9 de Novembro de 2014 - 5h24
Uma notícia de sentido estratégico apareceu no vendaval das questões desfocadas que afloraram no pós-eleição. Anunciou-se que a Usina Nuclear Angra I receberá, na próxima recarga de combustível de 2015, pela primeira vez em sua existência, urânio enriquecido no Brasil. Até o presente momento, todo o urânio usado como combustível na usina era enriquecido no exterior.
Não tem sido fácil o avanço brasileiro no setor nuclear. O enriquecimento do urânio sempre despertou a suspeita de pretensão implícita da produção de arma nuclear, ou era tida como uma atividade perigosa, pois poderia levar à bomba. Enriquecer urânio, mesmo em proporção muito inferior à necessária para a fabricação de um artefato atômico, sempre foi atividade obstruída, pelos Estados Unidos e países que detém a bomba. Isto terminou impedindo, ou dificultando muito, o uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos pelos demais países do mundo. Criou um fosso entre nações que detém essa tecnologia e a usam intensamente e a maioria dos países do mundo, a quem este acesso é negado.
Entre os países que foram rudemente atingidos por esse cerco das grandes potências está o Brasil, que dispõe da sexta maior reserva de urânio do mundo, capaz de abastecer uma dezena de usinas por várias décadas. Como um dos preceitos básicos da sustentabilidade energética é justamente o uso de combustíveis disponíveis, ficamos privados de lançar mão dessa enorme riqueza disponível, com que a natureza nos dotou.
O fato é grave, porque o Brasil, para se tornar um país desenvolvido, necessita, entre outras coisas, ampliar bastante o montante da energia que produz, hoje menor que a média dos países do mundo. A Agência Internacional de Energia (IEA) indica que é de 1,36 toneladas de equivalente de petróleo, por ano e por pessoa,(TEP/ano/pessoa) o índice brasileiro de produção energética, inferior à média mundial, que é de 1,86TEP/ano/pessoa, e muito inferior à média dos países desenvolvidos, que é acima de 3,00 TEP/ano/pessoa.
Para afastar o suposto risco do Brasil enveredar pelo caminho da produção de artefato nuclear, a Constituição de 1988 incorporou um dispositivo fixando que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional” (Art. 21, XXIII, a). O Brasil é um dos poucos países que estabelece em seu texto constitucional essa diretriz. Ademais, em 1988, no final do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, assinamos o Tratado de Não Proliferação Nuclear, questão até hoje controvertida, pelo caráter discricionário do tratado.
Atualmente nossa base operativa é a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, que conta com as usinas Angra 1 e 2. Produz a energia mais barata dentre todas as fontes térmicas utilizadas no país. E a extração do urânio ocorre em Caetité, na Bahia.
O programa nuclear brasileiro, o tempo todo pressionado e ameaçado, terminou sendo vagaroso, e só conseguiu vencer obstáculos, quase intransponíveis, graças à obstinação de alguns oficiais da Marinha brasileira. Resultou que a participação atual da energia nuclear na nossa matriz é de 2,7%, pequena, se comparada à mesma fonte na matriz mundial, que é de 6,4%, e na matriz dos países mais ricos do mundo, os do OCDE, que é de 10,7%.
Recentemente, em 2010, depois de um enorme atraso, retomamos a construção de Angra 3, que será a maior unidade produtiva, prevista para entrar em operação em 2018. Um pouco antes, em 2004, ficou pronta para funcionar a Fábrica de Combustível Nuclear de Resende (FCN), que enriqueceria o urânio de Caetité, em escala comercial. Desentendimentos vários com a Agência Internacional de Energia Nuclear atrasaram, mais uma vez, sua atividade plena.
O que estamos comemorando agora é o coroamento do processo de enriqucimento isotópico do urânio para fins comerciis no Brasil, feito com a tecnologia da ultracentrifugação, totalmente brasileira. E 80% da recarga que ocorrerá em Angra 1, em 2015, já serão feita com esse combustível.
Agora temos que retomar a meta discutida no governo Lula de construirmos mais quatro usinas nucleares no Brasil. É uma meta moderada. A energia nuclear é das mais limpas que existem, não polui, não produz gases tóxicos, pode ser instalada perto dos grandes centros consumidores. Os riscos do resíduo nuclear são cada vez menores, diminuídos pelos avanços tecnológicos.
No mundo, os países que tem condições de ter essas usinas, não as dispensam e as projetam cada vez mais. Nada menos que 438 usinas nucleares estavam em operação durante o ano passado. Uma centena delas nos EEUU, 58 na França, 50 no Japão e 33 na Rússia. Três países asiáticos emergentes estão entre os que mais usinas dispõem: Coréia com 23, Índia e China, ambas com 21 unidades.
Mais representativo ainda da evolução desse setor é a lista dos países com usinas em construção: China, 28; Rússia, 10; Índia, 6; Coréia, 5; e EEUU, 5. Outras 15 usinas estão também em construção em países tão diferentes quanto a Eslováquia, Ucrânia, Paquistão, Finlândia, Emirados Árabes e Argentina. Em janeiro passado, em todo mundo, existiam 71 usinas nucleares em construção, um número que fala por si.
