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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Tarso: Sem reforma politica, regulação da mídia e redistribuição tributária, democracia brasileira permanecerá “bloqueada”


SUL 21

3 de novembro de 2014




Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Tarso no Palácio das Hostênsias, em Canela | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Ana Ávila e Benedito Tadeu César

Tarso Genro encerra em dois meses seu mandato no governo do Estado. Nos planos para 2015 não está voltar a ocupar um ministério no Governo Federal. No Palácio das Hortênsias, em Canela, ele recebeu o Sul21 na última quinta-feira (30). “Eu sou um governador que foi derrotado na eleição, eu tenho que permanecer por um longo tempo tratando de defender o meu legado, aumentando a minha intervenção dentro do partido, dentro da esquerda liberal”, disse, em aparente tranquilidade sobre o futuro.

O advogado de São Borja que cresceu em Santa Maria já acumulava extenso currículo em cargos públicos quando se elegeu governador em 2010, após duas tentativas fracassadas. Eleito para o Executivo gaúcho no primeiro turno no pleito passado, Tarso repetiu o feito de seus antecessores, derrotando a candidata à reeleição Yeda Crusius (PSDB). Em 2014, viu José Ivo Sartori (PMDB) ter destino semelhante ao sagrar-se governador, ainda que no segundo turno, mantendo a tradição gaúcha de não reeleger o mandatário.

Vestindo traje esportivo, Tarso tomava um mate com assessores antes do início da entrevista. Na mesa de centro, os jornais do dia ainda traziam repercussões do segundo turno, no fim de semana anterior. Dois dias antes, a presidente Dilma Rousseff havia sofrido sua primeira derrota no Congresso após o pleito. Para o governador, o sinal não é bom, mas tudo depende da forma como a presidente conseguirá se articular com a sociedade. “Eu vejo até agora que os sinais não são bons. Parece que a direita mais conservadora está tutelando essa visão de terceiro turno. De querer tutelar o governo e dizer quais são os limites das reformas que têm de ser feitas”.

Na esteira da consolidação e do avanço das forças conservadoras democraticamente conduzidas na condição de maioria à próxima legislatura do Congresso, cabe à esquerda o desafio de repensar “um projeto humanista e libertário, com pontos mínimos de unidade”, dado do seu “deslocamento” das recentes transformações sociais verificadas no Brasil, especialmente no que tange ao comportamento ideológico da classe média. Repensar os desafios da esquerda é uma das tarefas que o governador se dispõe a cumprir, fazendo o que gosta muito de fazer.  ” Eu acho que essa recuperação seria importante para um revigoramento da esquerda brasileira. Eu pretendo atuar nesse rumo, vou atuar muito dentro do partido, mas não pretendo ficar cingido a debates intempestivos, a questões internas do partido e nem a sua lógica interna, que hoje está muito burocratizada”, garantiu.

 

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Tarso não pretende ocupar cargo no Governo Federal | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como o senhor está enfrentando a derrota, depois de ter vencido em 2010, no primeiro turno, com mais de três milhões e 400 mil votos?

Tarso Genro - É difícil analisar uma eleição com essa diversidade rapidamente, a gente tem que analisar um conjunto de fatores: nacionais, fatores regionais e fatores partidários. Mas provisoriamente pode-se dizer o seguinte: o discurso político do meu adversário e o seu perfil político, foi o perfil político adequado às expectativas que se formaram aqui no Rio Grande do Sul. Particularmente, desse um terço dos eleitores que às vezes se dividem ao meio, às vezes pendem para um lado ou para o outro, que foi a despolitização da disputa e a apresentação publicamente de um descompromisso com o futuro do Estado. Essa foi uma estratégia eleitoral muito bem montada, que se opôs a uma estratégia nossa mais racional, com propostas concretas, com uma visão concreta, e com o compromisso, com todos os riscos que isso envolve, de enfrentar as dificuldades do Estado, particularmente na questão da dívida.  Então, eu acho que o perfil do meu adversário foi sedutor, principalmente para esses setores médios que estão hoje avessos à política, que foram contaminados por essa campanha antidemocrática contra os partidos, contra os políticos, e contra o Estado. Nesse sentido, ele deve ser inclusive parabenizado, porque encontrou o nicho adequado para ganhar a eleição. Provisoriamente, é isso que se pode dizer. O resto deve ser analisado de uma maneira mais processual.

Hoje, a classe média está mais aproximada do pensamento do Gerdau, da competitividade.

Sul21 – O senhor acha que vinha ocorrendo uma movimentação social contrária aos partidos, apartidária, e que de alguma forma o seu opositor se aproveitou desse nicho? Acredita que a sociedade associe corrupção aos partidos políticos?

