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domingo, 16 de novembro de 2014

Por que Arábia Saudita, aliada dos EUA, age para derrubar preços do combustível?


Por André Garcez Ghirardi no Site Outras Palavras

Por que Arábia Saudita, aliada dos EUA, age para derrubar preços do combustível?

Como isto afeta Petrobras, em meio à Operação Lava Jato?

Fechou o tempo no mercado mundial de petróleo neste final de outubro de 2014.

 Os preços despencaram, assustando muita gente do ramo. Produtores de petróleos mais caros viram seus investimentos ameaçados quando as cotações nos grandes centros tombaram aos níveis mais baixos desde novembro de 2010. 

Chefes de governo em estados petroleiros viram aumentar muito a pressão sobre os equilíbrios comercial e fiscal das contas públicas.

Depois de atingir 115 dólares por barril, devido ao acirramento do conflito armado no Iraque, o preço do petróleo tipo (britânico) Brent moveu-se ladeira abaixo. Em 15 de outubro bateu na mínima anual (até então) de 84 dólares. Uma queda igualmente dramática atingiu o preço do petróleo tipo (norte-americano) WTI. De junho a outubro o petróleo tipo Brent caiu 27%, e o WTI 20%. Um assombro para os países que dependem essencialmente de receitas de petróleo para arrecadação tributária, e uma ameaça à rentabilidade de investimentos para produzir petróleo sob condições de alto custo tais como localizações remotas (alto-mar, grandes profundidades, clima severo), ou de qualidade inferior (óleos muito densos ou com alto teor de enxofre), ou ainda as acumulações de vida muito curta (petróleo e gás não-convencionais do tipo shale oil).

Pouca demanda e muita oferta

A razão disso é uma batalha entre os grandes produtores de petróleo para manter participações de mercado (volume de vendas), numa conjuntura em que uma capacidade de produção aquecida está de frente a uma demanda fria. Sobra petróleo no mundo neste momento.

A demanda padece ainda das sequelas da crise financeira de 2008, traduzida na fragilidade crônica da economia mundial. Mesmo a China, que manteve seu dinamismo nos primeiros anos de crise, dá sinais de cansaço (queda de 1,6% na demanda por petróleo). Em seu relatório mensal de setembro a Agência Internacional de Energia (AIE) viu-se obrigada a reduzir pelo quarto mês seguido a projeção do consumo de petróleo para 2014. A tímida recuperação econômica nos EUA oferece pouca alternativa ao menor crescimento na China, e não se vê sinal de alento no ambiente recessivo da Europa: a economia mais forte do continente, a Alemanha, mostrou recentemente retração do produto total, da produção industrial, e das exportações. Não se vê, no horizonte imediato, nenhum sinal vigoroso de crescimento da demanda por petróleo.

Do lado da oferta, a produção de petróleo voltou a crescer no Oriente Médio, passado o momento de maior instabilidade política da “Primavera Árabe”, a série de revoltas populares que derrubaram governos pelo mundo árabe em 2011-12. A tal ponto que os preços despencaram em meados de outubro, quando a OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo – informou sua produção de 30,9 milhões de barris por dia no mês anterior, o maior nível para o mês de setembro em três anos. A produção do Iraque aumentou em 700 mil barris por dia desde os momentos mais críticos da recente guerra civil em 2011. A produção da Líbia também consegue retornar gradualmente à estabilidade, apesar do persistente clima de violência. Em setembro chegou a 800 mil barris por dia, mais ou menos dois terços da produção usual.

A oferta de petróleo aumentou também fora da OPEP. Causa grande impacto a produção de petróleo não convencional nos EUA, que aumentou em 2,5 milhões de barris por dia de 2008 a 2013, e absorve boa parte da demanda interna norte-americana que era atendida por importações. A média diária de importações de petróleo dos EUA caiu quase pela metade, de 11 milhões de barris em 2008 para 6,5 milhões de barris em 2013. Houve cortes, por exemplo, nas importações de Nigéria e Argélia. No caso da Nigéria, as importações dos EUA caíram 78% em dois anos (de 515 mil barris por dia em junho de 2012 para 114 mil em junho de 2014). Ainda fora da OPEP, vem crescendo a produção no Brasil, que estima ter excedentes exportáveis a partir de 2014, chegando a um milhão de barris por dia em 2020. Espera-se também o aumento da produção não convencional na Argentina. Em resumo, além da fraca demanda, o mercado mundial de petróleo se vê fartamente suprido, de dentro e de fora da OPEP.

