21 de Setembro de 2016 - 16h12
Trabalho acadêmico mapeia a influência dos rentistas na manutenção das taxas em patamares elevados no Brasil.
À banca examinadora composta de representantes da instituição francesa, da Berlin School of Economics and Law, da Alemanha, e da Universidade Estadual de Campinas, a economista demonstrou que os argumentos utilizados até hoje não explicam a contento a taxa de juros real, pois o Brasil apresenta um efeito permanente muito superior ao verificado em outras economias.
Entre 1996 e 2014, período da estabilização da moeda nacional, a taxa de juros real média foi de 14,3%, quase o dobro da média mundial de 7,7%. A origem da anomalia, sugere a pesquisadora, é política e consiste no poder crescente dos rentistas, instituições e indivíduos com ganhos gerados pela condição de proprietários de ativos para assegurar uma política monetária favorável aos seus interesses.
“A minha análise incluiu a queda da taxa real durante o governo Dilma e a criação de uma oposição política que agregou os setores beneficiários dos juros altos, integrados essencialmente por rentistas, industrialistas que ganham com a financeirização e a classe trabalhadora qualificada, que possui investimentos em fundos de pensão. A aliança pressionou politicamente o governo pelo aumento da taxa e obteve seu maior sucesso com a substituição de Guido Mantega por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda”, descreveu a pesquisadora a CartaCapital.
A financeirização é a crescente dependência das empresas em relação às aplicações no mercado financeiro, alternativa à queda sistemática do retorno do investimento na sua atividade principal.
O resultado da financeirização, segundo vários autores, é a fusão crescente de interesses entre rentistas convencionais e capitalistas, com a ampliação do apoio às políticas de governo responsáveis pela manutenção dos juros elevados.
Quando um país adota o regime de metas de inflação, diz a economista, é possível argumentar que o seu banco central precisa responder à aceleração dos preços com o aumento do juro para derrubá-los. “O Brasil não tem, no entanto, uma inflação muito mais alta que a de outras economias similares sob regime de metas.”
O grupo analisado inclui Chile, Colômbia, Indonésia, México, Peru, Filipinas, Polônia, Tailândia, Turquia e África do Sul. Entre 1996 e 2014, o Brasil foi o único com “generosa taxa de juros acima de inflação no período todo, com o maior valor, de 24,68%, em 1998”. A taxa real mais baixa, de 0,54%, foi registrada em 2012, quando o governo reduziu a taxa nominal para 7,25%. A compressão dos juros reais para quase zero foi acompanhada por uma expansão significativa da massa salarial, centro da oposição entre interesses de classe subjacentes às políticas monetárias.
Tanto a ortodoxia quanto a heterodoxia têm explicações para os elevados juros reais do País, mas não elucidam a diferença gritante na comparação com aquelas de outras economias em situação semelhante ou até pior, destaca a pesquisadora. Essa constatação levou-a a medir as causas da taxa real por meio de análises empírica e econométrica.
“Um aspecto importante não levado em conta é que a classe rentista no Brasil tem um poder de barganha mais forte que nos demais países, e essa é a principal razão para a discrepância dos juros em relação a outras economias em desenvolvimento sob o mesmo regime monetário.”
A teoria do domínio da economia pelo rentismo é discutida por vários autores, no País e no exterior. “A hipótese da dissertação é de que as elites brasileiras agem politicamente para manter os juros reais em um patamar elevado de maneira a garantir seus lucros no topo”, destaca o economista Bruno Martarello De Conti, da Unicamp, orientador de Thereza Reis.
“A análise da economia política brasileira mostra que a financeirização da economia levou rentistas, industrialistas, as classes trabalhadora, média e alta com investimentos financeiros a assumir uma postura ambígua em relação à redução da taxa real sustentada pelo Banco Central durante os anos de 2012 e 2013 sob a ‘nova matriz econômica’ do governo Dilma Rousseff.”
A diretriz foi, no início, apoiada por industriais e sindicalistas reunidos no movimento por um Brasil com baixas taxas de juros: mais empregos e mais produção, de curta existência. Segundo o cientista político André Singer, a convergência seria um dos principais motivos para a formação de uma oposição às novas medidas econômicas, apesar de necessárias para aumentar o investimento, impulsionar o crescimento do PIB e o nível geral de emprego.
O Brasil é refém da influência do rentismo na determinação da taxa de juros, mas a situação não é imutável. “Elites como a da agricultura exportadora são contrárias a essa política por causa da valorização cambial que resulta da entrada de capitais e aos altos pagamentos que devem ser feitos pelos empréstimos realizados”, destaca a autora. O encaminhamento adotado pelo governo em 2012, de reduzir o juro real para diminuir o poder daqueles que vivem da renda de aplicações, tem pontos em comum com a situação definida na literatura econômica como “eutanásia dos rentistas”.