Tarso - Eu não gostaria de colocar como se aproveitou, porque poderia parecer que eu o estaria acusando de oportunismo. Eu acho que isso é uma metodologia de fazer política hoje de um campo antipetista e antiesquerda, que substitui, de certa forma, o anticomunismo que existia na época da Guerra Fria. Você despolitizar a política é um ato profundamente político e tem precedentes históricos em relação a isso. Talvez o precedente mais radical em relação a isso, que não pode servir, evidentemente,  como comparação do meu adversário –  que é uma pessoa centrista, que teve o apoio da direita – é aquela frase dita pelo Mussolini na Marcha sobre Roma: “A ação enterrou a filosofia”, ou seja, uma resposta pragmática, concreta e imediata, supera e dilui todas as questões políticas através de uma resposta simples. E foi o que ele fez de maneira eficaz. Isso não quer dizer que meu adversário tenha tendências totalitárias ou fascistas, mas isso revela um método político que está hoje cristalizado na sociedade, através de uma grande campanha feita pela Rede Globo de Televisão, que demoniza os políticos e os partidos como responsáveis por todos os males que acontecem no Brasil, sem equilibrar com as conquistas, com as revoluções positivas, com a importância que tem a política e os partidos na democracia para fazer uma revolução social no Brasil, como está sendo feito a partir do primeiro governo do presidente Lula. É uma situação muito difícil que nós estamos vivendo hoje, inclusive para a consolidação do projeto democrático moderno aqui no país. Por isso, eu acho que a questão da Reforma Política hoje é essencial para recuperar o vigor da política e a importância dos partidos no projeto democrático.

A Reforma Política hoje é essencial para recuperar o vigor da política e a importância dos partidos no projeto democrático.

Sul21 – Sobre a sua campanha, o senhor acha que de algum modo o PT errou ao tentar desconstruir os adversários em lugar de focar na sua imagem e nos feitos do seu governo?

Tarso - É difícil te dizer isso com a cabeça quente ainda do processo eleitoral, mas, eu acho que a questão é um pouco mais complexa. Eu acho que a avaliação preliminar que a gente tem que fazer é em função da mudança da estrutura de classes que houve na sociedade brasileira e na sociedade gaúcha no último período. E o campo da esquerda, em geral, se desconectou desse movimento. Os setores médios que tinham uma certa simpatia ou aceitavam votar na esquerda criaram uma espécie de bloqueio a todos os assuntos que vem da esquerda em função dessa transformação social. Eu diria que a classe média gaúcha pensava, até o fim da década de 90, com o cérebro do Pasqualini, do Brizola, dos grandes positivistas democráticos que tiveram aqui no Rio Grande do Sul, como o João Goulart. Pensava muito influenciado ainda pela visão nacional que veio do Getúlio. Hoje, essa classe média está mais aproximada do pensamento do Gerdau, da competitividade. Tendo R$ 200 mil na poupança, ela se acha rica, pensa mais nessa direção. E esse descolamento não é de quem escolheu mal ou bem, é um descolamento de uma mudança de padrão comportamental das classes sociais em uma sociedade e um Estado capturado, de uma parte, pela supremacia e pelo controle que o capital financeiro exerce sobre o Estado e sobre a política, e também por essa ideologia consumista radical que hoje está presente em todas as economias capitalistas integradas na globalização, como a nossa.
Essa mudança influenciou no deslocamento da classe média, isso já era visível no fim da década de 90. Eu me lembro de uma frase que me marcou muito naquela oportunidade. Eu estava na fila de uma padaria e tinha duas senhoras atrás de mim, ricamente vestidas, com casaco de pele, brincos e elas diziam assim uma pra outra, pra me provocar: “eles fazem essas políticas sociais para engordar aqueles bandidos lá na vila, para eles virem aqui no centro nos assaltar”. Certamente, a senhora estava dizendo isso não simplesmente como um argumento político racional, mas como um sentimento de que uma sociedade menos desigual pode perturbar uma certa comodidade histórica que a classe média, que se tornou classe média superior, teve aqui no Brasil. Então teve um fenômeno novo, e o PT tem quer tratar disso, nós não temos que hostilizar esses setores, temos que buscar compreendê-los e proporcionar grandes políticas de coesão social que mostrem que o compartilhamento, com mais igualdade, é melhor para todos, e não exclusivamente para as classes populares.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Classes médias tradicionais se sentem incomodadas com as mudanças sociais, acredita Tarso| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor acredita que esse sentimento, de alguma maneira, também se desenvolveu na classe média mais baixa, nessa nova classe média?

Tarso - Não, eu creio que não. Eu creio que essa chamada nova classe média, que é na verdade um novo conjunto de trabalhadores, mini empresários e prestadores de serviço, pode ser influenciada, tanto por um lado quanto por outro. Mas não acho que essa nova classe média se tenha jogado contra a Dilma, contra os projetos da esquerda e da centro-esquerda aqui no Brasil e nem aqui no Rio Grande do Sul, eu não senti isso na campanha. Pelo contrário, as grandes manifestações de apoio que eu tive nesses setores emergentes do mundo do trabalho e de uma classe média baixa que tem hoje o maior poder aquisitivo, vieram de pessoas que estavam no Pronatec, no Prouni, que aproveitaram o microcrédito e colocaram seu negócio. Eu senti uma resistência maior nessas classes médias tradicionais que se julgam hoje ricas e que se sentem incomodadas com essas mudanças sociais que tem no país. Eles passam a pensar mais no que a sua pequena poupança terá de rendimento, no mercado financeiro, do que propriamente numa sociedade mais harmônica, mais integrada e menos desigual.

