Quem diria que acabaria nisso? Não o governo Obama, certamente; nem seus brilhantes estrategistas de think-tanks geopolíticos neoconservadores.
A brilhante proposta "ganha-ganha" que John Kerry levou dia 11 de setembro do ano passado ao moribundo rei Abdulah, dos sauditas, em Jeddah, era simples: repetir o altamente bem-sucedido acordo entre os sauditas e o Departamento de Estado em 1986, quando Washington persuadira os sauditas a inundar o mercado mundial num momento de superoferta, e assim derrubar os preços do petróleo em todo o planeta, numa espécie de "choque do petróleo ao contrário."
Em 1986, deu bom resultado, ajudando a quebrar espinha dorsal de uma União Soviética já periclitante, altamente dependente da renta em dólares da exportação de petróleo, para manter-se agarrada ao poder.
E assim aconteceu que, embora sem que a coisa viesse a público, Kerry e Abdullah combinaram, dia 11/9/2014, que os sauditas usariam sua musculatura de petróleo para pôr de joelhos a Rússia de Putin, naquele mesmo dia.
Ah, sim. Na hora, a ideia pareceu muito brilhante.
Dia seguinte, 12/9/2014, o Gabinete para Terrorismo e Inteligência Financeira(que nome maravilhoso!) do Tesouro dos EUA, sob a direção do subsecretário do Tesouro David S. Cohen, anunciou novas sanções contra as gigantes russas de energia Gazprom, Gazprom Neft, Lukoil, Surgutneftgas e Rosneft.
Proibiu que empresas norte-americanas participassem em joint ventures com empresas russas para explorar petróleo ou gás em campos submarinos ou no Ártico.
E então, justo quando o rublo caía rapidamente, e grandes empresas russas andavam à caça de dólares para os fechamentos de fim de ano, um colapso nos preços do petróleo poria fim ao reinado de Putin.
Esse, sem dúvida possível, era o pensamento das almas ocas que se fazem passar por estadistas na Washington de hoje.
Victoria Nuland, radiante, elogiava a precisão da nova arma de guerra financeira concebida na unidade de terrorismo financeiro do Tesouro de David Cohen.
Em julho de 2014, o West Texas Intermediate (WTI), preço padrão para o petróleo doméstico nos EUA, estava em $101 o barril. O petróleo de xisto ainda era maná arrancado das profundezas terra e estava bombando, fazendo dos EUA um grande player do petróleo, pela primeira vez desde os anos 1970s.
Quando, no início de janeiro de 2015, o preço WTI chegou a $46, repentinamente as coisas pareceram diferentes. Washington deu-se conta de que bombardeara o próprio pé.
Viram que a superendividada indústria norte-americana do petróleo de xisto estava à beira do colapso, a um passo de ser arrastada para o fundo do poço junto com o preço do petróleo, que não parava de cair.
Por trás das cortinas, Washington e Wall Street entraram em colusão para estabilizar artificialmente o que, naquele momento, já anunciava uma reação em cadeia de sucessivas falências por toda a indústria norte-americana do petróleo de xisto.
Resultado, os preços do petróleo começaram a subir lentamente, e em fevereiro chegaram a $53. A máquina de propaganda de Wall Street e Washington pôs-se a só falar do fim do petróleo a preços baixos.
Em maio, os preços haviam subido para $62 e praticamente todo mundo já se convencera de que a recuperação estava em andamento. Pois estavam errados, muito errados.
Os sauditas não estão gostando
Depois daquele encontro entre Kerry e Abdullah do dia 11 de setembro (estranha data para esse encontro, dado o clima de suspeitas de que a família Bush estaria encobrindo o envolvimento dos sauditas nos, ou em torno dos, eventos de 11/9/2001), aconteceu de os sauditas ganharem outro rei também idoso, Rei, Monarca Absoluto e Guardião das Duas Mesquitas Sagradas, Salman, em substituição ao idoso e doente, logo depois falecido, rei Abdullah.
Mas o ministro do Petróleo permanece inalterado, Ali al-Naimi, de 79 anos.
E foi al-Naimi quem, pelo que se pode saber, teria visto a oportunidade preciosa, na proposta de Kerry, para matar e jogar fora do mercado a crescente ameaça da concorrência da próspera (então) indústria do petróleo de xisto dos EUA.
Já várias vezes Al-Naimi dissera que queria eliminar a indústria do xisto dos EUA, que estaria "perturbando" a dominação saudita sobre os mercados mundiais de petróleo
Os sauditas não ficaram simplesmente infelizes, nem só com por causa da intrusão da indústria norte-americana do petróleo de xisto em seu oleoso reino.
