05 de maio de 2016 às 03h12
Os cruzeirenses Aécio Neves, Gustavo e Zezé Perrella, o helicóptero da família no momento da apreensão e o piloto funcionário de Gustavo e da Assembleia de Minas: livre, leve e solto
por Garganta Profunda*
25 de novembro de 2013. O helicóptero PRZGP, de Zezé e Gustavo Perella, pousa na fazenda Tatagiba, em Brejetuba, no Espírito Santo, para fazer a entrega.
Quatrocentos e quarenta e cinco quilos de pasta base são transferidos para o Polo Sedan branco de placas KYF 8761.
A origem do vôo, ficará demonstrado depois, por provas recolhidas pela polícia no aparelho de GPS, foi Pedro Juan Caballero, no Paraguai.
Foram presos os pilotos Rogério Almeida Antunes e Alexandre José de Oliveira Jr., além de Everaldo Lopes Souza, Robson Ferreira Dias e Elio Rodrigues.
Elio era dono de uma propriedade vizinha. Tinha feito o pagamento da primeira parcela, de 100 mil reais. É visto pela PF como o homem da base local da quadrilha. Responde ao inquérito, mas não ficou preso.
Rogério, um dos pilotos, era funcionário da Limeira Agropecuária e Participações Ltda, a empresa dos Perrella. Tinha cargo também na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, numa secretaria ocupada pelo deputado estadual Alencar de Oliveira Jr., do PDT.
O senador Zezé Perrella, ex-presidente do Cruzeiro, é do PDT. O filho dele, Gustavo, é deputado estadual pelo Solidariedade. Alencar era aliado de ambos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
À época, o Viomundo entrevistou o advogado do piloto Rogério, Nicácio Pedro Tiradentes.
No calor dos acontecimentos, ele dizia que seu cliente, ainda preso, tinha feito duas ligações ao Perrella deputado antes do vôo. Nicácio afirmou então: “O deputado não poderia enlamear o menos favorecido pela sorte”.
Foi uma resposta à declaração de Perrella de que o piloto tinha agido como se tivesse furtado o helicóptero. Estranha a frase, não? Se no caso houve alguém “menos favorecido pela sorte”, é porque teria havido também “o mais favorecido pela sorte”. Quem?
O advogado era apenas um boquirroto, àquela altura desinformado sobre o caso? Ou estava tentando comprar proteção dos Perrella ao seu cliente, quem sabe por outros fatos inenarráveis?
Na prática o piloto Rogério e a própria Polícia Federal passaram a sustentar que os Perrella não tinham relação alguma com o episódio do tráfico. Teriam acreditado tratar-se de apenas mais um frete para o transporte de implementos agrícolas.
O inquérito, que incluiu os Perrella apenas para o pedido de esclarecimentos, se transformou em denúncia aceita pelo juiz federal Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa, em Vitória, Espírito Santo.
Algumas coisas muito estranhas aconteceram desde então.
Por exemplo: nos dias 20 e 21 de outubro de 2014, a pedido da defesa, foram ouvidos os policiais Leonardo Geraldo Baeta Damasceno e Rafael Rodrigo Pacheco Salaroli, envolvidos na apreensão.
Mas… “o registro audiovisual, feito em atendimento ao disposto no artigo 405, inciso primeiro, do Código de Processo Penal, está contaminado por eco que o torna virtualmente incompreensível e inviabiliza não só a defesa, como a acusação e o julgamento”, segundo registrou o despacho do juiz.
É isso mesmo: uma falha no equipamento de gravação tornou os depoimentos imprestáveis. Por isso, os atos daqueles dois dias foram oficialmente anulados, com a remarcação dos depoimentos.
Mas, a reprise nunca aconteceu: a defesa retirou o pedido dos depoimentos e, na audiência de 23 de março de 2015, o juiz homologou a decisão!
Não eram depoimentos quaisquer.
O delegado Leonardo Damasceno, da Polícia Federal, havia informado ao procurador original do caso, Fernando Amorim Lavieri, que a operação era resultado de um grampo telefônico feito em São Paulo. O agente Rafael Saralori teria confirmado isso ao promotor.
Na descrição do procurador Lavieri, citado pelo juiz em despacho, “segundo o agente policial a operação fechada é uma medida de interceptação telefônica ajuizada exclusivamente para obter informações que posteriormente são usadas em prisões em flagrante. Ao final, a operação fechada é arquivada sem comunicação aos investigados. O próprio agente policial definiu a situação como grampolândia. Disse que a medida foi adotada com a conivência do juiz e do membro do Ministério Público que, segundo o agente, ajudariam as autoridades policiais pois eram sensíveis ao flagelo do tráfico”.
O juiz e o membro do MP citados acima, supostamente lotados em São Paulo, não foram identificados.
As declarações do delegado Damasceno e do agente Rafael tinham sido decisivas para causar uma reviravolta no MP: a desistência do promotor original Fernando Amorim Lavieri de participar da acusação.
O vídeo da operação divulgado pela Polícia Federal havia deixado Lavieri com a pulga atrás da orelha. As imagens e o som demonstram que a PF sabia de antemão que aquele helicóptero pousaria para fazer o desembarque de cocaína. Ou seja, os agentes chegaram ao local já sabendo que haveria um flagrante.
