consiga que seja eleito o sucessor que ela quer ver na Presidência. E mais ainda quando o sucessor é o Scioli. Eu torço para que o Scioli ganhe as eleições. Quero que ganhe alguém que queira manter uma boa relação com o Brasil. Alguém que veja o Brasil como sócio e não como adversário. Que queira incrementar a relação comercial, política e científica entre os dois países. Por isso, não deve haver retrocesso. Já sofremos a era militar. Já vivemos a etapa de Carlos Menem e de Fernando Henrique Cardoso, quando foram desmontados tanto o Estado argentino quanto o brasileiro. Depois, passamos por momentos de dificuldades, e então veio a época da bonança para os nossos povos. Hoje, o momento é difícil. Agora temos que buscar, mais do que nunca, essa aproximação.
– De que maneira?
– Não acredito que tenhamos muitas saídas fora de América do Sul e do Mercosul. Para voltar a crescer, temos que acreditar no nosso potencial. No potencial do mercado interno do Mercosul, na Unasul, na capacidade produtiva, na capacidade dos nossos intelectuais, cientistas e dos nossos investigadores. Não podemos nos basear na ideia de que o Norte é a alavanca que nos ajudará. Não podemos pensar, como antigamente, que “tenho que ser bom com os Estados Unidos porque isso vai me ajudar, tenho que ser amigo da Europa porque isso vai me ajudar, tenho que ser legal com a China porque ela vai me ajudar”. Não. Os nossos primeiros amigos somos nós mesmos. Então, cuidemos disso. Não podemos fazer política do mesmo modo em que usamos o celular. O celular é uma desgraça.
– Uma desgraça?
– Sim. Por mais útil que seja. Distancia aquelas pessoas que estão perto de você e aproxima quem está longe. Você convida alguém para comer na sua casa, ela se senta na tua mesa, come da tua comida e toma vinho contigo, mas de repente ela pega o celular e fala com Nova York. E você fica sozinho. A política também é assim. Façamos mais política cara a cara. Brasil e Argentina, Brasil e Venezuela, Brasil e Uruguai, e poderia citar aqui todas as relações entre os nossos países, já que fizemos tudo o que foi possível para explorar todo o potencial do continente. Em vez de filosofar, usemos os nossos acadêmicos para que pensem o seguinte, em termos concretos e práticos: o que mais podemos fazer entre nós? O que ainda é preciso ser feito em cada país? Nós, o que temos que fazer dentro de cada país, para que depois, de forma bilateral, possamos fazer algo entre os dois países? Às vezes pensamos que nossa solução está na casa do vizinho. Não. A solução está na nossa casa. É preciso explorar esse tema. Sobretudo em momentos de crise. Nós vemos que a economia norte-americana vai crescer apenas 2,5%, que a europeia crescerá 0,5%, que a economia chinesa diminuirá seu crescimento não sei quanto. Dizem isso como se fosse uma novidade, que o mundo está em crises. Tudo bem, mas o mundo está em crises desde 2008. E o mundo está em crise por uma razão. O sistema financeiro já investiu dez bilhões de dólares para resolver a crise do próprio sistema financeiro, e não resolveu nada. Se tivesse investido a metade disso para incentivar os países pobres do mundo, talvez os resultados teriam sido outros, e a crise já teria acabado. Neste momento, quando tudo está mais difícil, temos que pensar no que podemos fazer. Temos que examinar qual é o potencial do nosso mercado interno.
– O mercado interno nacional, o do Mercosul ou o sul-americano?
– Falo de todos. Se juntamos os 40 milhões de argentinos e os mais de 200 milhões de brasileiros teremos quase 250 milhões. O que podemos fazer juntos? O que podemos flexibilizar? Qual é o potencial desse enorme mercado interno conjunto? Como ser pujantes outra vez? Uma vez, Brasil e Argentina chegaram a ter 40 bilhões de dólares de fluxo comercial entre ambos. É uma ótima cifra. Então, temos pelo menos uma experiência, que nos leva a querer recuperar essa situação. Temos todas as condições para discutir o futuro. Por isso, eu espero que nenhum país retroceda. No caso da Argentina, a mesma coisa, que não retroceda. E quero a vitória do candidato que veja as soluções a partir da Unasul, do Mercosul, da integração. É muito importante. Vou contar o caso de um presidente latino-americano. Uma vez, um presidente da Bolívia, o Goni, foi à Brasília, para conversar comigo.
– Gonzalo Sánchez de Losada?