Com o recente acordo que o governo Obama firmou com o Irã e que, quase certamente, levará, em poucos meses, ao fim das sanções econômicas que pesam sobre o Irã, os sauditas ficaram realmente furiosos.
Mas fato é que os sauditas já estão, agora, enlouquecidos de raiva contra Washington, e tanto, e a tal ponto, que já admitiram abertamente uma aliança com o arqui-inimigo Israel para combater o que veem como a crescente dominação do Irã naquela área - na Síria, no Líbano, no Iraque.
Tudo isso deu na férrea determinação dos sauditas, auxiliados por aliados íntimos entre os estados árabes do Golfo, de continuar a derrubar, para baixo, para baixo, para baixo, os preços do petróleo, até que a esperada onda de falências de empresas de petróleo de xisto - que foi contida em janeiro por manipulações de Washington e Wall Street - dê cabo, de vez, da concorrência que as empresas norte-americanas de xisto fazem ao petróleo saudita.
Esse dia pode chegar bem rapidamente, mas com consequências não procuradas para todo o sistema financeiro global, numa hora em que ninguém tem dinheiro para enfrentar consequência alguma.
Segundo relatório recente distribuído pelo Banco Morgan Stanley de Wall Street,[1] que é player importante nos mercados de cru, produtores de petróleo reunidos na Organização dos Países Exportadores de Petróleo, OPEP, vêm aumentando agressivamente a oferta de petróleo no já supersaturado mercado mundial, sem qualquer sinal de que cogitem de aliviar alguma coisa.
No seu relatório, Morgan Stanley observou com visível alarme que "a OPEP já acrescentou 1,5 milhão de barris/dia à oferta global, só nos últimos quatro meses (...) O mercado de petróleo está atualmente com excesso de oferta de 800 mil barris/dia. Esse dado sugere que a superoferta atual no mercado de petróleo corresponde integralmente ao aumento da produção pela OPEP, só a partir de fevereiro".
O relatório do banco de Wall Street acrescenta a seguinte nota, desconcertante:
"Antecipamos que a OPEP não cortaria [a produção], mas não previmos aumento tão agudo."
Em resumo, Washington perdeu completamente a força de alavancagem estratégica que tinha sobre a Arábia Saudita, reino que Washington considerou seu vassalo desde o acordo de FDR para levar para lá as majorsnorte-americanas do petróleo com exclusividade em 1945.
Essa quebra nas comunicações entre EUA e sauditas acrescenta nova dimensão à recente visita de alto nível que fez a São Petersburgo, dia 18 de junho, Muhammad bin Salman, vice-príncipe coroado e ministro da Defesa saudita e filho do rei Salman, para encontrar-se com o presidente Vladimir Putin [Ver também "Diplomacia Incansável para salvar a Síria", 6/8/2015, Andrew Korybko, trad. em Blog do Alok (NTs)].
A reunião foi cuidadosamente preparada pelos dois lados, que discutiram coisa de $10 bilhões em acordos comerciais, incluindo a construção, pela Rússia, de reatores nucleares para finalidades civis no Reino, e fornecimento de equipamento militar russo avançado; e investimentos sauditas em agricultura, medicina, logística, varejo e construção imobiliária na Rússia.
A Arábia Saudita é hoje a maior produtora mundial de petróleo; a Rússia vem em segundo lugar, próxima.
Uma aliança russos-sauditas em qualquer nível em que aconteça é evento jamais cogitado no manual de estratégias dos planejadores do Departamento de Estado em Washington. Mas... mas... Mas que merda!
Agora, a saturação de petróleo que os sauditas criaram na OPEP já pôs por terra o vacilante esforço dos EUA para empurrar os preços do petróleo outra vez para cima.
Os preços já em queda estão sendo pressionados ainda mais para baixo, também, por causa dos medos de que o acordo com Irã venha a aumentar ainda mais a oferta, e de que o segundo maior importador de petróleo do planeta, a China, corte importações ou, pelo menos, não as aumente, agora que a economia chinesa passa por período mais lento.
A bomba-relógio do mercado de petróleo explodiu na última semana de junho. O preço nos EUA do petróleo EWT caiu, dos $60/barril, nível no qual, pelo menos, vários produtores de petróleo de xisto podem manter-se à tona por mais algum tempo, para $49, dia 29 de junho - queda de mais de 18% em quatro semanas, com viés de mais queda.
Morgan Stanley tocou forte o sino de alarme, e declarou que, se a tendência das semanas recentes continua,
"a descida pode ser mais severa que a de 1986. Dado que não houve pico negativo nos últimos 15 anos antes daquilo, a queda atual pode ser a pior dos últimos mais de 45 anos. Se acontecer desse modo, nada há em nossa experiência que nos possa guiar para as fases seguintes desse ciclo... De fato, é provável que nada haja, em toda a história analisável."