Como o grampo originário daquela informação nunca foi incluído no processo, Lavieri calculou que era um caso clássico da doutrina dos frutos da árvore envenenada. Como se deu, aliás, na Operação Castelo de Areia, que investigou a empreiteira Camargo Corrêa: uma pista anônima era a base da investigação.
Em outubro de 2014, os advogados dos réus do helicoca tentaram convocar Lavieri para depor, mas o pedido foi rejeitado pelo juiz por ser “nítida a confusão feita entre os papéis de parte processual e testemunha”.
Substituído no caso, Lavieri nunca falou publicamente sobre sua desistência, mas o MPF do Espírito Santo divulgou nota oblíqua alegando que à instituição interessa sempre “um processo justo, baseado em provas lícitas”.
O caso do promotor que “abraçou” a tese da defesa não foi o único momento bizarro do caso helicoca.
Em 8 de abril de 2014 os quatro presos foram colocados em liberdade. A defesa alegou que teria havido uma série de erros processuais. Exemplo? Tratamento diferenciado para Elio, o dono da propriedade vizinha àquela em que o helicóptero pousou. Ele foi acusado dos mesmos crimes que os có-réus, mas respondia em liberdade enquanto os demais estavam presos. O juiz aceitou o argumento da defesa e colocou os quatros presos em liberdade.
Em 19 de agosto de 2014, o TRF da segunda região, no Rio de Janeiro, tomou outra decisão pouco usual para casos de tráfico internacional de drogas: devolver o helicóptero à família Perrella, contrariando parecer do MPF e decisão do juiz federal, que determinou que a aeronave deveria servir ao governo do Espírito Santo enquanto a sentença não transitasse em julgado.
Nos bastidores, policiais federais que acompanham o caso à distância estão estarrecidos.
Os erros que teriam comprometido a operação foram fruto de incompetência? Algum teria sido cometido de forma proposital para semear nulidade nas instâncias superiores?
As especulações incluem todo tipo de teoria da conspiração: a PF teria mirado os Perrella por motivos políticos, considerando a proximidade deles com Aécio Neves, que à época preparava a campanha presidencial?
É verossímil que o piloto Gustavo tinha autonomia para sumir por mais de 50 horas com o helicóptero da família Perrella, num vôo Belo Horizonte-Pedro Juan Caballero-Brejetuba, sem dar detalhes ao patrão?
Independentemente das respostas, o resumo do filme é que o caso helicoca está praticamente enterrado.
Mesmo que o juiz condene os acusados — uma sentença é aguardada há oito meses — é pouco provável que a condenação resista em instâncias superiores.
O tráfico internacional de 445 quilos de pasta base pode ficar impune!
Como não há provas de que o procurador Lavieri agiu de má fé ao desistir do caso, fica por último considerar a distinção entre o comportamento dele e o do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em caso distinto.
Janot validou interceptação telefônica entre o ex-presidente Lula e a presidente da República Dilma Rousseff e remeteu-a como prova ao Supremo Tribunal Federal.
O ministro Teori Zavascki já sugeriu que tem dúvida sobre a legalidade daquela gravação específica. O mesmo fez outro ministro, Marco Aurélio Mello.
Advogados e juristas são claros: quando a gravação entre Lula e Dilma foi feita, o juiz Sérgio Moro havia encerrado oficialmente, em decisão registrada digitalmente, o monitoramento telefônico do ex-presidente. Provas obtidas depois daquele horário deveriam ter sido descartadas. Aquela gravação não foi.
Ainda assim, quando Moro teve conhecimento de que Dilma tinha caído no grampo, mesmo que inadvertidamente, deveria ter remetido o material ao STF, por conta do foro privilegiado da presidente da República.
Não o fez: Moro suspendeu o sigilo sobre todas as gravações e permitiu que aquela conversa específica fosse fartamente utilizada na artilharia política contra Lula e Dilma que precedeu a abertura do processo de impeachment.
Em resumo, o que temos aqui?
De um lado, o caso helicoca: um procurador da República formou convicção de que o processo tinha nascido de prova ilegal, desistiu de participar dele e praticamente enterrou a acusação.
Do outro, um Procurador Geral da República admitindo prova sobre a qual pairam fortíssimas dúvidas para sugerir que uma presidente da República cometeu obstrução de Justiça. Isso, às vésperas da votação no Senado que pode afastá-la do Planalto. Janot fez isso ciente de que uma prova essencial na qual se baseia pode vir a ser derrubada? Teria feito, de novo, um cálculo político?
Seja como for, ficamos sabendo que para o MP Lula e Dilma não merecem o benefício da dúvida concedido a traficantes internacionais de cocaína!
O Brasil não cansa de nos surpreender.
*Garganta Profunda, no escândalo de Watergate, foi o diretor do FBI Mark Felt, que cantava as pedras da investigação aos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein numa garagem de Washington DC. Nosso Deep Throat não é a atriz Linda Lovelace, nem tem pretensão a Felt. É apenas um jornalista que não consegue emplacar algumas de suas reportagens — aquelas que não interessam ao patrão — na mídia velha brasileira. Para o patrão, o grampo em Lula-Dilma é perfeitamente legal, mas aquele que passar perto dos Perrella só sairá no Jornal Nacional se inocentar Aécio.
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