Sul21 – Eu lhe digo isso porque se o senhor verifica os mapas de votação em São Paulo, o PT perdeu na periferia. Na minha leitura, e quero ver se o senhor concorda ou não, eu tenho a impressão que talvez os filhos desses migrantes nordestinos que vivem em São Paulo, que melhoraram de vida, talvez tenham sido ganhos pelo discurso anticorrupção.

Tarso - Eu acho que existe um fenômeno também tipicamente paulista. A gente pode perceber que a periferia de São Paulo tanto vota no Maluf, quanto vota no Haddad, quanto vota na Erundina. Eu acho que São Paulo tem uma cultura política que é muito mais complexa que a nossa aqui no Rio Grande do Sul. Eu não acompanhei os votos da periferia de São Paulo, mas acho sim que a classe média paulista tem um poder coercitivo ideológico muito grande sobre as massas populares, que é reproduzido pelos meios de comunicação de São Paulo. Você vê, por exemplo, como as rádios populares tratam o governo do Fernando Haddad. E isso tem uma influência muito grande, tanto que o Fernando agora está conseguindo vencer nesses setores de mais baixa renda. Como se os problemas que a periferia vive fossem problemas idênticos aos que vivem os bairros ricos de São Paulo. E, se tu vais examinar do ponto de vista de conteúdo efetivo, tem, por exemplo, um elo de ligação entre os problemas fortes que ocorrem nos altos bairros de classe média e nos bairros da periferia, que é a questão da segurança pública, que afeta essas camadas populares e as camadas mais elitizadas de uma mesma maneira, gerando o mesmo sentimento de insegurança.
Isso não aconteceu aqui no Estado. A nossa segurança pública, embora seja problemática, é uma segurança pública que não permita que tenha incêndios de cem ônibus. Nós não tivemos nenhum insurreição e nem assassinatos massivos em penitenciárias que nem tivemos em outros estados, nós não tivemos uma violência do aparato policial de maneira indiscriminada contra os pobres aqui. Eu acho que o funcionamento, a operação política, ideológica e cultural através do qual se forma a consciência da classe média aqui tem uma especificidade muito grande. A nossa classe média sempre foi uma classe média mais democrática. Hoje, há setores da classe média alta que são os campeões da intolerância, com um comportamento inclusive um pouco violento nas ruas em relação às correntes de opinião e aos partidos que não são de sua preferência.

O discurso de ódio aqui no Brasil não é uma coisa nova.

Sul21 – O senhor falou dessa questão da intolerância. Temos visto, desde o primeiro turno, mas especialmente no segundo, discursos de ódio, principalmente nas redes sociais. A que o senhor atribui tais manifestações?

Tarso - Bem, eu acho que as redes (sociais) não constituem uma boa medida pra isso, porque revelam apenas aquilo que as pessoas são de verdade e que agora podem expressar anonimamente. Esse fenômeno que está acontecendo nas redes é um fenômeno social e político revelado e publicizado e que gera sectarismo de parte a parte. Agora, o discurso de ódio aqui no Brasil não é uma coisa nova. Você vê a história do anti-brizolismo nacional que sempre foi muito desenvolvido no Brasil, o anticomunismo, o anti-getulismo, anti-janguismo, o ódio que se exalou através das movimentações de setores ultrarreligiosos da classe média alta para promover o golpe de 64. A identidade que houve entre elite política civil e militar naquilo que se chama de golpe militar, aquilo foi sim uma ação militar, uma ação promovida pelas armas, mas aquilo correspondeu a um grande sentimento de ódio de uma elite que tem uma tradição escravocrata, de uma classe média que já naquela época manifestava, em determinadas regiões do país, um medo quase doentio de qualquer transformação social. Então isso que está acontecendo hoje não é novo, apenas está publicizado por esses meios de expressão pública que vem dessas novas tecnologias. E eu acho que isso aí é francamente superável.
O nosso governo, por exemplo, nós tivemos quatro anos de paz social aqui no Rio Grande do Sul. Nós não tivemos nenhuma violência contra os pobres, nenhuma pessoa pela sua condição social de riqueza foi discriminada de opinar no governo, o nosso Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) abrigou todas as classes sociais e fez um diálogo produtivo para produzir grandes projetos. Agora, o problema é o seguinte, isso não é um valor para as elites, isso é um valor para as classes populares e as mais conscientes. As elites não valorizam a participação em um governo como o nosso, porque, na verdade, eles querem é aparelhar diretamente o poder para exercitar os seus interesses sem mediações e isso é que determina essa divisão do eleitorado.
Eu diria que os meus adversários tiveram o apoio de 80% do empresariado aqui do Estado, mesmo que nós não tenhamos nenhum choque de preconceito político contra eles. Mas eles sabem que o nosso governo é um governo que impõe determinadas políticas que, na visão deles, prejudica os seus negócios. Como, por exemplo, o salário mínimo regional. Isso é intolerável para eles: valorizar o salário mínimo regional e distribuir renda através de uma política de estado. Isso, eles sempre expressaram de uma maneira formal muito clara. Não é de graça que o vice-governador, que agora assume o poder, era quem chefiava uma grande falange empresarial contra o salário mínimo regional. O que é absolutamente normal e tolerável e aceitável dentro de uma democracia. Agora, nós não podemos nos iludir de que para as elites brasileiras o diálogo, o respeito e o acolhimento para produzir políticas públicas, os satisfaz. Isso não os satisfaz.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Sou responsável pela linha política do governo”, afirmou Tarso Genro| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor afirmou que o seu governo falhou em comunicar os seus feitos.  

