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Primeiro-de-abril
“Marcha da família com Deus pela liberdade”
Deus certamente não marchou
E provavelmente não gostou de ver seu nome usado em vão, de novo
A liberdade também não marchou
“Quae sera tamen...”
Quanto à família
aliás, quanto às famílias...
Marighella morreu – e deixou família
Lamarca morreu – e deixou família
No Araguaia – meu rio calmo!
Morreram Dina, osvaldão, os Grabois – pai e filho – e tantos mais
E deixaram família
Morreram soldados, coitados
“Amados ou não”
E deixaram família
Homens foram torturados, aviltados
E tinham família
Meninas foram fustigadas, estupradas
(“Que bom te ver viva!”)
E tinham família
Eles eram comunistas?
Eles eram guerrilheiros? – terroristas, em jargão?
Eles eram corajosos.
E tinham família
Eles eram muito jovens
Elas eram mais que lindas
Muitos não alcançaram a idade de Cristo
Com mais ou menos sangue, contudo,
Todos provaram do calvário cristão
Suas mães, irmãs, filhas, viúvas
Ecoam Antígona
A reivindicar – não uma sepultura
Mas corpos a sepultar
O poeta “vê o visto”
O poeta sonha que morrera
Quimera! Que merda!
O poeta está vivo para ver a farsa
O poeta está vivo para exumar a história
(Ninguém viu aqueles filmes, diabo!
“Pra frente, Brasil”)
No delírio do pau-de-arara
O soldado se recusa
O oficial diz NÃO
O general se rebela
Deus interrompe a Marcha funesta
A família, humanizada, segue de mãos dadas
A liberdade, enfim, entra na história
Mas a história se repete
Senão como tragédia, ao menos como farsa, vá lá
Por isso mesmo é bem capaz de, num domingo qualquer
A família brasileira voltar ao Clube Militar
Como a um pavoroso jardim de infância
Como a um paraíso perdido
Mas não será difícil saber
Quem foi mesmo que perdeu o paraíso
Alisson Azevedo
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