– Sim, o Goni. Ele me disse: “eu quero me aproximar do Brasil, porque durante toda a história da Bolívia nós acreditamos que os Estados Unidos nos ajudariam”. Me disse também que “nos séculos passados, nunca fomos ajudados, pelo contrário, portanto eu quero priorizar a relação com o Brasil, para ver se temos mais sorte”. É isso que temos que fazer. Acreditar que a prioridade está em nós mesmos. Claro que eu respeito o direito do povo argentino de escolher quem vai ser o seu próximo presidente. E o Brasil terá que conviver com quem ganhe as eleições na Argentina, independente de quem seja. Mas seria extremamente importante, para o país e para o continente, que ganhasse alguém que tenha a vocação integracionista e latinoamericanista, e não que pensa que a solução está no Norte e que o Norte será o nosso salvador.
– O que falta? Há dois anos atrás, durante uma reunião na Embaixada do Brasil em Buenos Aires, você disse que fazia falta uma teoria da integração.
– Continua faltando. Mas não é a única. Vou contar uma coisa. No dia 2 de abril de 2009, nós fizemos uma reunião do G-20, em Londres. A primeira coisa que se disse lá foi que uma das formas de gerar emprego e cuidar dos salários era evitar o protecionismo. Que fazia falta mais comércio. Claro, esse foi o plano do discurso político. Porém, imediatamente depois, na prática, cada chefe de Estado saiu dali e começou a fechar a sua economia. Eu acho que o protecionismo é um erro. Nos momentos de crise, deve haver mais comércio, mais crédito, mais investimentos.
– E como direcionar esses investimentos?
– Os investimentos dependem da credibilidade que as pessoas tenham no governo.
– Qual é o seu conceito de credibilidade?
– A confiança. E para alcançar a confiança é preciso convencer as pessoas. A todos. Para obter essa confiança, o Estado precisa ter capacidade de investimento. Agora, quando os Estados se debilitam e têm menor capacidade de investimento, temos que apelar ainda mais à sociedade. Saber qual é a capacidade de financiamento que a sociedade tem, e que nível de crédito precisa. Sabendo isso, é possível entender como o povo pode voltar a entrar no cenário econômico de cada país, que medidas são necessárias. Se não, o que acontece? A economia não cresce. Se a economia não cresce, o Estado não arrecada. Se o Estado não arrecada, tampouco pode investir. Se o Estado não investe, os empresários não investem, porque não têm confiança. Se o Estado não arrecada por causa desse ciclo, terá que aumentar os impostos. Se o Estado aumenta os impostos, se debilitará politicamente. Ou seja, toda uma engenharia não está nos livros de economia, mas no cotidiano das pessoas. Porque é política. Você pode juntar dez economistas numa sala e mostrar a eles que existe um problema, e pode ter certeza que eles sairão dali com uma única solução: cortar gastos, cortar, cortar, cortar, cortar…
– A famosa austeridade.
– Quando era presidente, eu cansava de dizer que não era economista mas adorava os economistas, porque quando estão fora do governo eles sabem de tudo. Eu aprendi economia com a minha mãe, que era analfabeta. Quando cobrava algo por um trabalho, ela pegava o dinheiro e colocava em envelopes. Um deles era para pagar o supermercado, o outro para a conta de luz, outro para a de água, este outro de gastos com transporte… Se sobrava algo, dava um pouco para cada um dos filhos. Qual é a lição que eu aprendi? Que a gente não pode gastar mais do que a gente tem, do que o arrecadado. Que se você quer se endividar, não pode fazer mais do que o limite das suas possibilidades de pagamento. Se não pode pagar uma prestação do carro novo, tampouco vai poder pagar duas. Se não pode pagar duas, tampouco poderá com três. Então, se você adquire as prestações de um carro zero quilômetro e não consegue pagar depois, vai ter que vender o carro a um preço baixo, por menos do que ele vale, para pagar as prestações atrasadas. E vai perder dinheiro.
E o que vale para o cidadão comum vale para o governo. O governo tem que estar sempre medindo sua capacidade de gasto. Fazer política econômica é como manejar as comportas de uma usina hidroelétrica. Tem que saber quando é preciso deixar a água sair e quando não. Gastar o que se pode gastar, com um limite. Quando você adota uma política de isenção de impostos, tem que saber qual será a consequência. A mesma regra vale para o Estado nacional, para uma província, para um governo municipal ou regional. O que importa é a capacidade de arrecadação do Estado, porque isso é o que marcará suas possibilidades de ser indutor da sua própria economia. Eu acho que o Estado não deve se meter em tudo e tomar o papel dos empresários, mas sim quero que tenha iniciativa, e possa convencer as pessoas de que temos que fazer isso e aquilo, mostrar quais são as prioridades, porque isso é bom para todo o mundo. Assim, com as pessoas sabendo quais são as prioridades e os objetivos do governo, elas poderão confiar. As pessoas não investem quando há confusão política. Precisamos recuperar essa confiança na capacidade de protagonismo do Estado.