As quatro brasileiras, aqui citadas, não estão em construção, nem em projetos consolidados. Foram ideias da Empresa Brasileira de Energia que precisam ser reerguidas e corajosamente executadas.
*Haroldo Lima é consultor na área do petróleo, foi do Conselho de Administração da Eletronuclear.
Haroldo Lima: O combustível nuclear agora é nosso
Uma notícia de sentido estratégico apareceu no vendaval das questões desfocadas que afloraram no pós-eleição. Anunciou-se que a Usina Nuclear Angra I receberá, na próxima recarga de combustível de 2015, pela primeira vez em sua existência, urânio enriquecido no Brasil. Até o presente momento, todo o urânio usado como combustível na usina era enriquecido no exterior.
Por Haroldo Lima*, especial para o Vermelho
Energia nuclear no Brasil
Entre os países que foram rudemente atingidos por esse cerco das grandes potências está o Brasil, que dispõe da sexta maior reserva de urânio do mundo, capaz de abastecer uma dezena de usinas por várias décadas. Como um dos preceitos básicos da sustentabilidade energética é justamente o uso de combustíveis disponíveis, ficamos privados de lançar mão dessa enorme riqueza disponível, com que a natureza nos dotou.
O fato é grave, porque o Brasil, para se tornar um país desenvolvido, necessita, entre outras coisas, ampliar bastante o montante da energia que produz, hoje menor que a média dos países do mundo. A Agência Internacional de Energia (IEA) indica que é de 1,36 toneladas de equivalente de petróleo, por ano e por pessoa,(TEP/ano/pessoa) o índice brasileiro de produção energética, inferior à média mundial, que é de 1,86TEP/ano/pessoa, e muito inferior à média dos países desenvolvidos, que é acima de 3,00 TEP/ano/pessoa.
Para afastar o suposto risco do Brasil enveredar pelo caminho da produção de artefato nuclear, a Constituição de 1988 incorporou um dispositivo fixando que “toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional” (Art. 21, XXIII, a). O Brasil é um dos poucos países que estabelece em seu texto constitucional essa diretriz. Ademais, em 1988, no final do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, assinamos o Tratado de Não Proliferação Nuclear, questão até hoje controvertida, pelo caráter discricionário do tratado.
Atualmente nossa base operativa é a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, que conta com as usinas Angra 1 e 2. Produz a energia mais barata dentre todas as fontes térmicas utilizadas no país. E a extração do urânio ocorre em Caetité, na Bahia.
O programa nuclear brasileiro, o tempo todo pressionado e ameaçado, terminou sendo vagaroso, e só conseguiu vencer obstáculos, quase intransponíveis, graças à obstinação de alguns oficiais da Marinha brasileira. Resultou que a participação atual da energia nuclear na nossa matriz é de 2,7%, pequena, se comparada à mesma fonte na matriz mundial, que é de 6,4%, e na matriz dos países mais ricos do mundo, os do OCDE, que é de 10,7%.
Recentemente, em 2010, depois de um enorme atraso, retomamos a construção de Angra 3, que será a maior unidade produtiva, prevista para entrar em operação em 2018. Um pouco antes, em 2004, ficou pronta para funcionar a Fábrica de Combustível Nuclear de Resende (FCN), que enriqueceria o urânio de Caetité, em escala comercial. Desentendimentos vários com a Agência Internacional de Energia Nuclear atrasaram, mais uma vez, sua atividade plena.
O que estamos comemorando agora é o coroamento do processo de enriqucimento isotópico do urânio para fins comerciis no Brasil, feito com a tecnologia da ultracentrifugação, totalmente brasileira. E 80% da recarga que ocorrerá em Angra 1, em 2015, já serão feita com esse combustível.
Agora temos que retomar a meta discutida no governo Lula de construirmos mais quatro usinas nucleares no Brasil. É uma meta moderada. A energia nuclear é das mais limpas que existem, não polui, não produz gases tóxicos, pode ser instalada perto dos grandes centros consumidores. Os riscos do resíduo nuclear são cada vez menores, diminuídos pelos avanços tecnológicos.
No mundo, os países que tem condições de ter essas usinas, não as dispensam e as projetam cada vez mais. Nada menos que 438 usinas nucleares estavam em operação durante o ano passado. Uma centena delas nos EEUU, 58 na França, 50 no Japão e 33 na Rússia. Três países asiáticos emergentes estão entre os que mais usinas dispõem: Coréia com 23, Índia e China, ambas com 21 unidades.
Mais representativo ainda da evolução desse setor é a lista dos países com usinas em construção: China, 28; Rússia, 10; Índia, 6; Coréia, 5; e EEUU, 5. Outras 15 usinas estão também em construção em países tão diferentes quanto a Eslováquia, Ucrânia, Paquistão, Finlândia, Emirados Árabes e Argentina. Em janeiro passado, em todo mundo, existiam 71 usinas nucleares em construção, um número que fala por si.
As quatro brasileiras, aqui citadas, não estão em construção, nem em projetos consolidados. Foram ideias da Empresa Brasileira de Energia que precisam ser reerguidas e corajosamente executadas.
*Haroldo Lima é consultor na área do petróleo, foi do Conselho de Administração da Eletronuclear.
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