Pesquisar este blog

sábado, 14 de maio de 2016

A Cultura é (novamente) degolada em tempos de ajuste fiscal



Com a ascensão de Temer, o Ministério da Cultura é fundido com a pasta de Educação

Equipe do extinto Ministério da Cultura se despede da pasta. MINC 

Há menos de um ano, quando o impeachment de Dilma Rousseffera uma possibilidade descartada no horizonte do Brasil, discutia-se uma reforma ministerial no Planalto em que o Ministério da Cultura foi um dos primeiros a entrar a fila da guilhotina. Diante dos protestos do setor e sobretudo do furacão político que se seguiu, a ameaça passou. Hoje, com o afastamento da presidenta e a ascensão de Michel Temer à presidência, os cortes dos ministérios voltaram à baila e a Cultura sentiu o golpe da faca no primeiro dia de seu Governo interino. A pasta será fundida com a de Educação, onde será abrigada com o status de secretaria. Ficará a cargo do deputado, agora ministro, Mendonça Filho (DEM-PE), herdeiro da agroindústria, que tem em seu currículo uma atuação mais ligada a iniciativas empresariais, sem expertise em Cultura.

A aglutinação dos ministérios tem um papel simbólico negativo, revelando o peso que o Governo interino de Michel Temerdá para a Cultura. A redução do papel da pasta foi rejeitada por profissionais e especialistas da área, que já  articulam manifestos e um abaixo-assinado que circula nas redes. A própria nomeação política de Mendonça Filho aumentou a frustração. A fusão afeta as conquistas de um ministério jovem, que ainda trata de se erguer depois de sua extinção em 1990, sob Fernando Collor, e retomada em 1992, com Itamar Franco. Novamente, em tempos de recessão, aventa-se a possibilidade de restringir o orçamento do setor, sem dar chance de que seus agentes apresentem soluções próprias para superá-la. Por que, num país como o Brasil, a Cultura sempre patina?

Em tempos de política de austeridade, a junção das pastas emitiria um sinal de mais eficiência, acredita o Governo Temer. No entanto, sua extinção coloca em risco conquistas importantes, como o avanço de seis a 150 filmes produzidos por ano entre 2003 e 2010. Sem falar que, em termos econômicos, a Cultura tem um dos orçamentos mais baixos do Planalto – 2,4 bilhões de reais em 2016 (contra 3,3 bilhões em 2015) – sempre sujeitos a contingenciamentos que podem reduzir ainda mais a verba de fato disponível. Para efeitos de comparação, a Educação dispõe neste ano de 99,7 bilhões e a Saúde, um dos maiores, de 118,6 bilhões.

Sabe-se que a Cultura não ocupou, até hoje, nenhuma centralidade na administração pública brasileira e, portanto, nos esforços de desenvolvimento do país. Ainda assim, a criação do MinC, em 15 de março de 1985 pelo então presidente José Sarney, significou um passo para o pensamento cultural no Brasil graças ao surgimento de uma agenda pública autônoma. Em 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso começou a ampliar os investimentos em cultura, fomentando, inclusive o renascimento do cinema nacional. Em 2003, o ministério deixou de atender somente demandas específicas de fomento e passou a pensar em políticas culturais. Era o início da gestão de Lula, que com os ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira (PT), estabeleceu um orçamento crescente para a pasta.

Sob Dilma, mesmo com o legado estabelecido anteriormente, o ritmo de investimento caiu e a evolução esfriou. Segundo dados do Tesouro Nacional, as despesas do Governo Dilma com Cultura recuaram 25% de 2013 para 2014, ainda que no mesmo período as despesas da União como um todo tenham crescido 19%. “O MinC é uma conquista histórica, não só por ser um ministério de importância simbólica, mas sobretudo um espaço estratégico para o desenvolvimento do país, que pode trazer saídas da crise a partir da criatividade e da inovação”, diz do MinC Guilherme Varella, que está deixando a secretaria de Políticas Culturais que ocupava até pouco tempo.

Nesta terça-feira, em um anúncio feito via Internet sobre novidades na gestão da Cinemateca Brasileira, o então ministro de Dilma, Juca Ferreira, se pronunciou sobre a então eventual fusão de Cultura e Educação sob Temer, afirmando que “seria um retrocesso muito grande”. Apesar de que já havia anunciado que deixaria o Ministério para concorrer à prefeitura de Salvador (BA), o atual ministro continua sendo um dos principais interessados na continuação da pasta.

As patinadas da Cultura

Se descontadas os efeitos de uma crise político-econômica da dimensão da que o Brasil vive hoje e suas consequências sobre qualquer reforma ministerial, é fato que a Cultura tem lições de casa a fazer – e que nem sempre se cumprem. Na visão do consultor João Leiva, da J.Leiva Cultura&Esporte, “na hora de reduzir gastos, as áreas que não comprovam sua eficiência são as primeiras a perder investimentos”. Por isso, é preciso “construir estatísticas que sirvam de referência, a começar pela participação da Cultura no PIB”, opina o especialista. Esta é uma luta antiga do setor, que tem cobrado meios de tornar tangíveis as conquistas que a Cultura traz não só em termos de autoestima do país, mas pelo fomento à geração de emprego, por exemplo.

Os números existentes, apesar de escassos, servem para comprovar a importância de conquistas recentes, além de estabelecer as bases necessárias para visualizar caminhos a seguir. Mas são díspares entre os diferentes órgãos que os produzem, quando não falhos ou insuficientes. Estima-se – porque as estatísticas variam e são calculadas por vários órgãos com base em parâmetros diferentes – que a Cultura represente de 4 a 6% do PIB nacional. Mas é preciso mais do que estimativas para consolidar as ações do Estado: “Estamos claramente numa rota de avanço. Mas também não adianta ter ministério para fazer jogo de cena”, opina Leiva.

Nesse sentido, Ana Carla Fonseca está de acordo. “É claro que institucionalizar uma pasta tem um peso político importante, mas de modo geral, não basta – vide que alguns ministérios são menos ativos e proativos do que, por exemplo, a Secretaria das Micro e Pequenas Empresas, que tem status que ministério, sem sê-lo”, diz a especialista em economia criativa. Ela defende “a simbiose que deve haver entre Cultura e Educação” e não teme o fim do MinC per se, mas uma má gestão cultural no país, o que não depende de jogos políticos. “Ter instituições separadas pode ser menos interessante do que uni-las, sempre que uma não fique subalterna à outra e haja sinergia – de escopo, de programas, de orçamento – entre ambas”, declara.

Seja como for, a Cultura, com os negócios que gera, tem grande potencial para ser aquela que faz o Brasil deixar de ser somente um exportador de commodities e explorar as cadeias mercadológicas que têm em seu centro a criatividade e a inovação. Para Leiva, “a falta de informação faz o setor perder credibilidade. Números não são a única forma de leitura, mas podem ajudar na reestruturação e na própria compreensão de debates atuais, como os da Lei Rouanet e do ajuste de metas”. Não muito a respeito consta nos planos de governo do PMDB. Mas a partir de agora terá a cobrança de que, mesmo perdendo o status de ministério, ao menos não se percam as conquistas alcançadas até aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário