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terça-feira, 28 de junho de 2016

Faltando agora o que já faltou antes

23 de Junho de 2016 - 10h33
Portal Vermelho

 Faltando agora o que já faltou antes


Luciano Siqueira *

Quando da assunção de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República, em 2003, um novo ciclo de transformações econômicas, políticas e institucionais se fazia potencialmente possível.


Na prática, um complexo processo de transição da ordem neoliberal, herdade de FHC & Cia, a um novo projeto de desenvolvimento cujas linhas gerais sequer estavam postas com consistência.

Ou seja: sabíamos para onde ir, mas não exatamente “o quê” buscar e “como” alcançar.

Se “objetivamente” se exaurira o ciclo de políticas neoliberais, que perdurara de Collor a FHC, possibilitando agregar em torno da liderança de Lula e do sentimento mudancista da maioria da população forças políticas e segmentos sociais os mais diversos; do ponto de vista das "forças subjetivas", muito haveria de se construir.

O PCdoB, embora minoritário na coalizão vencedora, contribuira substancialmente para o entendimento do PT acerca de questões táticas essenciais, como a centralidade da questão nacional, ao lado das variáveis democrática e social; o caráter amplo da frente eleitoral e o reconhecimento dos movimentos sociais como força motriz.

E, à luz do seu programa socialista, apontou os fundamentos do novo projeto nacional, acentuando a necessidade de combinar o enfrentamento dos problemas imediatos com a realização de reformas estruturantes. Porém nem sempre com audiência desejada.

Porque ao PT e ao núcleo político que conduzira a batalha eleitoral ao êxito, escapava o descortino estratégico de longo prazo, estrutural. O "poder" já havia sido conquistado, nos limites programáticos determinados pelo Estado vigente.

Também a devida compreensão da real correlação de forças escapava, como ainda escapa. E, em decorrência, o titubeio tático - ora abrindo exageradamente o leque das concessões aos segmentos das classes dominantes momentaneamente aliados, ora exacerbando o DNA exclusivista.

Demais, problemas políticos, teóricos e técnicos de imensa dimensão, próprios de um país geopoliticamente importante e numa quadra de crise e de "renovação" das engrenagens da reprodução do capital em escala mundial, não chegaram à mesa da coalizão governante.

Mesmo as medidas anticíclicas adotadas (em boa medida acertadamente) por Lula, quando eclodiu a crise global em 2008, não se associaram ao enfrentamento de problemas estruturais que mantêm nossa economia em atraso, com baixa produtividade e limitada competitividade internacional.

Em outras palavras, sempre houve, mesmo nos melhores momentos da última década e meia, uma perigosa defasagem entre as possibilidades de avançar no sentido de um novo modelo de desenvolvimento (soberano, democrático e socialmente menos injusto) e a capacidade subjetiva de perseguir esse intento.

Agora, sobre os escombros da derrota, às portas da decisão do impeachment pelo Senado, as lições da conturbada experiência vivida estão longe de ser consideradas.

A principal força política da coalizão democrática - o PT - queda-se dividida e acuada e ensaia fechar-se em copas, reduzindo o objetivo central de agora a uma defesa da própria sobrevivência.

Isto contamina parcelas expressivas dos movimentos sociais mobilizados contra o golpe.

"Salve-se quem puder" parece ser a palavra de ordem.

Assim, a agenda posta nas condições ora adversas - impedir a consumação do impeachment, forjar um pacto nacional amplo, comprometido com a realização de um plebiscito que decida sobre a antecipação das eleições presidenciais - ainda é encarada com muita resistência.

Muitos enxergam apenas o calendário eleitoral, como se o impeachment seja inexorável e valesse aguardar o agravamento da situação do país como consequência natural do governo Temer e buscar nova vitória eleitoral em 2018.

Uma visão simplista da realidade, que nem de longe compreende que a consolidação do golpe ser dará, se assim ocorrer, pelo desmonte das conquistas recém-obtidas pelo povo e a imposição de um modelo perverso atualizado, inclusive com o aprimoramento do caráter antidemocrático do Estado.

O que faltou antes - descortino estratégico, correta compreensão dos desafios táticos, enfrentamento de problemas estruturais e construção da unidade entre as forças de cunho popular - está faltando agora.

Vale reagir, como o PCdoB tem feito. Mas a empreitada não é fácil.


* Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB

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