Por Ayrton Centeno, no site Sul-21:
- Coloca fogo na casa.
- Joguem umas bombas na casa desse russo, bandido!
- Coloca fogo.
- Apedrejem a casa desse filho da puta. Detona tudo. Fode o carro dele.
- Guilhotina nesse vagabundo traidor da pátria!
- Toca fogo.
- Pega esse safado!
Bonito, não? Em meio a tanta finesse, incitação ao crime é o mínimo que se pode dizer dos insultos acima. Entre os delitos propostos, destruição de patrimônio privado, atentado com bombas e assassinato. Os autores estão todos identificados. Eles mesmo prestaram esse favor à sociedade ao postarem as evidências no Facebook. Pela ordem dos desaforos — e com pedido de perdão antecipado aos eventuais xarás — são Luis Braganholo, Roberto Correa, Sílvio Oliveira, Daniel De Luca Dal Sasso, Rodrigo Dias, Nicolas Bratti e Everton Souza. Quatro deles deram uma ajudinha a mais: estão também auto-identificados por fotos. Orgulham-se, portanto, de sua obra.
A vítima da afronta é o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. Ensandecidos com a decisão de Zavascki que retirou de Sérgio Moro e chamou ao STF as investigações sobre Lula na Lava-Jato, tiveram uma desinteria selvagem no Facebook. Que expôs muito mais a disfuncionalidade de seus autores do que qualquer ato irregular daquele a quem ofenderam e ameaçaram. É uma direita que se faz direita menos pela operosidade intelectiva do que pela atividade intestinal. Outros 20 audazes chegaram a marchar até a casa do ministro em Porto Alegre para gritarem impropérios num pocket show de ódio, ferocidade e ressentimento.
Umberto Eco esmiuçou a miséria moral do fascismo em suas múltiplas e, às vezes, conflitantes versões. Em conferência nos EUA em 1995, marcando os cinqüenta anos da libertação da Europa e da derrota de Hitler e Mussolini, o escritor italiano morto em 2016, descreveu-o como “um totalitarismo fuzzy” - difuso ou confuso. E acentuou que todas as forças que se bateram contra o Eixo entendem a II Guerra Mundial como uma vitória sobre o fascismo. Exemplificou com o herói de Ernest Hemingway em Por Quem os Sinos Dobram, que se passa Guerra Civil Espanhola (1936-1939): “Robert Jordan identifica seus inimigos com os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis”. É, portanto, uma designação mais ampla, servindo para nela embutir diversas formas de organização da ultradireita. Só há um nazismo mas existem muitos fascismos, inclusive o que nos toca.
O que Eco chama de “fascismo eterno” envolve muitas variáveis. No coquetel que nos coube na segunda década do século comparecem velhos conhecidos: o irracionalismo, a negação, explícita ou não, das bandeiras de igualdade, liberdade, fraternidade da Revolução Francesa (mas não da guilhotina, segundo um dos posts…), a repulsa à cultura e, portanto, à critica, o medo do diferente, o nacionalismo (mesmo caracterizado com as camisetas da pútrida CBF), a xenofobia, o elitismo ou desprezo aos mais fracos, a frustração, o machismo, o racismo, a intolerância. E, claro, a violência. A cereja do bolo.
É o que nos assola e, pela freqüência com que ocorre e falta de resposta, opera a sua própria naturalização. Como se sempre tivesse sido assim. Quando nem na ditadura o brutalismo tomou as ruas como o fez agora. Em São Paulo, epicentro do surto de insanidade que se alastra, pessoas são agredidas por vestirem vermelho. Um menino foi hostilizado por envergar a camiseta da seleção da Suíça. No Rio, uma cachorrinha enfeitada com um lenço vermelho acabou xingada de petralha no Leme junto com a dona. Dois incidentes que convertem tragédia em comédia e ilustram bem o matrimônio da burrice com a barbárie.
A sede do PCdoB foi incendiada em Campo Grande/MS. De um carro, homens lançaram uma bomba contra a sede do partido em Goiânia. Em São Paulo, outro endereço da legenda foi atingido. O diretório municipal do PT em Belo Horizonte sofreu três ataques apenas em março. Prédio arrombado, com computadores, telefones e mesas destruídos. Também em Goiânia e dois municípios paulistas, São José dos Campos e Ribeirão Preto, sedes petistas foram golpeadas. No dia 12, registrou-se investida contra o prédio da UNE, em São Paulo.
