O negócio que dá lucros à banca é criar dinheiro do nada gerando dívida sem cessar. Com isso, adquiriu um poder político imenso, diabólico.
CARTA MAIOR
27/10/2014 - Copyleft
Juan Torres López
Os bancos privados desfrutam de uma mordomia extraordinária: cada vez que concedem um crédito criam dinheiro. Não moedas ou notas, que é o que a gente normal e corrente acha que é o dinheiro, mas sim dinheiro bancário, isto é, meios de pagamento através das suas contas.
Quando recebem os depósitos dos seus clientes, os bancos não os mantêm totalmente em reserva para fazer frente aos saques que estes solicitem; conservam em caixa apenas uma parte mínima, e dispõem do resto para realizar empréstimos (por isso se diz que é um sistema bancário de reserva fracionária).Como dizia o Prémio Nobel da Economia Maurice Allais, isso significa que os bancos criam dinheiro ex nihilo, do nada.
O fenómeno é fácil de entender: Pôncio dispõe dos únicos 100 euros que há na economia e deposita-os num banco. Com o seu cartão de débito ou com os seus cheques pode realizar pagamentos no valor de 100 euros. Se o banco concede um crédito de 20 euros a Pilatos mediante uma simples anotação contábil, este poderá gastar esses 20 euros. Assim, desde esse mesmo instante, já há 120 euros em meios de pagamento. O banco criou 20 euros de dinheiro bancário.
Como isto se faz sucessivamente e sem descanso, resulta que os bancos “multiplicam” sem cessar os meios de pagamento, na mesma medida em que vão criando mais dívida. Como dizia o Prémio Nobel da Economia Maurice Allais, isso significa que os bancos criam dinheiro ex nihilo, do nada.
Na Europa, a proporção dos depósitos que hoje os bancos são obrigados a manter em reserva é de 1% no caso de se tratar de depósitos a menos de dois anos ou que se possam retirar sem pré-aviso, e de 0% nos demais. Isso implica que, se supomos que os clientes não retêm dinheiro nas suas mãos (o que hoje em dia sucede quase sempre graças aos cartões), um banco pode criar do nada 100 euros cada vez que um cliente deposita nele 1 euro, a menos de dois anos, e tanto quanto quiserem, nos restantes casos.
Este é o negócio que dá lucros à banca: criar dinheiro do nada, gerando dívida sem cessar.
Logicamente, os bancos não deixaram nunca de aproveitar essa oportunidade e dedicaram-se a impor as condições que obriguem as empresas, as famílias ou os governos a endividarem-se continuamente.
Por exemplo, fomentando a moradia em propriedade em vez de em aluguer, cortando salários, permitindo que se deem créditos hipotecários acima do valor da casa, subindo artificialmente o preço da moradia, desagravando fiscalmente os juros de maneira a ser mais rentável endividar-se do que autofinanciar-se, etc.
Essa é a causa, e não outra, para o crescimento constante da dívida. É também por isso que os bancos têm crises às duas por três, já que criar dívida dessa forma faz com que o valor dos seus créditos se afaste constantemente do que têm os seus depósitos e o seu capital em geral.
Em junho passado publicaram-se os últimos dados anuais que permitem comprovar a relação entre o capital e os ativos dos 50 bancos maiores do mundo. Ainda que não seja exatamente entre depósitos e créditos, a relação reflete perfeitamente como tem crescido o negócio bancário e a razão de sua permanente instabilidade.
Há casos verdadeiramente impressionantes, como o do Wells Fargo Bank dos Estados Unidos, que tem ativos num valor 2.646,6 vezes maior que o do seu capital.
Esses 50 megabancos têm ao todo um capital de 772.357 milhões de dólares, enquanto os seus ativos têm um valor 87,6 vezes maior (67,64 biliões de dólares). Mas há casos verdadeiramente impressionantes.
O recorde é o do Wells Fargo Bank dos Estados Unidos, que tem ativos num valor 2.646,6 vezes maior que o do seu capital. Seguem-se o LesiguenCitibank, com uma relação de 1.793,3 a um e o ING, que tem 1.550,3 dólares em ativos para cada dólar de capital.
No ranking encontram-se o Banco de Santander, no 15º lugar e com uma relação de 196,9 dólares em ativos pela cada dólar de capital, e o BBVA, no 35º lugar e com uma relação bem mais baixa, de 20,5 para um (a lista completa pode ser vista no Bankers Almanac).
O sistema de reserva fracionária dá origem a estes monstros financeiros que se apoiam no nada, sendo materialmente impossível manterem-se em pé sem caírem nalgum momento. A história demonstrou-o dúzias de vezes.
Mas ainda que o sistema seja perigosíssimo, a banca adquiriu graças a ele um poder político imenso, diabólico, que se estende a todos os resquícios da sociedade e lhe permite obrigar a que sejam os cidadãos a suportar os custos multimilionários que gera cada vez que cai.
Vivemos, pois, num sistema que permite que a utilização de um elemento essencial para criar riqueza, emprego e satisfação humana como o dinheiro, que está para a economia como o sangue para o corpo humano, dependa exclusivamente da vontade de um grupo social privilegiado. E que, além disso, o utiliza da forma mais esbanjadora e cara, criando uma dívida crescente que afoga a vida económica.
Olhe-se por onde se olhar, não há outra alternativa senão acabar com o sistema de reserva fracionária e considerar o crédito como um serviço público essencial, obrigando a banca, seja de propriedade privada ou pública, a governá-lo estritamente à luz desse princípio.
Isso não só permitiria evitar o inferno criado por cada crise que o sistema bancário atual recorrentemente provoca, como também utilizar o dinheiro, que é um bem comum, para financiar convenientemente empresas e consumidores, e que os juros (que poderiam ser mínimos ou utilizados só como instrumento de estabilização) revertessem para o Estado, aliviando uma parte imensa da atual carga fiscal.
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