Defendida por John Maynard Keynes, em 1936, e Larry Randal Wray, da Universidade do Missouri, em 2007, entre outros, supõe que juros reais iguais a zero ou negativos inviabilizariam o parasitismo financeiro e direcionariam o lucro para uso no capital produtivo.
“Assim, os baixos retornos aos aplicadores seriam eficazes também em limitar o poder que eles têm sobre a política nacional”, explica a pesquisadora. Para os economistas heterodoxos, “juros elevados beneficiam os rentistas e prejudicam os trabalhadores e as indústrias”. Aqueles promovem a adoção da política de metas de inflação “porque visam inflação baixa para manter os preços dos seus ativos”. Economia2_918.jpg
A crescente independência dos bancos centrais em relação à maioria da sociedade possibilita aos rentistas dominar a elaboração de políticas econômicas em detrimento da indústria e do trabalho, argumentam os economistas Gerald Epstein, da Universidade de Massachusetts, e Demophanes Papadatos, da Universidade de Londres, mencionados na dissertação.
A crise financeira de 2008 evidenciou, nos países industrializados, a posição dos bancos centrais favorável àquele grupo. Os BCs foram os principais condutores dos esforços dos Estados para salvar as instituições financeiras por meio de operações de mercado aberto e trocas de ativos tóxicos ou imprestáveis por títulos públicos, com prejuízo, portanto, ao conjunto da sociedade.
O próprio regime de metas teria de ser revisto, defende o economista Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As evidências de que regimes com metas de inflação têm melhores resultados são inconclusivas.”
Além disso, o Brasil é um dos poucos países a adotá-lo no ano-calendário. “Muitos deles usam metas de dois anos. Há certa rigidez aqui.” Segundo alguns cálculos, o setor financeiro tem o dobro do tamanho necessário ao País e recebeu no ano passado perto de 500 bilhões de reais de juros da dívida pública, na posição de maior credor.
As elites agem politicamente para manter os juros altos?
Trabalho acadêmico mapeia a influência dos rentistas na manutenção das taxas em patamares elevados no Brasil.
Por Carlos Drummond
CTB
A confirmação pelo Banco Central, no dia 31, dos juros mantidos há mais de um ano em 14,25% cristaliza o País como caso raro de estabilidade no topo em um mundo com predominância de taxas zero, insignificantes ou cadentes. À ineficiência econômica e ao exotismo da situação no contexto internacional acrescenta-se outro recorde incômodo, o da maior taxa real média nos últimos 19 anos. A situação foi identificada em uma amostra de 11 países estudada por Thereza Balliester Reis e apresentada em dissertação de mestrado em junho, na Universidade de Paris.
À banca examinadora composta de representantes da instituição francesa, da Berlin School of Economics and Law, da Alemanha, e da Universidade Estadual de Campinas, a economista demonstrou que os argumentos utilizados até hoje não explicam a contento a taxa de juros real, pois o Brasil apresenta um efeito permanente muito superior ao verificado em outras economias.
Entre 1996 e 2014, período da estabilização da moeda nacional, a taxa de juros real média foi de 14,3%, quase o dobro da média mundial de 7,7%. A origem da anomalia, sugere a pesquisadora, é política e consiste no poder crescente dos rentistas, instituições e indivíduos com ganhos gerados pela condição de proprietários de ativos para assegurar uma política monetária favorável aos seus interesses.
“A minha análise incluiu a queda da taxa real durante o governo Dilma e a criação de uma oposição política que agregou os setores beneficiários dos juros altos, integrados essencialmente por rentistas, industrialistas que ganham com a financeirização e a classe trabalhadora qualificada, que possui investimentos em fundos de pensão. A aliança pressionou politicamente o governo pelo aumento da taxa e obteve seu maior sucesso com a substituição de Guido Mantega por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda”, descreveu a pesquisadora a CartaCapital.
A financeirização é a crescente dependência das empresas em relação às aplicações no mercado financeiro, alternativa à queda sistemática do retorno do investimento na sua atividade principal.
O resultado da financeirização, segundo vários autores, é a fusão crescente de interesses entre rentistas convencionais e capitalistas, com a ampliação do apoio às políticas de governo responsáveis pela manutenção dos juros elevados.
Quando um país adota o regime de metas de inflação, diz a economista, é possível argumentar que o seu banco central precisa responder à aceleração dos preços com o aumento do juro para derrubá-los. “O Brasil não tem, no entanto, uma inflação muito mais alta que a de outras economias similares sob regime de metas.”