Somam 25 as agressões contra prédios de partidos de esquerda ou sindicatos desfechadas no país em somente 18 dias de março, ou seja, ataques diários desferidos contra a democracia. Com cobertura de imprensa burocrática ou inexistente. Vinte e cinco ações não são acaso. São um processo e uma ameaça.
Providências? Detenções? Ignora-se. Talvez porque a polícia esteja envolvida em outro front: no mesmo dia em que a UNE amargou seu ataque, a PM paulista invadiu reunião do PT em Diadema, realizada no Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD em ato típico dos meganhas da ditadura.
A flor carnívora que desabrocha não nasceu do nada. A semente foi plantada e vicejou. Alimenta-se sobre o monturo. Suas raízes bebem o chorume da velha mídia, a única força de oposição efetiva no país. Que encena o fim do mundo 24 horas por dia para, seletivamente, apontar, julgar e executar os culpados de sempre. Um processo de intoxicação, de narrativa uniforme e reiterada, cujas engrenagens trituram qualquer sombra de dúvida. Então, perdem-se as referências. Acata-se como corriqueira e perfeitamente aceitável a prática de prender pessoas sem julgamento por tempo indeterminado. De extrair delações de modo obscuro, transformar justiceiros em heróis e delatores em quase heróis da pátria, escolher e vazar depoimentos sigilosos, grampear presidentes, escorchar, dia e noite, em rede nacional figuras públicas que sequer são rés em qualquer processo. E chacinar o bode expiatório sem que importe a apuração isenta dos fatos. Tudo com o aval de vozes cúmplices ou simplesmente tolas dos meios de comunicação. Tudo está no seu lugar. Tudo é “normal”.
Um velho professor costumava usar uma frase altissonante na sua síntese do último dia da ordem democrática e do primeiro do arbítrio. Uma advertência sobre os tipos que a ruptura permitia, elegia e chancelava, muitas vezes estúpidos, ambiciosos e truculentos. “Depois do crepúsculo da democracia vem a alvorada dos canalhas”, prevenia, com um sorriso e uma batidinha no ombro.
- Coloca fogo na casa.
- Joguem umas bombas na casa desse russo, bandido!
- Coloca fogo.
- Apedrejem a casa desse filho da puta. Detona tudo. Fode o carro dele.
- Guilhotina nesse vagabundo traidor da pátria!
- Toca fogo.
- Pega esse safado!
Bonito, não? Em meio a tanta finesse, incitação ao crime é o mínimo que se pode dizer dos insultos acima. Entre os delitos propostos, destruição de patrimônio privado, atentado com bombas e assassinato. Os autores estão todos identificados. Eles mesmo prestaram esse favor à sociedade ao postarem as evidências no Facebook. Pela ordem dos desaforos — e com pedido de perdão antecipado aos eventuais xarás — são Luis Braganholo, Roberto Correa, Sílvio Oliveira, Daniel De Luca Dal Sasso, Rodrigo Dias, Nicolas Bratti e Everton Souza. Quatro deles deram uma ajudinha a mais: estão também auto-identificados por fotos. Orgulham-se, portanto, de sua obra.
A vítima da afronta é o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal. Ensandecidos com a decisão de Zavascki que retirou de Sérgio Moro e chamou ao STF as investigações sobre Lula na Lava-Jato, tiveram uma desinteria selvagem no Facebook. Que expôs muito mais a disfuncionalidade de seus autores do que qualquer ato irregular daquele a quem ofenderam e ameaçaram. É uma direita que se faz direita menos pela operosidade intelectiva do que pela atividade intestinal. Outros 20 audazes chegaram a marchar até a casa do ministro em Porto Alegre para gritarem impropérios num pocket show de ódio, ferocidade e ressentimento.
Umberto Eco esmiuçou a miséria moral do fascismo em suas múltiplas e, às vezes, conflitantes versões. Em conferência nos EUA em 1995, marcando os cinqüenta anos da libertação da Europa e da derrota de Hitler e Mussolini, o escritor italiano morto em 2016, descreveu-o como “um totalitarismo fuzzy” - difuso ou confuso. E acentuou que todas as forças que se bateram contra o Eixo entendem a II Guerra Mundial como uma vitória sobre o fascismo. Exemplificou com o herói de Ernest Hemingway em Por Quem os Sinos Dobram, que se passa Guerra Civil Espanhola (1936-1939): “Robert Jordan identifica seus inimigos com os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis”. É, portanto, uma designação mais ampla, servindo para nela embutir diversas formas de organização da ultradireita. Só há um nazismo mas existem muitos fascismos, inclusive o que nos toca.