Quem pode mais chora menos

Os grandes produtores, que têm custos mais baixos, desejam manter os níveis atuais de produção. Produção alta num mercado fraco irá reduzir preços e pressionar financeiramente os produtores “marginais” com custos mais altos. A Arábia Saudita se diz “confortável” com preços do petróleo abaixo de 90 dólares, e talvez abaixo de 80 dólares, por até um ano ou dois. Com isso, abandona a estratégia vigente até agora, de manter o preço do barril em torno de 100 dólares. O ministro de Petróleo do Kuwait disse que está confortável com a quota atual de produção, que ele considera “justa e razoável”. Disse ainda que estaria confortável com preços do barril de petróleo abaixo de 80 dólares.

Movidos pela decisão da OPEP, os principais analistas de investimento reduziram de 100 para 85 dólares a expectativa de preço médio do petróleo Brent para os próximos quatro anos. Quem sobrevive? Estima-se que ainda permanecem claramente viáveis os melhores empreendimentos petroleiros fora da OPEP – a exemplo do Golfo do Texas nos EUA – assim como a produção brasileira na Bacia de Campos e no pré-sal de Santos, e ainda as áreas não-convencionais mais produtivas dos EUA, a exemplo da bacia de Bakken. Mas o preço de 85 dólares seria insuficiente para viabilizar a produção de petróleos mais caros como o não convencional de áreas menos produtivas dos EUA (Woodford no Oklahoma) ou o pré-sal de Angola, ou as areias betuminosas canadenses, ou mesmo o petróleo ultra-pesado da Faixa do Orinoco na Venezuela.

A Arábia Saudita produz 9,7 milhões de barris por dia, ou seja, cerca de um terço de todo o petróleo da OPEP. Ao ser questionado sobre a possibilidade de futuros cortes de produção para sustentar preços, um oficial saudita respondeu: Que cortes?

Um motivo de choro: “preço de equilíbrio fiscal”

Preço de equilíbrio fiscal é o preço mínimo de petróleo para manter equilibradas as contas públicas dos principais países exportadores de petróleo, especialmente os membros da OPEP. É um conceito usado pelo FMI em suas análises da conjuntura econômica mundial.

Quando os preços estão acima do nível de equilíbrio fiscal, os países exportadores acumulam reservas; o contrário ocorre quando petróleo cai abaixo desse nível. A capacidade de cada país exportador para ajustar-se a uma redução de preços depende do seu patamar de equilíbrio fiscal, e das reservas monetárias acumuladas. Nos países onde o petróleo é a principal fonte de receitas tributárias e produto de exportação, a arrecadação com a venda do produto garante o pagamento de salários, de benefícios previdenciários, e os investimentos na infraestrutura de serviços públicos. A queda brusca na receita pode frear o gasto público e gerar insatisfação, ou mesmo instabilidade social e política. Daí a importância do preço de equilíbrio fiscal.

Preços como esses de outubro estariam abaixo do nível de equilíbrio fiscal para muitos desses países. Segundo estimativas recentes, seriam ainda superavitários aqueles com preços de equilíbrio fiscal abaixo dos 85 dólares: Kuwait ($50), Qatar ($55), Emirados Árabes ($70) – e a Arábia Saudita ($85). Menos confortáveis estariam o Iraque ($100) e o Omã ($100). Mais deficitárias estariam a Líbia ($115), e a Argélia ($115). Extremamente deficitário estaria o Irã ($155).

A Venezuela foi o único membro da OPEP que se manifestou a favor de uma reunião de emergência para avaliar o efeito da queda de preços de outubro, através de uma mensagem de seu chanceler nas redes sociais10. Estimativas de 2013 indicam que o preço de equilíbrio fiscal para a Venezuela seria da ordem de 113 dólares. Coincidência ou não, ao final de setembro, a maior agência de avaliação de risco rebaixou a nota da dívida externa da Venezuela.

Petrobrás, pré-sal e o preço do petróleo

O pré-sal permanece viável? É a pergunta que ocorre imediatamente diante do tombo recente dos preços do petróleo.