'Surpresa de outubro'
Outubro é o ponto chave seguinte para as decisões dos bancos, sobre não rolar os empréstimos feitos às empresas norte-americanas do petróleo de xisto, ou prorrogar prazos e estender créditos, na esperança (como até agora) de que os preços, devagar, voltarão a subir.
Como já sabendo o que virá, se em setembro o Federal Reserve aumentar a taxa de juros, pela primeira vez em oito anos, desde que a crise financeira global eclodiu no mercado imobiliário dos EUA em 2007, os produtores norte-americanos de gás de xisto, altamente endividados, têm pela frente desastre de proporções ainda não vistas.
Até há poucas semanas, o volume de gás de xisto produzido nos EUA permanecia no pico máximo, como se os produtores estivessem tentando desesperadamente 'fazer caixa'... Mas, tragicamente, lançando as sementes de mais saturamento no mercado de petróleo, que será a ruína deles mesmos.
A razão pela qual as empresas norte-americanas de gás de xisto puderam manter a capacidade para permanecer nos negócios desde novembro passado, ainda sem ter de pedir falência, é a política de juros-zero do Fed, em curso, que leva bancos e outros investidores a ter de procurar taxas mais altas no mercado de ações de maior risco e maiores juros, chamado "High Yield".
Nos anos 1980s, quando foram criados por Michael Millken & seus fraudadores aliados no [banco de investimentos] Drexel Burnham Lambert, Wall Street muito apropriadamente chamava-os de "papéis podres" [orig."junk bonds"], porque quando as coisas ficam ruins, como agora para as empresas de petróleo de xisto, aquelas ações viram lixo. Recente relatório do banco UBS diz que "o mercado em geral de High-Yield dobrou de tamanho; setores que tiveram vida melhor em anos recentes, como energia e mineração viram suas dívidas triplicar e até quadriplicar."
Assumindo que a mais recente queda nos preços do petróleo WTI prossiga semana após semana até outubro, haverá pânico e corrida para vender bilhões de dólares desses papéis podres de alto risco.
Como observa um analista de investimento, "quando a multidão do varejo finalmente passar a procurar, em massa, pela porta da saída, os administradores de fundos serão forçados a encarar mercados secundários de crédito corporativo sem liquidez, onde uma falta de profundidade no mercado tem o potencial de acender um rastilho de venda."
O problema é que dessa vez, diferente de 2008, o Federal Reserve não tem espaço algum para agir. As taxas de juros já estão perto de zero, e o Fed comprou dos bancos trilhões de dólares de dívidas podres, para impedir uma reação em cadeia de pânico bancário nos EUA.
Uma opção que ninguém está discutindo em Washington seria o Congresso rejeitar a desastrosa Lei do Federal Reserve de 1913 (Federal Reserve Act) que dá o controle sobre o dinheiro de nossa nação a uma gangue de banqueiros privados; e criar um Banco Central Nacional, que pertença integralmente ao Estado norte-americano, com capacidade para emitir crédito e vender dívida federal sem a intermediação dos banqueiros corruptos de Wall Street - como a Constituição aspirou a fazer.
Ao mesmo tempo, podem nacionalizar totalmente os seis ou sete bancos "Grandes Demais para Falir", que estão por trás de toda a confusão financeira que está destruindo as fundações dos EUA e, por extensão, do dólar como moeda mundial de reserva de quase todo o mundo. *****
Há um relatório IMPRESSIONANTE, imensíssimo, em http://www.softpanorama.info/Skeptics/Financial_skeptic/energy.shtml (ing.), de onde parecem ter sido extraídas várias informações usadas no artigo acima. Talvez o autor refira-se àquele relatório.
Aí vai o endereço, porque nesse relatório aprendemos que o Brasil é o 13º país produtor de petróleo do mundo, dentre 90 países. Estamos MUITO BEM NA FOTO.
O mesmo "relatório de Stanley" é citado longamente dia 22/7/2015, em Zero Hedge, também sem qualquer remissão a qualquer fonte [NTs].
No jargão político norte-americano, 'surpresa de outubro' designa evento 'de mídia' deliberadamente inventado para influenciar o resultado das eleições, quase sempre para a presidência dos EUA.
A referência ao mês de outubro tem a ver com a data de eleições nacionais, bem como de vários estados, entre os dias 2 e 8 de novembro. Assim, eventos que estejam na 'mídia' no final de outubro têm alta chance de influenciar diretamente os eleitores [NTs, com informações de Wikipedia].
10/8/2015, F. William Engdahl, New Eastern Outlook
Nenhum comentário:
Postar um comentário