O grupo analisado inclui Chile, Colômbia, Indonésia, México, Peru, Filipinas, Polônia, Tailândia, Turquia e África do Sul. Entre 1996 e 2014, o Brasil foi o único com “generosa taxa de juros acima de inflação no período todo, com o maior valor, de 24,68%, em 1998”. A taxa real mais baixa, de 0,54%, foi registrada em 2012, quando o governo reduziu a taxa nominal para 7,25%. A compressão dos juros reais para quase zero foi acompanhada por uma expansão significativa da massa salarial, centro da oposição entre interesses de classe subjacentes às políticas monetárias.
Tanto a ortodoxia quanto a heterodoxia têm explicações para os elevados juros reais do País, mas não elucidam a diferença gritante na comparação com aquelas de outras economias em situação semelhante ou até pior, destaca a pesquisadora. Essa constatação levou-a a medir as causas da taxa real por meio de análises empírica e econométrica.
“Um aspecto importante não levado em conta é que a classe rentista no Brasil tem um poder de barganha mais forte que nos demais países, e essa é a principal razão para a discrepância dos juros em relação a outras economias em desenvolvimento sob o mesmo regime monetário.”
A teoria do domínio da economia pelo rentismo é discutida por vários autores, no País e no exterior. “A hipótese da dissertação é de que as elites brasileiras agem politicamente para manter os juros reais em um patamar elevado de maneira a garantir seus lucros no topo”, destaca o economista Bruno Martarello De Conti, da Unicamp, orientador de Thereza Reis.
“A análise da economia política brasileira mostra que a financeirização da economia levou rentistas, industrialistas, as classes trabalhadora, média e alta com investimentos financeiros a assumir uma postura ambígua em relação à redução da taxa real sustentada pelo Banco Central durante os anos de 2012 e 2013 sob a ‘nova matriz econômica’ do governo Dilma Rousseff.”
A diretriz foi, no início, apoiada por industriais e sindicalistas reunidos no movimento por um Brasil com baixas taxas de juros: mais empregos e mais produção, de curta existência. Segundo o cientista político André Singer, a convergência seria um dos principais motivos para a formação de uma oposição às novas medidas econômicas, apesar de necessárias para aumentar o investimento, impulsionar o crescimento do PIB e o nível geral de emprego.
O Brasil é refém da influência do rentismo na determinação da taxa de juros, mas a situação não é imutável. “Elites como a da agricultura exportadora são contrárias a essa política por causa da valorização cambial que resulta da entrada de capitais e aos altos pagamentos que devem ser feitos pelos empréstimos realizados”, destaca a autora. O encaminhamento adotado pelo governo em 2012, de reduzir o juro real para diminuir o poder daqueles que vivem da renda de aplicações, tem pontos em comum com a situação definida na literatura econômica como “eutanásia dos rentistas”.
Defendida por John Maynard Keynes, em 1936, e Larry Randal Wray, da Universidade do Missouri, em 2007, entre outros, supõe que juros reais iguais a zero ou negativos inviabilizariam o parasitismo financeiro e direcionariam o lucro para uso no capital produtivo.
“Assim, os baixos retornos aos aplicadores seriam eficazes também em limitar o poder que eles têm sobre a política nacional”, explica a pesquisadora. Para os economistas heterodoxos, “juros elevados beneficiam os rentistas e prejudicam os trabalhadores e as indústrias”. Aqueles promovem a adoção da política de metas de inflação “porque visam inflação baixa para manter os preços dos seus ativos”. Economia2_918.jpg
A crescente independência dos bancos centrais em relação à maioria da sociedade possibilita aos rentistas dominar a elaboração de políticas econômicas em detrimento da indústria e do trabalho, argumentam os economistas Gerald Epstein, da Universidade de Massachusetts, e Demophanes Papadatos, da Universidade de Londres, mencionados na dissertação.
A crise financeira de 2008 evidenciou, nos países industrializados, a posição dos bancos centrais favorável àquele grupo. Os BCs foram os principais condutores dos esforços dos Estados para salvar as instituições financeiras por meio de operações de mercado aberto e trocas de ativos tóxicos ou imprestáveis por títulos públicos, com prejuízo, portanto, ao conjunto da sociedade.
O próprio regime de metas teria de ser revisto, defende o economista Luiz Fernando de Paula, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “As evidências de que regimes com metas de inflação têm melhores resultados são inconclusivas.”
Além disso, o Brasil é um dos poucos países a adotá-lo no ano-calendário. “Muitos deles usam metas de dois anos. Há certa rigidez aqui.” Segundo alguns cálculos, o setor financeiro tem o dobro do tamanho necessário ao País e recebeu no ano passado perto de 500 bilhões de reais de juros da dívida pública, na posição de maior credor.
Fonte: Carta Capital
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