– De que forma?
– Do modo em que acabo de mostrar. Por isso, tampouco podemos deixar de considerar a necessidade de gerar em todos a convicção de que o Estado não vai a jogar dinheiro fora, de que o Estado vai a cuidar do seu bolso. Também temos que ter a coragem de dizer aos empregados públicos que o dinheiro não será só para eles, e sim para todos. Este é um período em que tentamos reconstruir o que fizemos em 2003. A Argentina passou por um ajuste. O Brasil passou por um ajuste. Não foi pequeno. No Brasil, foi de 4%. Muita gente abandonou o PT por isso. Mas eu fiz, o que tinha que fazer: trocar parte do meu capital político por um ajuste para ganhar credibilidade lá na frente, e poder chegar aos resultados que queria. E conseguimos fazer isso.
O momento atual exige outra vez algo assim. Na economia, não existe mágica. Quando você tem dez dólares no bolso e pergunta a cinquenta banqueiros, cada um vai te dizer algo diferente, mas sempre no mesmo sentido: colocar o dinheiro na instituição onde tem mais confiança. Com a economia de um país é a mesma coisa. Temos que criar confiança para os investimentos. Previsibilidade. Se não, não te vão acreditar em você.
– Os cortes não são uma forma de demonstrar confiança?
– Não. Quando você arrecada menos do que produz, e gasta mais do que arrecada, no Estado ou na casa de um trabalhador, está mal. O trabalhador não pode viajar à Disney com a família, comprar outro televisor ou um computador novo para a filha, porque não tem dinheiro. É preciso coragem para dizer que não. O mesmo acontece com o Estado. Quando percebemos que os gastos serão mais do que o arrecadado, temos que parar e fazer um ajuste, para evitar que esses gastos superem a capacidade de arrecadação.
Se, por outro lado, o modelo é como o do ajuste de 2008, percebemos que em todos os países que fizeram um ajuste – todos, sem exceções – a dívida pública aumentou, e a dívida líquida também. A Grécia é o maior exemplo. Fez o ajuste e a dívida passou a 186% do Produto Interno Bruto. O mesmo aconteceu com os Estados Unidos, que passaram de 84% a 106%. E você poderá ver o mesmo resultado na Itália, na França, em Portugal ou qualquer outro país. Os ajustes pioraram as contas públicas. O corte de gastos não é a solução, mas sim um sinal de responsabilidade. É como dizer: “Não vou gastar mais do que tenho, e então posso pedir confiança, paciência e sacrifício, porque você vai entender que eu sou sério”. O ajuste tem que ser temporário, para dar um salto de qualidade para o ano seguinte. É uma necessidade. Uma responsabilidade. O dinheiro do Estado não é seu.
– Como a crise internacional afeta este cenário?
– É um elemento grave. Antes, o petróleo estava a 106 dólares por barril, a soja valia ouro e o mineral de ferro estava a 140 dólares por tonelada. Então, os preços desses recursos baixou. O que se faz quando os recursos diminuem? Chora? Não, se adapta às novas realidades. E deve-se pensar nessa adaptação tendo em vista que as vítimas não devem ser os mais pobres.
– O impeachment está descartado no cenário da política brasileira?
– Não existe nenhuma razão para isso, não há nenhum motivo para se realizar um juízo político à Dilma. Todo mundo conhece o carácter da presidenta. Não se pode pensar num impeachment só porque existem problemas econômicos. Também existem as denúncias de corrupção, mas elas estão afastadas do âmbito do governo.
– Afastadas em que sentido?
– No sentido de que todas as denúncias estão seguindo o seu caminho natural, sendo investigadas como devem ser, por promotores e juízes. Enquanto isso, a obrigação de Dilma é governar, porque ela foi eleita para cuidar dos interesses de 204 milhões de brasileiros. Então, deve se concentrar nisso, enquanto os outros assuntos são discutidos por outras pessoas. Não é difícil encontrar uma saída. Sei que hoje temos certa insegurança na base de sustentação política do governo por, divergências entre a câmara de deputados e o governo, entre os partidos políticos… Mas se recuperamos a harmonia política também poderemos resolver os problemas econômicos. Eu venho discutindo a economia há muito tempo. E sempre estou observando a política. O que aconteceu na Argentina? Você também não viveram muitas tensões ultimamente? Eu me lembro de uma tensão que se instalou há alguns anos atrás.
