A hegemonia da doutrina neoliberal nas últimas quatro décadas deixou como saldo o recrudescimento da desigualdade social em escala global. Desregulamentação, abertura, privatização, redução do papel do Estado e supressão de direitos trabalhistas, sindicais e sociais são algumas facetas das reformas liberalizantes implantadas desde o fim dos anos 1970. Com a crise financeira de 2008, essa agenda foi reforçada nos países centrais, ampliando-se o padrão de desigualdade também nessas sociedades.
O oposto ocorreu na América Latina e no Brasil, que apresentaram no início do século XXI uma trajetória de crescimento econômico com inclusão social. No caso brasileiro, os impactos do crescimento na geração de empregos, recuperação do valor real do salário mínimo e nas transferências monetárias da seguridade social foram determinantes para a melhora das condições de vida dos cidadãos. Esses fatores, associados aos programas de combate à fome, contribuíram para milhões de pessoas saírem da pobreza extrema. Nesse caso, o balanço é “surpreendente e impactante na década”. Entre 2002 e 2013, a pobreza extrema caiu de 9,3% para 3,6% da população total.
Qual é a percepção da população brasileira sobre a redução da miséria e o declínio da desigualdade? A resposta está no livro Percepções sobre Desigualdade e Pobreza. O que pensam os brasileiros da política social? Trata-se de um denso trabalho de investigação coordenado por Lena Lavinas, professora de Economia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Alinne Veiga, Barbara Cobo, Fabio Waltemberg e Yasmín Salazar Mendes, reconhecidos especialistas em políticas públicas.
Alguns achados da pesquisa patrocinada pela Financiadora de Estudos e Projetos eram de se esperar, mas há resultados surpreendentes. O brasileiro médio julga relevante o papel do Estado na redução das desigualdades sociais. Esse reconhecimento é aprovado especialmente pelos grupos de menor renda e nas regiões menos desenvolvidas.
Não obstante, os valores do individualismo e da meritocracia são amplamente compartilhados. A maioria acredita que o salário é função da qualidade do trabalho e do grau de responsabilidade na sua execução. Predomina a visão de que pobreza é falta de esforço individual e isso significa responsabilizar os próprios pobres por sua condição social.
O brasileiro médio não se mostra propenso a apoiar políticas universais. Quem pode paga e quem não pode que fique com um serviço público de segunda linha, defende a preocupante visão majoritária. A maioria desaprova elevar impostos para oferecer mais saúde e educação gratuitas e de qualidade. O cidadão apoia a progressividade dos impostos, mas esse esforço coletivo deve assegurar apenas uma intervenção residual por parte do Estado.
Os segmentos com maior escolaridade são propensos a apoiar políticas universais. A maior parte defende uma política redistributiva em favor do bem-estar na velhice e reconhece no regime público da previdência social um instrumento de proteção real. Mais de dois terços dos entrevistados defendem a manutenção do Bolsa Família, mas a grande maioria julga pequena a contribuição do programa para reduzir a pobreza e quase metade dos entrevistados desaprova um aumento do benefício monetário do programa. Prevalece a crença de que as mulheres pobres querem ter mais filhos para aumentar o valor dos benefícios recebidos por criança.
Muito preconceito e desinformação refreiam a emergência de uma sociedade mais homogênea e solidária no Brasil, conclui-se da leitura do livro. O quadro, felizmente, não é imutável, apontam os pesquisadores, mas enfrentá-lo requer travar também a batalha da revolução educacional e cultural.
Eduardo Fagnani é professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador da rede Plataforma Política Social (www.plataformapoliticasocial.com).
Nenhum comentário:
Postar um comentário