Tarso - Não é um problema da comunicação do governo. É um problema da linha política do nosso governo, e eu sou responsável por ela como primeiro mandatário do Estado. O que eu quero dizer com isso é o seguinte: eu considerava que o mero desdobramento das nossas ações no território bastava para criar uma consciência de massas de que o governo estava avançando e isso se demonstrou totalmente insuficiente. Tanto é verdade que nós somos um governo que termina com o melhor índice de bom e ótimo da história de todos os governos desde que começou a mudar e não conseguimos expandir a nossa votação além do bom e ótimo. Então o que se presume é que essas pessoas que nos dão bom e ótimo foram as pessoas atingidas pela nossa política diretamente, mas não tivemos a capacidade de expandir e transformar a nossa aprovação geral, sempre maior que 50%, em votação. Então tem um gap aí, que é umgap de divisão política no governo, de como processar o conhecimento daquilo que o governo fez, que o governo produziu de bom. Aqui no Rio Grande do Sul, no ano de 2013, a renda das famílias gaúchas cresceu o dobro da média da renda das famílias no país. Isso é um feito extraordinário e não está disseminado como uma grande conquista do governo. Isso é responsabilidade de políticas do governo, de uma visão do governo e não da Secretaria de Comunicação em especial.

Sul21 – O senhor falou no percentual que avalia seu governo como bom e ótimo. Se expandirmos para regular, a provação do governo chega a 80%. É curioso que isso não tenha se refletido nas urnas, não?

Tarso - É, mas o mais correto, o que os nossos cientistas políticos ensinam é pegar o regular e dividir. Ou então fazer uma ponderação do regular com o ruim e péssimo. E isso seguramente daria em torno de 55% dos votos de aprovação. E isso não refletiu na eleição. É algo que a gente tem que estudar, analisar onde é que estão as nossas limitações políticas para proporcionar esse casamento na eleição.

Sul21 – O senhor acredita que os meios de comunicação tenham alguma relação com as dificuldades em comunicar os feitos que o senhor atribui ao governo?

Tarso - Isso ficou patente durante todo o nosso governo, mas foi corrigido. No momento que começou o processo eleitoral, todos os meios de comunicação, na minha opinião, trataram com muita cortesia a disputa política, sem forçar preferências. Mas, durante todo o nosso governo, evidentemente, nós tivemos um gap do principal grupo de comunicação aqui do Estado, no que se refere a ter um equilíbrio de mostrar o que o governo fez e aquilo que são as carências históricas do Estado. Eu diria que foram mostradas 90% das carências e 10% das conquistas. E isso teve influencia sim na formação do juízo popular sobre o governo, porque esses meios de comunicação têm uma grande influência. Mas aí que eu digo que tem uma responsabilidade política. Eu entendi, desde o começo, que a efetividade dos nossos programas distribuídos no território saberia reverter isso, e isso não ocorreu, nitidamente, não ocorreu. Porque não se conseguiu casar a importância que esses programas tiveram e a boa avaliação deles pela população com o processo eleitoral. E aí funcionou essa unilateralidade informativa desse grande grupo de comunicação, que, como se sabe, nunca teve muita simpatia pelo nosso projeto, quem sabe até nenhuma.

Contrariamente ao que o meu presidente Rui Falcão falou, acho que partido não tem que ficar falando sobre 2018 agora.

Sul21 – Como o senhor avalia o papel da imprensa, especialmente das revistas Veja e IstoÉ, às vésperas da eleição?