– A de 2008?
– Essa, por exemplo. Me lembro que diante de cada crise, a gente escutava: “a Cristina vai cair”. Isso de que “a Cristina não tem capacidade política para se recuperar desta crise”. E o que aconteceu? Ela ressurgiu mais forte, dessa e de outras turbulências, como a ave fênix. No Brasil, vivemos o que eu chamo de “irracionalidade emocional”. Talvez, os sociólogos se reúnam para discutir se eu estou dizendo uma estupidez ou não. Mas eu acredito no que estou dizendo. O Brasil continua sendo um país extraordinário, com um potencial fabuloso. O Brasil tem 300 bilhões de dólares de reservas. Nunca tivemos essa cifra antes. Temos um certo desajuste na economia, mas para uma economia do tamanho da brasileira, o desajuste não é tão grave. É como uma febre de 39 graus. Alguém morre por 39 graus de febre? Toma um remédio e pronto. O remédio correto, claro.
– Qual seria esse remédio?
– Que os brasileiros recuperem a autoestima, que recuperem a confiança no Brasil. Que se convençam de que o mundo não acabou, e o Brasil tampouco. Como a ascensão social foi tão impressionante, muita gente pode estar preocupada. Em 12 anos, colocamos mais estudantes na universidade do que o realizado pelos governos das elites brasileiras durante mais de um século. Os pobres começaram a viajar no avião e já não querem andar de ônibus em viagens muito longas. A gente não quer perder o que conquistou. Muita gente da classe C agora pode viajar para a Argentina, por exemplo.
– A nova classe média.
– Sim. E voltavam com uma alegria extraordinária. Antes, isso não acontecia. A ilusão suprema era ter dinheiro para comprar a passagem para 30 horas de viagem de ônibus e visitar os pais no Estado natal. Agora, em duas horas de voo essa pessoa chega, e tem dinheiro para isso.
Também houve ascensão social na escola, no emprego… Doze anos de aumentos constantes dos salários. De 1,7 milhões de carros por ano, passamos a produzir quatro milhões. É muito. Por isso, o desespero: as pessoas têm medo de que os avanços acabem. Nesse contexto, o papel do governo é que as pessoas tenham a certeza de que não haverá retrocesso. E o governo tem que estar convencido disso.
Em 2008, quando a crise começou, a imprensa brasileira dizia que o comércio mundial caía porque as pessoas tinham medo de perder o emprego e por isso deixavam de comprar, no mundo inteiro se dizia isso. Eu fui à televisão e fiz um pronunciamento de oito minutos. Eu disse: “é verdade que você pode perder o seu trabalho. Mas é mais verdade ainda que se você deixa de comprar coisas, o comércio vai ter um impacto, a indústria fabricará menos e o risco de perder o emprego será ainda maior. Apelo ao povo brasileiro. Comprem! De forma responsável e somente se podem pagar, mas comprem”.
O resultado naquele ano foi que as classes C e D gastaram mais que as classes A e B. Então, acho que o governo tem que estar convencido dessa necessidade. Não falo nem do ministro da Fazenda nem de qualquer economista. Falo da decisão política. Tomo um avião, ele cai no meio do Oceano Atlântico. Para onde eu vou? Tenho que tomar uma decisão. Tenho que me mover. Não posso ficar parado, porque se não vou me encontrar com a morte. É o momento de arriscar. Façamos o que nunca fizemos. Nem na Argentina, nem no Brasil, em qualquer lugar.
Insisto: a solução é mais política que econômica. Para escolhermos a solução econômica correta, temos que acertar o rumo da política. Se acertamos a política, solucionaremo a economia. Nunca perco meu otimismo, nem acho que a tarefa é tão difícil. O Brasil pode sair da situação atual. Por que? Porque as pessoas estão comendo bem e não têm porque ter medo de não ter comida no dia seguinte. Porque não vai ficar sem comer. A pessoa trabalha, mas tem medo. Teme perder o emprego. Então, tudo vai ser pior. Basta de medo, os problemas têm solução! Essa é a tarefa que a companheira Dilma tem pela frente. E ela tem as condições para fazer o que tem que fazer, e da forma mais adequada.
Tradução: Victor Farinelli
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