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terça-feira, 28 de junho de 2016

Lava-Jato e as delações selecionadas. Por Teresa Cruvinel.


Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

O sistema político acabou, constata FHC. O país não pode ficar dez anos nessa situação, reclama Temer, referindo-se à Lava Jato. Mas pelo andar da carruagem, ainda há muita obra de demolição nacional pela frente. Agora a Lava Jato entra na sua fase de reprodução, com o surgimento de operações-filhote em outros estados e uma novidade: depois dos vazamentos seletivos, agora surgem as delações selecionadas. Quando a autoridade judicial pode escolher quem será denunciado, está escolhendo quem será punido. Logo estará escolhendo as bruxas que irá caçar. Neste quadro, não há espaço para o mais moderado otimismo.

Os procuradores de Curitiba estão festejando a reprodução dos métodos e técnicas da Lava Jato nas operações similares que ocorreram nos estados recentemente e devem continuar acontecendo. A Operação Turbulência, em Pernambuco, atingiu o PSB, as campanhas de Eduardo Campos e Marina Silva e empresários do estado, um dos quais parece ter se matado para não ser preso. Em São Paulo, a Custo Brasil prendeu um ex-ministro do PT, invadiu a sede do partido com um aparato espalhafatoso e fez buscas e apreensões na casa de uma senadora. Pela primeira vez, o Senado reagiu. Resta saber o que dirão o ministro Teori e o STF.

- É importante que o exemplo de atuação e a tecnologia de investigação que usamos em Curitiba se espalhem e se tornem padrão dentro do Ministério Público; o federal e o estadual. É para isso que estamos trabalhando, para que o exemplo da Lava-Jato se torne corriqueiro - disse ao Globo o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta-voz da força-tarefa.

Então, preparemo-nos para mais alguns anos de demolição dos escombros que ainda restam do sistema político.

A outra novidade da Lava não é menos preocupante. As delações premiadas, tal como conduzidas, deixando o sujeito mofar numa prisão preventiva até resolver colaborar, causaram protestos jurídicos no início mas acabaram sendo naturalizadas. Os vazamentos seletivos das delações foram usados eleitoralmente em 2014 para atingir o PT e seus candidatos mas isso também foi esquecido e naturalizado. Agora surgem as delações escolhidas.

Caso gritante, o da Engevix. O empresário José Antunes Sobrinho, um dos donos da construtora, tentou negociar delação em que contaria detalhes sobre o acordo pelo qual a Argeplan cedeu à Engevix um contrato de R$ 162 milhões para obras em Angra 3. O acordo teria rendido ao vice em exercício Michel Temer uma propina de R$ 1 milhão. O pagamento teria sido executado por uma prestadora da Engevix a uma outra empresa do coronel João Batista Lima, o dono da Argeplan ligado a Temer. Antunes diz ter se encontrado com os dois no escritório paulista de Temer, que confirmou o encontro mas negou a propina. O procurador-geral Rodrigo Janot, entretanto, recusou o acordo de delação.

Já em Curitiba os procuradores têm dito que escolherão entre a Odebrecht e a OAS a que terá o acordo de delação chancelado. Mas por que uma ficará de fora e com que critério a outra será escolhida? A história de que fizeram muitas obras juntas não cola. São empresas distintas e fizeram negócios (e pagaram propinas) que não foram compartilhados. Se os procuradores escolhem uma, estão escolhendo quem será poupado e quem será delatado, pois tudo já terá sido dito, em linhas gerais, nas negociações preliminares. Temer, por exemplo, é citado numa conversa entre Leo Pinheiro, da OAS, e Eduardo Cunha, como tendo recebido R$ 5 milhões. Já na delação da Odebrecht apareceriam mais de 170 parlamentares.

Outro caso, o do executivo Alexandrino de Alencar, da Odebrecht, libertado há cerca de um mês depois de ter passado quatro na prisão em Curitiba. Ele tem dito a amigos que, em seus depoimentos, propôs contar tudo o que sabia sobre as relações da empresa com os governos brasileiros ao longo dos últimos 20 anos. Policiais e procuradores não se interessaram. Só queriam saber do PT e dos últimos 12 anos. Mais uma delação selecionada, portanto.

O sistema político acabou foi pelo que fizeram seus agentes em conluio com empresários. Mas desmorona de forma perigosa pela forma como a Lava Jato age ao revelar suas bandas pobres. Se o sistema político gerado pela transição e a Constituição de 1988 acabou, o quê fazer? Quando isso acontece, só há um caminho, que é a construção de um novo pacto político. Pacto entre todas as forças da sociedade, não um pacto entre as elites, para que outra coisa seja colocada no lugar. É através de uma Constituinte que as sociedades democráticas pactuam uma nova ordem política, econômica e social, a partir da qual podem seguir avançando, até que uma nova crise ou ruptura exija outro recomeço.

A Carta de 1988 tem grandes virtudes mas pecou pela omissão: não mexeu no ordenamento político-eleitoral, que piorou com o tempo e com algumas interpretações (por exemplo, a recusa da cláusula de barreira pelo STF). Separando o joio do trigo, poderíamos eleger uma Constituinte exclusiva, apenas para reformar o sistema falido. Mas quem topa? Só os partidos de esquerda. A direita esconjura esta ideia de passar a limpo o sistema que produz o Congresso que temos tido, onde tudo vira negócio para as maiorias conservadoras. Através de reformas o sistema também não será regenerado. Até porque falta quem tenha autoridade e vontade de enfrentar a tal reforma política. Temer disse numa destas ultimas entrevistas que isso é assunto do Parlamento. Que, se efetivado, apenas dará uma força ao assunto....

A ideologia da Operação Lava Jato diz que, demolindo o sistema político, alguma coisa nova e limpa surgirá em seu lugar. Acerta no diagnóstico de que ele foi minado pela aliança entre financiamento empresarial de campanhas e corrupção, mas o que oferece ao país é este longo desmoronamento e suas sequelas: a caça às bruxas (advinha de que lado), a cultura do ódio (às supostas bruxas) e o surgimento de uma direita raivosa que vai ganhando espaço sobre a descrença na democracia. Na Europa existem os eurocéticos, que levaram ao desastre do plebiscito inglês. Aqui no Brasil já existem mas não têm nome os democéticos, os que não acreditam na democracia.

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