Tarso - Isso é uma decorrência de um sistema de poder que está montado há muito tempo no Brasil e que hoje envolve setores de partidos políticos, conservadores ou não. Envolve grandes meios de comunicação oligopolizados, envolve uma parte da inteligência acadêmica e da inteligência de profissionais da comunicação, envolve instituições como o Instituto Millenium, por exemplo, que é um exemplo de pólo de produção de políticas muito bem elaboradas do ponto de vista conservador, que se expressam sempre de uma maneira suprapartidária nas eleições e que, ao fim e ao cabo, convergem para uma mobilização de opinião a favor das suas idéias. Seria muito estranho que essa grande rede de formação de opinião e de produção de políticas apoiassem o governo da presidenta Dilma. Porque essa rede tem uma visão de que o estado endividado deve ser obediente ao capital financeiro e de que todas as saídas para as crises que nós vivemos são saídas modeladas pela austeridade e austeridade quer dizer poucas políticas sociais e muita atenção com a dívida e com o sistema financeiro. Então isso se revela, e eu tive a honra de ser o denunciante dessa fase.
Eu fiz um vídeo, que teve 6 milhões de acessos, onde eu disse “está em curso um golpismo político midiático” e a partir daí alguns jornalistas e alguns atores políticos, e a própria presidenta, passaram a reproduzir de maneira direta ou indireta essa formulação, que se transformou nesse episódio da Veja, que foi um episódio de gritante ilegalidade. Aquilo ali é a ponta do iceberg, aquilo ali não é uma visão da Editora Abril e nem da família Civita. Aquilo ali é uma expressão política concreta de um processo de perversão da democracia que vem sendo feita através desses meios, dessas articulações, dessa constelação de instituições todas que quer capturar a vontade popular ao seu bel-prazer e para suas necessidades. Felizmente, a presidenta Dilma venceu a eleição, mas ela vai ter que passar agora por um processo de “relegitimação” política. Porque esses mesmos grupos já estão montando uma espécie de terceiro turno e exigindo dela já uma linha de governo que perdeu as eleições. Vamos ver até que ponto isso vai ser eficaz do ponto de vista político. E aí vai entrar, evidentemente, a maestria da presidência e da sua equipe política para dar sequência ao seu programa de governo e não ao programa de governo do seu adversário.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sistema de concessões da mídia é obscuro, politizado e oligarquizado, diz o governador| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor acha que a direita saiu fortalecida da eleição?

Tarso - Eu acho que isso vai ser demonstrado pela formação dos ministérios da presidenta, e está longe da minha visão que ela forme um ministério que não tenha capacidade de diálogo com todos os setores da sociedade. A quem serão entregues os postos chaves do governo vai ser determinante para verificar se a força da direta política cresceu para dentro do governo também, porque para fora do governo cresceu. Hoje, se você somar a bancada da bala, a bancada da direita radical, a bancada do agronegócio, a bancada do latifúndio, a bancada do capital financeiro, e a bancada dos meios de comunicação dentro do Congresso, possivelmente tenham dois terços dos votos. Houve um fortalecimento desse pólo conservador e até reacionário aqui no Brasil, mas isso se deu dentro do jogo democrático formal, dentro da democracia política. Depende de como a presidenta vai relegitimar permanentemente o seu governo para encaminhar as reformas que não puderam ser feitas nesse governo, inclusive a reforma política, a reforma do pacto federativo, a reforma das concessões que são dadas aos meios de comunicações…

Sul21 – Na sua opinião, quais são as reformas mais urgentes?

Tarso - Nós temos que  reformar o sistema de concessões que é obscuro, que é altamente politizado e oligarquizado. Uma outra é a reforma política, para retirar o dinheiro como ator político principal das eleições, proibindo, por exemplo, o financiamento pelas empresas. E outra é reformar o pacto federativo, que passa por uma redistribuição tributária no Brasil pra um encaminhamento estratégico das dividas dos estados. Sem essas três reformas, na minha opinião, a democracia brasileira permanecerá bloqueada, com consequências ainda imprevisíveis.

As elites não valorizam a participação em um governo como o nosso porque, na verdade, eles querem é aparelhar diretamente o poder para exercitar os seus interesses sem mediações.

Sul21 – O senhor cogita voltar a integrar o governo federal em algum ministério?

Tarso - Que eu vou apoiar o governo federal, não tenha a menor dúvida. Mas não é a minha pretensão, eu acho que não devo ir. Eu sou um governador que foi derrotado na eleição, eu tenho que permanecer por um longo tempo tratando de defender aqui o meu legado, aumentando a minha intervenção dentro do partido, dentro da esquerda liberal. Eu acho que uma pessoa de responsabilidade política não pode se limitar ao seu partido, para produzir enunciados para o futuro. Eu acho que o desenvolvimento econômico do Brasil está bloqueado, que o processo democrático no Brasil tende a ficar bloqueado, e eu acho que nós temos que começar a trabalhar em um programa da esquerda plural para o futuro. E isso envolve os diversos partidos do campo de centro-esquerda e de esquerda, e envolve um programa que contemple, inclusive, novas formas de financiamento do estado brasileiro. Que, para mim, passa por exemplo por uma nova CPMF e por uma tributação sobre as grandes fortunas. São dois elementos novos que combinados com esse novo cenário internacional do Banco dos Brics pode desafogar esse bloqueio de crescimento que o Brasil está sofrendo em função de que o estado está todo ele capturado pela divida pública e sofrendo uma tutela permanente do capital financeiro globalizado e das agências de risco, que, aliás, impediram a votação do projeto de negociação da divida que será feito, provavelmente, na semana que vem.

