terça-feira, 27 de setembro de 2016
Wells Fargo: O cambalacho já foi longe demais
23/9/2016, Rob Urie,* Counterpunch
Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu
Um dos aspectos politicamente mais frustrantes da última década no ocidente é a nenhuma disposição dos poderes que haja, para corrigir a disfunção radical que subjaz à economia política ocidental.
De fato, como microcosmo e como metáfora, aí está hoje diante de nós o 'escândalo' do banco Wells Fargo – cujos banqueiros criaram milhões de contas falsas, cobraram correspondentes 'tarifas' dos clientes e depois mandaram às favas os supostos reguladores (que tampouco manifestavam qualquer interesse em regular coisa alguma). Em 2011, quando se diz que o banco teria iniciado essa prática, o Wells Fargo ainda estava sendo ativamente 'resgatado', e tomavam-se medidas 'extraordinárias' para reviver as fortunas dos ricos e bem relacionados, e ainda não se sabia claramente que 'a mudança na qual você pode acreditar' significava total ressuscitamento do mesmo sistema que criara as repetidas crises das últimas décadas.
A incansável propaganda da recuperação econômica isolou lado 'a economia' do sistema mais amplo de controle político e econômico, e impôs um ciclo ascendente pesadamente 'arquitetado', como se fosse um novo estado de coisas permanente. Também criou a ficção de que fatos que centenas de milhões de pessoas tinham diante dos olhos não seriam fatos, nem ali estariam. Em lugar deles, só governos e bancos centrais de EUA, UE e Grã-Bretanha, a insistir que – dessa vez vai! – a recriação das circunstâncias que levaram às três mais recentes crises consecutivas levaria agora a resultados benevolentes, os quais seriam distribuídos com equanimidade.
O que o 'escândalo' de Wells Fargo põe às claras é que a única coisa que sempre é 'recuperada', cuja 'recuperação' é sempre bem-sucedida é o sistema de finança predatório que existe, com capitalistas institucionalizados que puseram a serviço deles uma pequena, mas muito poderosa plutocracia.
A luta de classes visível na atual temporada política foi lançada 'de cima' nos anos 1970s por capitalistas conectados – riqueza herdada com apoio de uma classe gerencial comprometida, com o objetivo de retomar o poder e o controle sobre a economia política ocidental. A promessa, feita contra os resultados reais de vários séculos de história imperial do ocidente, seria algo como uma prosperidade amplamente partilhada a ser alcançada graças à auto-realização limitada, à autocontenção, dos capitalistas democratas... O que realmente aconteceu é uma circunstância econômica fortemente declinante para muitas pessoas; uma rala prosperidade para os gerentes burgueses do 'apoio'; e uma nova Era Dourada para a classe que se autoenriquece, executivos das grandes empresas, os que herdam patrimônio e os predadores financeiros.
Aqui, novamente o caso do banco Wells Fargo serve como microcosmo exemplar – um porão de trabalho escravo financeiro para trabalhadores de baixa qualificação, comandado por executivos dedicados ao autoenriquecimento (e 'acionistas') cujo modelo de negócio implica usar poder social assimétrico para roubar todos que eles consigam roubar.
Inicialmente, só o banco Wells Fargo sabia que o cambalacho de abrir contas fraudulentas para cobrar taxas ilícitas era sistêmico. Sem saber do que estava acontecendo, clientes individuais acreditavam, de boa fé, que contas abertas fraudulentamente eram erros; tomados um a um, o dinheiro roubado de correntistas era muito pouco e não justificaria contratar advogados com o objetivo de reavê-lo; e em 2011, quando a fraude foi afinal notificada e supõe-se que teria começado, Wall Street já havia conquistado o 'direito', que o governo de (Barack) Obama garantiu-lhe, de criar documentos falsos e cobrar taxas ilícitas para despejar fraudulentamente milhões de tomadores de empréstimos garantidos por hipotecas.