O que Eco chama de “fascismo eterno” envolve muitas variáveis. No coquetel que nos coube na segunda década do século comparecem velhos conhecidos: o irracionalismo, a negação, explícita ou não, das bandeiras de igualdade, liberdade, fraternidade da Revolução Francesa (mas não da guilhotina, segundo um dos posts…), a repulsa à cultura e, portanto, à critica, o medo do diferente, o nacionalismo (mesmo caracterizado com as camisetas da pútrida CBF), a xenofobia, o elitismo ou desprezo aos mais fracos, a frustração, o machismo, o racismo, a intolerância. E, claro, a violência. A cereja do bolo.
É o que nos assola e, pela freqüência com que ocorre e falta de resposta, opera a sua própria naturalização. Como se sempre tivesse sido assim. Quando nem na ditadura o brutalismo tomou as ruas como o fez agora. Em São Paulo, epicentro do surto de insanidade que se alastra, pessoas são agredidas por vestirem vermelho. Um menino foi hostilizado por envergar a camiseta da seleção da Suíça. No Rio, uma cachorrinha enfeitada com um lenço vermelho acabou xingada de petralha no Leme junto com a dona. Dois incidentes que convertem tragédia em comédia e ilustram bem o matrimônio da burrice com a barbárie.
A sede do PCdoB foi incendiada em Campo Grande/MS. De um carro, homens lançaram uma bomba contra a sede do partido em Goiânia. Em São Paulo, outro endereço da legenda foi atingido. O diretório municipal do PT em Belo Horizonte sofreu três ataques apenas em março. Prédio arrombado, com computadores, telefones e mesas destruídos. Também em Goiânia e dois municípios paulistas, São José dos Campos e Ribeirão Preto, sedes petistas foram golpeadas. No dia 12, registrou-se investida contra o prédio da UNE, em São Paulo.
Somam 25 as agressões contra prédios de partidos de esquerda ou sindicatos desfechadas no país em somente 18 dias de março, ou seja, ataques diários desferidos contra a democracia. Com cobertura de imprensa burocrática ou inexistente. Vinte e cinco ações não são acaso. São um processo e uma ameaça.
Providências? Detenções? Ignora-se. Talvez porque a polícia esteja envolvida em outro front: no mesmo dia em que a UNE amargou seu ataque, a PM paulista invadiu reunião do PT em Diadema, realizada no Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD em ato típico dos meganhas da ditadura.
A flor carnívora que desabrocha não nasceu do nada. A semente foi plantada e vicejou. Alimenta-se sobre o monturo. Suas raízes bebem o chorume da velha mídia, a única força de oposição efetiva no país. Que encena o fim do mundo 24 horas por dia para, seletivamente, apontar, julgar e executar os culpados de sempre. Um processo de intoxicação, de narrativa uniforme e reiterada, cujas engrenagens trituram qualquer sombra de dúvida. Então, perdem-se as referências. Acata-se como corriqueira e perfeitamente aceitável a prática de prender pessoas sem julgamento por tempo indeterminado. De extrair delações de modo obscuro, transformar justiceiros em heróis e delatores em quase heróis da pátria, escolher e vazar depoimentos sigilosos, grampear presidentes, escorchar, dia e noite, em rede nacional figuras públicas que sequer são rés em qualquer processo. E chacinar o bode expiatório sem que importe a apuração isenta dos fatos. Tudo com o aval de vozes cúmplices ou simplesmente tolas dos meios de comunicação. Tudo está no seu lugar. Tudo é “normal”.
Um velho professor costumava usar uma frase altissonante na sua síntese do último dia da ordem democrática e do primeiro do arbítrio. Uma advertência sobre os tipos que a ruptura permitia, elegia e chancelava, muitas vezes estúpidos, ambiciosos e truculentos. “Depois do crepúsculo da democracia vem a alvorada dos canalhas”, prevenia, com um sorriso e uma batidinha no ombro.