Sul21 – Está mantida a previsão de votação da renegociação da dívida?

Tarso - Pois é, ontem (quarta-feira, 29)nós já fizemos contato. Terça-feira eu estarei em Brasília e o compromisso que eu obtive é que será votado na terça ou na quarta-feira. Antes tarde do que nunca.

Sul21 – Como será o processo de transição?

Tarso - Quem assume o governo não é um predador do Estado, nem uma pessoa inexperiente, irresponsável. Quem vai assumir é uma pessoa que já foi prefeito de Caxias, com um grupo político que já governou o Estado muitas vezes. Portanto, nós não tomaremos nenhuma posição defensiva ou de confronto com esse grupo político que vai assumir. É um grupo político que tem uma visão de estado, de funções publicas, uma visão sobre a dívida e sobre políticas sociais completamente diferentes da nossa. Mas isso faz parte da rotatividade democrática e da experiência democrática do povo gaúcho. Da nossa parte, vamos fazer uma transição normal e vamos nos organizar na Assembleia e na sociedade civil para defender o nosso legado. Nesse sentido, nós vamos publicar um informe de como deixamos o Rio Grande do Sul e como nós encontramos o Rio Grande do Sul, para a partir disso dar uma racionalidade para o processo político que virá depois, e que certamente será um processo político de definições estratégicas para o Rio Grande do Sul. Eu estou publicando este fim de semana um artigo, semelhante aquele que eu publiquei no inicio do governo, dizendo o seguinte: a nossa estratégia para financiar o Estado na transição é esta aqui, ela não foi aceita. E a partir de agora está com o próximo governador implantar a sua estratégia e isso será um grande elemento de orientação para um debate político civilizado, que certamente nós vamos ter. Nós vamos preparar a nossa bancada para defender o legado do nosso governo, disso nós não abrimos mão, porque eu acho que isso é um dever político nosso. Não passa pela minha cabeça, em nenhuma hipótese, ir para um ministério. Não fui convidado pela presidenta e nem acho que ela vá me convidar.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

PT gaúcho tem de defender as conquistas que o governo proporcionou ao longo dos últimos quatro anos, entende Tarso Genro| Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como é que o PT gaúcho deve se comportar na oposição?

Tarso - Deve se comportar como força oposicionista que pense preliminarmente no Estado, mas através da ótica do nosso programa. E que trate de defender as conquistas que nós proporcionamos. Eu posso dar um exemplo concreto: nós vamos chegar agora no final do ano com quinhentos milhões de reais de microcrédito no Estado. Atingindo, provavelmente, em torno de 85 mil microemprendedores e pequenos empreendedores. Esse dinheiro é um dinheiro subsidiado pelo caixa do Estado. Nós vamos defender que esse programa não pode ser obstaculizado. Eu não sei se dentro da visão de corte de gastos do próximo governo está ou não esse programa, e assim tem diversos programas. Mas esse é um programa exemplar, foi um dos programas responsáveis, inclusive, pelo aumento na renda das famílias gaúchas. Nós temos que preparar a nossa bancada pra defender essas conquistas como conquistas permanentes do Rio Grande do Sul. É o maior programa de microcrédito promovido por um estado no país. Eu poderia dar mais meia dúzia de exemplos de políticas desse tipo, mas essa é muito significativa.

Sul21 – Na sua opinião, a esquerda está desunida hoje?

Tarso - A esquerda está mundialmente muito fragmentada. O Brasil não foge à regra. À medida que as experiências das revoluções do século passado foram desconstituídas ou estão mudando de uma maneira inusitada, como na China, que se aproxima mais do capitalismo do Estado com políticas distributivas muito fortes, isso reflete no nosso país. Eu acho que o dever hoje de quem elabora o ponto de vista da esquerda é começar a trabalhar uma plataforma mínima de unidade para o próximo ciclo. Sem a ilusão de que nós vamos recuperar aquela utopia que nos unia no século passado, isso é irrecuperável, a estrutura de classes da sociedade não é mais a mesma, o próprio proletariado hoje que era o sujeito mais ativo daquele processo, ou foi engolido pela social-democracia de direita ou está lutando contra a imigração, contra os trabalhadores imigrantes. Hoje, nós temos que repensar um projeto humanista e libertário, com pontos mínimos de unidade dentro da esquerda. Eu pretendo me empenhar nisso aqui no Brasil. Eu acho que isso passa pela questão do pacto federativo, passa pela questão da reforma política, com o fortalecimento dos partidos  e a proibição de financiamento privado das campanhas, passa pelo impostos sobre as grandes fortunas, passa pela recuperação do CPMF para financiar a saúde e passa por política de civilidade democrática das cidades, onde entra não só a questão da mobilidade urbana, que é muito genérica, mas do transporte popular, transporte coletivo. O direito das pessoas irem e virem decentemente do seu trabalho, para o seu lazer. São questões como essas que, na minha opinião, podem unificar uma nova esquerda, que saiba se apropriar das experiências do passado e que não fique atada naquela visão tradicional, seja da social-democracia contratualista, que hoje já não tem mais sujeitos contratuais, nem proletariado nem burguesia disposta a isso, e que saia fora também daquela visão de democracia direta voluntarista, que não deu certo em parte nenhuma. Eu acho que essa recuperação seria importante para um revigoramento da esquerda brasileira. Eu pretendo atuar nesse rumo, vou atuar muito dentro do partido, mas não pretendo ficar cingido a debates intempestivos, a questões internas do partido e nem a sua lógica interna, que hoje está muito burocratizada.

