Quadro de curto prazo.
Neste momento, nos círculos próximos à presidente, incumbidos da avaliação de cenário, o quadro de curto prazo que se vê é o seguinte:
1. Baixa perspectiva de reverter o impeachment no Senado.
A esta altura, provavelmente o presidente do Senado Renan Calheiros já está em negociações com Michel Temer. É pequena a probabilidade de reverter a votação no Senado.
2. Baixa perspectiva de reverter no STF (Supremo Tribunal Federal).
Após a demonstração de músculos de Eduardo Cunha na Câmara, é baixa a probabilidade de o Supremo tomar qualquer medida que reverta a decisão do impeachment. Não agirá se não for provocado. E, se provocado, a cautela se sobreporá a qualquer outra visão.
3. Voz das ruas.
Há uma possibilidade pequena de reversão do impeachment dependendo exclusivamente da voz das ruas. Por vozes da rua se entenda, também, os manifestos e a indignação pelo não cumprimento dos dispositivos constitucionais no processo de impeachment.
4. Lava Jato
Por outro lado, Lava Jato e a Procuradoria Geral da República já gastaram toda sua munição para inviabilizar o mandato de Dilma. Seu objetivo agora é inviabilizar a candidatura de Lula 2018. Provavelmente não mexerão na caixa de marimbondo do Congresso, ainda mais com Cunha armado com quase 2/3 da Câmara e com o recurso do vazamento diário de factoides já esgarçado pelo excesso de uso.
Hoje vazaram mais documentos da Andrade Gutierrez contra Lula e nada encontraram contra Aécio Neves - que o mundo sabe ser o parceiro preferencial da empresa.
Apesar do pessimismo palaciano, não minimize o problema da falta de legitimidade do processo de impeachment. O processo é tão clamorosamente ilegal, com tanta repercussão internacional, que não se deve eliminar a possibilidade de uma intervenção do STF.
O desempenho de Dilma Rousseff na entrevista coletiva de ontem – com um discurso sereno, firme e histórico – mostrou uma dimensão pública até agora imprevista da presidente, se apresentando como a defensora impávida da democracia. Um grande momento!
Uma saída alternativa seria o PT e Dilma encamparem a ideia das eleições gerais. É uma bandeira que tenderá a conquistar aliados dos dois lados, na mídia e nos grupos do PSDB contrários a José Serra.
Mesmo assim, para para passar exigirá a aprovação no Senado e na Câmara. E não consta que Cunha e seus aliados abrirão mão facilmente do poder conquistado.
O cenário mais provável, por enquanto, será a tentativa de Michel Temer-Eduardo Cunha de assumir e tentar consolidar seu poder, em um quadro de amplo descrédito político, com manifestações de rua, ceticismo em relação à sua capacidade de montar um programa econômico minimamente consistente. E, na outra ponta, o crescimento da bandeira das diretas já.
A tentativa Temer
O peixe vendido para Michel Temer, visando estimulá-lo em sua aventura golpista, foi de que sua mera posse daria um choque de credibilidade na economia, com os seguintes desdobramentos:
· Com a posse, imediatamente haverá uma valorização dos ativos (ações e outros ativos internos) e uma depreciação do dólar.
· Haveria um rápido trabalho de tentar convencer os investidores externos a voltar a investir. O choque de credibilidade consistiria em neutralizar o sistema de partilha da Lei do Petróleo e abrir espaço para um amplo programa de privatização e de flexibilização dos direitos sociais.
· Por sua vez, essa guinada liberal levaria os grandes grupos a conseguir a adesão da mídia até 2018 quando, então, Temer se candidataria à reeleição.
Faltou combinar com os russos.
O próprio comportamento do mercado no chamado D+1 é uma comprovação da fragilidade da solução Temer. Nem o dólar caiu, nem a Bolsa subiu.
A primeira dificuldade é a própria falta de legitimidade de Temer, uma unanimidade negativa maior do que Dilma, fato que certamente pesará na hora de definir as prioridades das políticas públicas e tentar aprovar as pautas impopulares no Congresso.
Para contornar a falta de legitimidade, terá que proceder a uma ampla distribuição de cargos, benesses e medidas provisórias em um quadro de crise econômica e de exacerbação moralista contra o presidencialismo de coalizão.
Será curioso analisar a maneira como os brilhantes deputados, que votam em nome da sua cidade, dos seus pais, filhos, netos e avós, de Deus e dos contadores endossarão medidas impopulares. Aprovar medidas impopulares de Temer e Cunha ensejará tanto patrulhamento quanto votar contra o impeachment. Principalmente quando cair a ficha que a substituição de governo não mudou a realidade econômica.
Aliás, para quem defende o voto distrital, pode conferir – no BBB da votação da Câmara – o registro mais puro de um congresso dividido em deputados com visão estreita de seus respectivos distritos.
Se optar por demagogia – como reduzir drasticamente o número de ministérios – emperrará ainda mais a máquina pública.
Mesmo com as ferramentas da Presidência, terá enorme dificuldade em administrar as alianças.
Tome-se o caso de Aloysio Nunes – que viajou correndo para os Estados Unidos para se encontrar com lobistas e grupos internacionais. Um dos cacifes perante Temer será a capacidade de convencer o capital internacional. Esse convencimento é fundamental para que o golpe seja aceito internacionalmente e para que se crie um ambiente favorável aos novos investimentos.
A ida de Aloysio é uma maneira de seu mentor, José Serra, ganhar cacife nas negociações com Temer, visando ocupar um papel central no seu Ministério. Dependendo do espaço aberto a Serra, Temer colocará em risco a aliança com o PSDB.