A atual temporada de campanha política mostra duas alas da tungocracia [orig. griftocracy] que disputam uma mesma carcaça. Hillary Clinton e Donald Trump são renomados gerentões 'da patuleia', a saber, dos eleitores, sempre ativos a favor da riqueza e do poder como os temos hoje.
O banco Wells Fargo foi empoderado para fraudar e roubar clientes, primeiro pelos Clintons com as leis de desregulação, na sequência por Barack Obama mediante os 'resgates' sem qualquer consequência e os programas para falso alívio da tragédia das famílias despejadas.
John Stumpf, presidente do Wells, ‘gerencia' seu banco mais ou menos como Donald Trump administra seus negócios, servindo-se sempre do poder econômico assimétrico disfarçado como relações 'de mercado'. Fazendo pose de capitalistas supostos bem-sucedidos, os dois assaltam o dinheiro público que chega até eles sob a forma de 'resgates', privilégios, redução de impostos, tribunais 'especiais' e, mais importante, mediante o sistema de 'livre' empresa, pelo qual bater carteira de trabalhadores e consumidores é prática negocial generalizada.
Esse último ponto foi exposto e defendido com alarido e sem descanso durante os primeiros dias do governo Obama, quando os arquitetos da catástrofe econômica – Timothy Geithner, Larry Summers, Ben Bernanke e sortimento variado de apparatchiks do capitalismo financeiro estavam sendo escalados para enterrar os mortos e arquitetar uma 'recuperação' econômica que, não se entende como, talvez por milagre, não viu os que realmente careciam de tudo, e só 'recuperou' o sistema de finanças predatório que os pôs no comando e deu-lhes emprego e poder.
Só aquele sistema foi 'recuperado', e tornou os atores específicos em larga medida supérfluos.
As diferenças mais notáveis entre Hillary Clinton e Donald Trump aparecem nas respectivas políticas externas. Por isso a história da candidata Clinton, sociopata com obsessão por poder imperial, a compromete tão gravemente. Mas os dois candidatos são encarnações do ethos do batedor-de-carteiras que enriquece 'por méritos seus', da mesma classe da qual brotam banqueiros cambalacheiros como o do banco Wells Fargo.
Como ficou claro depois da última crise, a economia política que foi recuperada funciona mediante o emprego do poder social para esmagar trabalhadores e fraudar consumidores. Acrescentem-se colonialismo e neocolonialismo, e temos o imperialismo ocidental dos últimos vários séculos.
Nenhum dos candidatos dos grandes Partidos nos EUA cuidará de modo significativo da questão do aquecimento global, nem de reduzir as armas nucleares nem de reconstruir o poder do trabalho. Só promoverão os interesses dos grandes capitalistas interconectados, sob a máscara de que estariam cuidando do interesse público. O 'escândalo' do banco Wells Fargo é bom para uma rodada ou duas de encenação 'preocupação' política, para assegurar que o resultado seja mais e mais continuado apoio ao sistema que fabricou aquele banco e aquele escândalo.
A evidência de que Marx e Lênin identificaram muito claramente essas disfunções do capitalismo há mais de um século é indicação de que temos modelos analíticos eficientes a aplicar quando sejam necessários.
Finalmente, e é relevante para qualquer economista que tenha lido até aqui, bolhas financeiras tem consequências distribucionais (Gráfico 1) e também são economicamente desestabilizatórias. O modelo de 'fundos aplicáveis' que relaciona empréstimos bancários aos depósitos mediante taxas de juros perdeu o poder descritivo-explicativo em relação à financeirização da economia dos anos 1970s em diante. (E nunca foi mecanicamente acurado.)
O paradoxo criado por juros baixos na era atual é que eles motivam uma alavancagem financeira sempre crescente, que amplia a instabilidade econômica. Pode implementar uma gestão Keynesiana da demanda mediante políticas fiscais, sem a necessidade de juros perpetuamente baixos. Como o cambalacho do banco Wells Fargo sugere, como ponta visível do iceberg, o sistema hoje existente de capitalismo de finanças tem de ser posto abaixo, para que a reconciliação social seja possível.*****
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