Sul21 – Esse assalariado ao qual o senhor se refere, que está ganho pela social-democracia de direita, não houve uma incapacidade das esquerdas de entender isso e atuar nessas áreas?

Tarso - Eu não diria que ele está ganho, diria que ele está impotente, está neutralizado. Mas eu acho que sim. Vamos ser bem sinceros para analisar isso. Quando a gente fala hoje de mobilização dos trabalhadores sobre a esfera pública, nós estamos falando na verdade dos trabalhadores do estado, das corporações estatais. Os trabalhadores privados estão hoje muito envolvidos na sua vida familiar, na sua vida social, empresarial, limitadamente nos seus sindicatos. Não existe hoje um grande movimento operário politizado em nenhuma parte do mundo, muito menos aqui no Brasil. Veja a importância que teve o proletariado clássico nessas eleições, nas eleições anteriores, escassa participação de massas. A não ser quando o Lula vai em uma porta de fábrica, mas o Aécio também vai em porta de fábrica…

Sul21 – Esse segmento ascendente dos assalariados que é e foi a base histórica dos partidos sociais democratas do mundo, me parece que ele está à deriva hoje.

Tarso - Eu acho que sim. Até porque foi um fenômeno muito rápido de reestruturação da sociedade clássica. Você vê o que ocorre na Espanha, em Portugal, na Grécia – embora tenha surgido na Grécia um partido mais ousado -, mas todos esses setores são setores que não têm uma contratualidade social-democrata não tem um outro pólo ao qual se reportar. Porque a própria burguesia industrial clássica, os grandes monopólios industriais clássicos que foram sujeitos ativos em uma composição social democrata, hoje eles não respondem mais para si mesmos, eles são na verdade prolongamento do capital financeiro estruturado mundialmente e são sujeitos invisíveis. Assim como o que ocorre contrariamente no pólo dos trabalhadores do setor publico, eles têm um sujeito visível para negociar, que é governo, o estado em última análise. Por isso, eles têm uma presença um pouco maior, mas escassa repercussão eleitoral. Hoje, os próprios movimentos corporativos não têm nenhuma simpatia da sociedade em geral, pelo contrário, eles veem esses movimentos como movimentos de incômodo a sua vida rotineira. Eu acho que falta uma elaboração mais profunda, mais coerente da esquerda, para se comunicar com esses setores que não são mais os mesmos do século passado, pelo menos do auge da revolução industrial com as suas utopias democráticas e socialistas.

Sul21 – Além do ex-presidente Lula, que outras lideranças o senhor vê dentro do partido para 2018?

Tarso - Sinceramente, neste momento eu não estou nem preocupado nem prestando atenção nisso. Acho que vem uma nova geração de lideranças aí, com Jacques Wagner, por exemplo, que é uma liderança nova no partido. O (Fernando) Pimentel  é uma liderança nova, tem um conjunto de deputados de alta qualidade como o Paulo Teixeira. Lideranças como Fernando Haddad. Aqui no sul, nós temos quadros de alto nível como o Jairo Jorge, o (Henrique) Fontana, como o (Miguel) Rosseto, que têm demonstrado capacidade de resistência e de criatividade. Mas eu acho que o partido não deve, contrariamente ao que o meu presidente Rui Falcão falou, acho que partido não tem que ficar falando sobre 2018 agora. Acho, inclusive, que traz uma certa dúvida sobre a importância da vitória da presidenta Dilma. Temos que fixar nossa atenção política para dar coerência, sistematicidade, sustentação para a continuidade das mudanças que a Dilma tem que fazer. E a primeira delas é desbloquear a questão do crescimento, que está bloqueado no país e que tem obstáculos tanto políticos quanto econômicos e materiais. E o Lula é sempre uma reserva que pode voltar. Nas últimas conversas que eu tive com ele, ele disse que não pensa nisso, que isso tem que ser abordado bem mais tarde.

Não existe hoje um grande movimento operário politizado em nenhuma parte do mundo, muito menos aqui no Brasil.