A resposta é sim, tanto com base nas informações da Petrobras, quanto pelas estimativas dos analistas financeiros. O custo médio de extração por barril publicado pela Petrobras é de 14 dólares (sem participação governamental em impostos e outros). Para o pré-sal, esse valor é provavelmente um pouco menor que a média da companhia, devido à alta produtividade dos poços atualmente em produção. Somando-se a isso a participação governamental de 18 dólares, mais os custos médios da Petrobras para descoberta (menores que a média da indústria), mais o investimento médio, chega-se a um custo total da ordem de 50 dólares por barril. Essa estimativa é mais conservadora que as avaliações de dois dos maiores bancos de investimento, que estimam custos totais de produção abaixo de 50 dólares por barril, e situam o pré-sal no quartil mais alto de viabilidade dos investimentos petroleiros no mundo. Ou seja, o pré-sal é, sim, viável – mesmo sob as condições de preço de outubro de 2014.

É claro que a queda no preço do petróleo afeta a Petrobras, assim como todas as petroleiras, porque a receita futura será menor do que a foi projetada nos planos. Pela Petrobras, estão em implantação investimentos de 206,8 bilhões de dólares. A realização pressupõe uso de receita própria de 182,2 bilhões de dólares, assumindo preço de petróleo Brent de 100 dólares. Com menores receitas, as petroleiras terão que reduzir investimento ou aumentar endividamento. Considerando que a Petrobras já ultrapassou o limite de endividamento aprovado para o Plano de Negócios, restaria ajustar os investimentos para acomodar a condição de menores preços.

Petróleo e equilíbrio fiscal no Brasil

Cabem aqui duas considerações distintas. Uma sobre as contribuições tributárias ordinárias, que são royalties, participações especiais e demais impostos sobre a operação comercial. Outra sobre as contribuições extraordinárias, principalmente na forma de bônus de assinatura para áreas exploratórias cedidas em leilão.

Para as receitas tributárias ordinárias do Brasil, a Petrobras contribuiu R$ 100 bilhões em 2013. Desse montante, R$ 30 bilhões correspondem a royalties e participações especiais, em parcelas aproximadamente iguais entre os dois tributos. A contribuição com outros tributos foi de R$ 69 bilhões (soma de ICMS, PIS/COFINS, e IR/CSLL)13. O valor total corresponde a 8% da Receita do Governo Central (R$ 1.181 bilhões), e a 11% da Receita Bruta do Tesouro Federal em 2013 (R$ 894,7 bilhões). Embora seja uma contribuição importante, ela não caracteriza uma “dependência petroleira” da arrecadação fiscal brasileira.

Mas o caso muda ao considerar o papel das receitas extraordinárias. Em 2013, o governo federal realizou superávit primário de R$ 75 bilhões, superando em R$ 2 bilhões o determinado na Lei de Diretrizes Orçamentárias15. Ocorre que houve em 2013 uma receita extraordinária do Tesouro na rubrica “Demais Receitas”. Lá estão R$ 15 bilhões a título do bônus de assinatura do bloco de Libra, leiloado em outubro. Não fosse por essa receita extraordinária, o resultado do Governo Central teria sido de R$ 60 bilhões, 18% abaixo do determinado pela LDO.

Em 2014 não houve leilões de petróleo, e há dificuldade para cumprir o superávit determinado por lei. Ainda assim o governo federal arrecadou da Petrobras R$ 2,2 bilhões a título de bônus de assinatura pela exploração (por adjudicação direta) dos excedentes da cessão onerosa. O governo vai cobrar antecipadamente sua parte nos lucros futuros dessas áreas, nos montantes de R$ 2 bilhões em 2015, R$ 3 bilhões em 2016, R$ 4 bilhões em 2017, e R$ 4 bilhões em 2018. São todas arrecadações extraordinárias que facilitam cumprir o superávit primário, embora o Ministro de Minas e Energia tenha negado motivação fiscal na antecipação dessas receitas.

O certo é que, mesmo sem o Brasil sofrer da dependência tributária dos países da OPEP em relação ao petróleo, nas receitas ordinárias da União, as receitas extraordinárias foram fundamentais para fechar as contas públicas de 2013. Há indícios de que esse procedimento possa se tornar usual. Acende-se um sinal de alerta: o Brasil poderia ser levado a fazer leilões por conveniência fiscal, e não por uma estratégia de longo prazo para melhor utilização dos recursos de petróleo. Num cenário de retração econômica como o atual, seria necessário ampliar a exploração de petróleo para manter o mesmo nível de contribuição tributária. Seria uma situação paradoxal e pouco desejável – isto é, vender mais quando o mercado é pior, quando os preços são mais baixos. Vêm aí grandes emoções. Aperte o cinto.

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