Ao assegurar a aprovação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o deputado Eduardo Cunha consolidou-se como o Sílvio Berlusconi do atual momento político brasileiro.
Não se pode cogitar por um único minuto a hipótese de encerramento de um mandato obtido nas urnas sem os votos que Eduardo Cunha organizou e garantiu na noite de ontem.
Cunha já havia demonstrado seu poder de controle em diversas votações das chamadas pautas-bomba e toda agenda conservadora que dominou os debates do Congresso a partir de 2015.
Ontem, os discursos em tom religioso, cobertura para um conservadorismo extremo e reacionário, que garantiram 36 votos decisivos contra Dilma, não escondiam certificado de origem.
A fidelidade é tamanha que os aliados sequer se preocupavam em manter aparências.
As semelhanças com Berlusconi são úteis para entender o que está ocorrendo no Brasil de hoje.
A Itália de 1990 teve o sistema político dizimado pela Operação Mãos Limpas, que, destinada a combater a corrupção na política daquele país, foi muito além dos limites jurídicos.
Destruiu os principais partidos políticos -- a Democracia Cristã e os Socialistas -- além de provocar o deslocamento do Partido Comunista que um dia foi de Antonio Gramsci e estimular sua partilha em várias legendas menores.
Nesse ambiente de cemitério, Silvio Berlusconi emergiu com o político mais ativo e poderoso.
Mesmo denunciado por corrupção, inclusive de investir somas bilionárias na aquisição de apoio político e na formação de partidos que controlava com mão de ferro e reformulava conforme necessidades do momento, tornou-se o mais longevo primeiro ministro do pós-guerra e o terceiro de toda história do país.
(No total, acumulou 9 anos a frente do governo. Pouco menos que o dobro que Benito Mussolini, criador do fascismo, por exemplo).
Após o colapso do sistema democrático, que possuía falhas imensas e reconhecidas mundialmente -- Berlusconi tornou-se uma necessidade política óbvia em defesa da ordem.
Com a força de seu império privado, que incluia as principais emissoras de TV, revistas, bancos e até o time de futebol, Milan, formava uma barreira para impedir a reconstrução política das organizações operárias italianas, que chegaram a constituiar a força mais respeitável da Europa durante décadas.
A origem de sua força era fácil de entender. Enquanto outras legendas estavam desestruturadas depois do massacre, Berlusconi mudou o sinal.
Numa atitude que representou um choque político e até emocional, engajou a Itália na guerra do Iraque, tornando-se um dos principais aliados de George W Bush. Internamente, fez um esforço cotidiano para sabotar o regime de garantias e direitos sociais construído no pós-guerra.
Embora nunca faltassem denúncias e escândalos de toda natureza a sua volta, inclusive gravações de dialogos de natureza pessoal que ajudavam dar um tempero especial às denúncias, sempre foi acusado mas nunca foi investigado. (Engraçado, não?)
Tinha uma máquina financeira, pessoal e política, que o protegia.
Num país onde não havia foro privilegiado para o julgamento de autoridades, foi capaz de inventar uma legislação que proibia que ministros e altos funcionários do Estado fossem chamados a responder processo por corrupção.
Capaz de se proteger dos adversários internos, com uma fortaleza inexpugnável, só foi afastado após a crise de 2008/2009.
Numa intervenção externa que lembra a nomeação de vice-reis da época colonial, foi obrigado a renunciar e entregar o posto a Mario Monti, homem de confiança do mercado.
Com votação de ontem, Cunha deu um novo passo para consolidar um poder pessoal cuja dimensão surpreendeu os analistas mais aplicados -- pois sua máquina mostrou-se capaz de dar o primeiro passo de um golpe de Estado parlamentar no regime presidencialista brasileiro.
Essa é a mensagem.
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