Ora, para investimentos de longo prazo, o capital exige segurança jurídica. Como poderá oferecer segurança jurídica um governo que assumiu o poder dentro de um golpe, impopular, com uma base de apoio fragmentada e sequiosa e acossado pela Justiça?
Outro nó será com a mídia. Ela entra no governo Temer como uma das coparticipes do golpe. Qual será seu comportamento? No imaginário do Olimpo da comunicação de massa – que tem peso na formação de opinião do cidadão médio – há um enorme contingente de celebridades e semideuses que se colocou contra o golpe.
A aposta no impeachment foi enorme risco de imagem para os grupos de mídia. A condescendência com Temer poderá ser o tiro fatal contra sua credibilidade. Por outro lado, como abrir mão dos acenos das verbas publicitárias?
Um preâmbulo sobre a geopolítica mundial
Em casos recentes de disputa política em vários padrões, nota-se a repetição de um mesmo padrão de operações jurídico-policiais:
1. Contra os acusados, o levantamento de indícios em investigações internacionais, frutos da cooperação internacional entre Ministérios Públicos e judiciário.
2. O uso exaustivo da mídia para operações nas quais o álibi jurídico serve para promover assassinatos políticos. O espetáculo recorre desde a conduções coercitivas até a prisões temporárias. O MP não logra levantar provas contra os acusados, mas, no decorrer das investigações, provoca-se o maior dano possível à sua imagem.
3. Ampla seletividade na escolha de alvos, preservando os aliados.
Brasil
A Lava Jato assesta a mira no ex-presidente Lula, move uma perseguição implacável, conduz coercitivamente, ameaça de prisão, vaza depoimentos e grampos. Até agora, não levantou uma prova sólida sequer contra ele, mas a reiteração da campanha derrubou seis índices de popularidade.
Na outra ponta, o adversário Aécio Neves aparece em várias delações e levantam-se provas sólidas de existência de contas em paraísos fiscais. Contra ele, nada acontece.
Portugal
Marcação cerrada sobre o ex-primeiro ministro português José Sócrates. Meses e meses de investigações, com cobertura midiática diária. Invasão de residência, decretação de prisão preventiva por 9 meses (!), busca de ativos que comprovariam a corrupção.
Depois de dois anos de investigação, nem o Ministério Público nem a Autoridade Tributária lograram apresentar publicamente nenhum dos “fortes indícios” que apregoavam dispor para condenar Sócrates. (http://migre.me/tybc5). No momento, o procurador incumbido do caso solicitou mais prazo de investigação. Mas há certo consenso de que o máximo que se conseguirá será a condenação política de Sócrates.
Na outra ponta, no chamado escândalo dos submarinos – de suborno praticado por empresas alemãs com autoridades portuguesas – houve condenação na Alemanha, mas o caso foi abafado em Portugal, apesar de envolver o ex-primeiro-ministro João Manuel Durão Barroso (http://migre.me/tybuA)(http://migre.me/tybvX) (http://migre.me/tybxE).
Do jornalista português Fernando Reis:
Argentina
Em relação a Cristina Kirchner, o Ministério Público argentino baseou-se em informações sobre contas offshore para acusa-la de lavagem de dinheiro e de manipulação com dólares. Mesmo jogo feérico, de intimação para depoimentos ao juiz e a mobilização da população para apoia-la (http://migre.me/tybGw).
No centro do processo, obviamente a disputa política entre ela e o novo presidente argentino Maurício Macri – cujo nome apareceu em contas do Panama Papers.
As declarações de Cristina sobre a diferença de tratamento com Macri, cabem como uma luva na diferença do MPF, no tratamento dispensado a Lula e Aécio:
“Imaginem o que aconteceria se houvessem encontrado contasoffshore em meu nome, no nome de minhas irmãs, minha mãe, meu pai? Isso demonstra claramente que os argumentos [contra ela] têm um só objetivo: acabar com os direitos adquiridos durante os 12 anos de meu Governo”. “Vamos pular, quem não pula tem conta no Panamá”, as pessoas cantavam.
Momento de meditação
À vista da enorme complexidade do momento, os desdobramentos geopolíticos, as implicações internas, os movimentos de massa, exigindo análises complexas e sofisticadas, é interessante conferir a ideologia da Lava Jato.
Em um dos momentos épicos da Lava Jato, o procurador evangelizador Deltan Dallagnol visitou o movimento Cristãos contra a Corrupção teve uma visão:
“Neemias quando viu a cidade sem muros identificou o problema. A primeira reação de Neemias foi ter compaixão, Neemias chorou. Em seguida, Neemias jejuou e orou. A igreja já fez isso? Então, o que Neemias fez em seguida? Neemias agiu. Neemias vai ao rei e assume uma posição sacrificial, correndo risco de vida e diz ao rei que quer reconstruir os muros de sua cidade. Se nós queremos mudar o sistema, nós precisamos continuar orando, assumir uma posição clara, propor e apoiar medidas e projetos que contribuam nesse sentido”(http://migre.me/tydnV).
E os pastores presentes à capela do Seminário ficaram de pé para orar por Deltan e pelo fim da corrupção no Brasil.
Qual a semelhança entre o procurador e os deputados que invocaram o nome de Deus na votação do impeachment? Apenas o fato de que Deltan tem um mestrado em Harvard. E a comprovação de que nem as luzes de Harvard são capazes de penetrar na ignorância crassa, tumular, plantada em algum momento da história brasileira pela Inquisição e pela superstição religiosa, e que atravessa séculos de camadas arqueológicas para se consolidar nas profundezas do imaginário nacional.
Quando, no final do jogo, o principal acusado torna-se o todo-poderoso do país, ameaçando tirar do cargo uma presidente honesta, nem Deus para conseguir explicar para o pastor as consequências de seus atos.
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