Sul21 – O senhor espera muita dificuldade para o governo Dilma no Congresso?

Tarso - Eu acho que isso vai depender da montagem que ela fizer do governo e do reflexo que vai ter o Congresso, os sintomas são ruins. A votação do sistema de participação popular, que nós temos e que funciona de maneira plena e sem nenhum problema, é uma sinalização complicada. Outra sinalização complicada é se o Eduardo Cunha, que apoiou ostensivamente o Aécio, for eleito o presidente da Câmara. Como a presidenta vai organizar o seu governo e que diálogo vai estabelecer com essas forças sociais… eu acho que a presidenta deve recuperar o diálogo com o PSB, com o grupo da Marina, com os setores que não apoiaram ela no primeiro ou no segundo turno, mas que estejam dispostos a colaborar para fazer um governo decente, um governo com maioria política estável. Isso aí, necessariamente, tem que ser feito porque o Congresso tem que ser respeitado. E ninguém governa sem ter o mínimo de estabilidade no Congresso. Mas, como isso pode ser sinalizado? Isso são parcelas de poder que têm que ser distribuídas. Não se trata de cooptação ou fisiologismo. Você não vai atrair para a defesa do governo facções ou partes de partidos políticos que não estejam governando juntos. É isso que nós temos que esperar nesse período.
Eu vejo até agora que os sinais não são bons. Parece que a direita mais conservadora está tutelando essa visão de terceiro turno. De querer tutelar o governo e dizer quais são os limites das reformas que tem que ser feitas. E em segundo lugar, vai depender também da capacidade do próximo governo de se articular com a sociedade civil, com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), com a OAB, com o MST, com as confederações sindicais, com os grupos empresariais mais democráticos. Para criar também na sociedade civil um respaldo que reflete lá no Congresso. Esse duplo movimento em direção à montagem do governo e Congresso e relações com a sociedade civil é o que vai determinar, em última análise, qual a potência do próximo governo para fazer essa reformas. Por exemplo, se eu fosse presidente da República – quem sou eu para dar conselhos para a presidenta Dilma, que nunca me pediu e nem é da minha competência -, mas eu, se fosse presidente, imediatamente chamaria a CNBB, a OAB e meia dúzia de grandes representações da sociedade civil e diria: Vamos fazer um acordo em cima da proposta da OAB para a reforma política.
Começaria a trabalhar a partir daí na sociedade e por dentro do Parlamento porque as coisas têm que ser conjugadas. Tem que ter um momento de alta politização do governo para que o governo possa encaminhar suas reformas, e a presidenta tem talento político e condições políticas pra fazer isso. Nós achamos que essa situação pode ser revertida, essa sensação de terceiro turno que a direita quer. Mas isso vai depender desse movimento. O governo anterior da presidenta Dilma teve méritos extraordinários, inclusive nas manifestações de junho, quando ela propôs a questão da reforma política e do plebiscito. Mas não teve um eixo político em torno do qual todas as questões giraram. E não foi por falta de talento dela, mas em função do esfacelamento do sistema político brasileiro e das suas incongruências. Eu acho que é isso que deveria  ser feito. Tem que ter um tema político pendente, fundamental para orientar e constituir politicamente o governo e em torno do qual vão girar todas as demais negociações. Vamos aguardar até o final do ano.

Sul21 – Nas manifestações de junho, um dos quatro pontos que ela levantou foi a reforma política. E falava de uma constituinte exclusiva, que era uma proposta original sua.

Tarso - Nós lançamos isso em uma conversa no gabinete do Lula com os ex-presidentes da OAB nacional, que foi sendo bloqueada pelo Congresso.

Sul21 – Em 24 horas, ela voltou atrás porque viu que não tinha respaldo político para fazer isso dentro do Congresso. Não seria o momento de enfrentar com mais ênfase isso e testar até onde dá para ir?

Tarso - Na minha opinião, sim. A partir do movimento de fora para dentro, como esse que eu falei da OAB, e de dentro para fora, de dentro da sua base política organizada dentro do Congresso. As grandes mudanças que operam no Estado brasileiro, seja no executivo ou no legislativo, nunca são puramente geradas internamente. Tudo que é de bom que acontece em um país como o nosso, com uma política oligarquizada, regionalizada e com um sistema político atrasado, sempre vem de fora pra dentro. E esse de fora para dentro pode ser mobilizado democraticamente. Eu me lembro, quando eu fui ministro do Lula, estava se armando o impeachment do presidente e ele disse, “olha, saibam vocês que eu não sou o Collor e nem o Getúlio”. E foi para o nordeste e começou a mobilizar massas enormes de apoio ao governo, a direita golpista ficou com os ouvidos ouriçados, tem problema aí… Eu acho que essa questão da reforma política, se ela não tiver uma forte iniciativa da sociedade sobre o parlamento e uma mobilização interna do parlamento para dar sustentação a ela,  não sai. E isso pode levar a democracia brasileira para um impasse.

 

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