O brasileiro acha chique visitar Paris, Roma, Berlim, mas a Europa é, em essência, tudo o que a classe média odeia
By Ivana Ebel*
Tenho passado boas horas no Youtube, recentemente, acompanhando vídeos de brasileiros que foram morar em outros países. Tenho feito isso para entender mais da ferramenta, dos bordões, do que faz um canal ter sucesso ou não. Entenda como pesquisa de mercado, se quiser.
Nessa aventura pelo pensamento do brasileiro imigrante, todos falam de sua vida e, inevitavelmente, acabam comparando o que encontram quando voltam ao Brasil com o que vivenciam do lado de cá. Em todos os vídeos que abordam o tema, o principal espanto é o machismo, o racismo, a homofobia e o desrespeito pelo próximo no Brasil.
Viver em uma sociedade com valores diferentes faz com que brasileiros de todas as classes, credos e origens, que tiveram a chance de sair do país, consigam ver que os problemas do Brasil vão muito além da política e da economia, mas que têm uma direta conexão com ela. Aqui fora, fica mais evidente que o sonho de muito brasileiro de classe média pode ser morar na Europa, mas que o que a Europa representa (e se esforça para ser), em geral, é o resumo de tudo o que o brasileiro médio detesta. Não me ententa mal aqui: não se trata de colonialismo. Já explico.
Hoje, caí na besteira de ler os comentários em uma matéria que falava sobre a redução do bolsa família e teve quem chamou o momento político do país de “golpe de sorte”, por que “agora esses vagabundos vão ter que parar de fazer filho sustentados pelo dinheiro do cidadão de bem e terão que trabalhar”. No entanto, na Europa, os países com maior sucesso econômico são justo aqueles que têm os mais abrangentes planos de distribuição de renda.
Enquanto o brasileiro médio sonha com Paris, Roma, Berlim e o Bolsonaro, mais países europeus avançam em debates sobre a liberação das drogas e a regulamentação da prostituição, como já faz a Holanda. Aborto é um direito conquistado, debates de gênero são estimulados dentro das mais renomadas instituições de ensino. O estado é (quase sempre) laico. Ninguém tem armas e nem pensa em sua liberação. Serviços de limpeza doméstica tem que respeitar o valor mínimo por hora, assim como os profissionais que cuidam de crianças, dos jardins ou que trabalham em bares e restaurantes. Existe diferença social? Infelizmente existe, mas é muito, muito menor do que se vê no Brasil.
O ensino gratuito – ou financiado pelo governo em forma de empréstimo estudantil – permite que cada vez mais famílias tenham seus integrantes com diploma superior. No entanto, não é preciso ter uma profissão com formação universitária para conquistar uma vida digna. Mas é preciso saber que uma vida digna, por aqui, é para todos e não inclui escravos domésticos: cada um limpa seu banheiro, cuida do quintal e vai de transporte coletivo ou de bicicleta, usando ciclovias, de um lado para o outro. Por aqui, “piadas” racistas não são aceitas, igualdade de gênero é assunto sério, homofobia é crime. É perfeito? Não. E está longe de ser, especialmente em relação a etnias minoritárias, refugiados e parcelas mais vulneráveis da socidade. Mas não é tão ruim como no Brasil.
Foi isso que os youtubers perceberam. No geral, é isso que se sente: no velho mundo há uma certa maturidade de valores, há mais respeito, há acesso a renda mínima, saúde e educação. O estado é mais paternalista, quando se trata do bem estar social. E isso faz a diferança. A classe média brasileira, que chama bolsa família de bolsa esmola, que acredita no Bolsomito, aspira grandeza e acha chiquérrimo ir para Paris, Roma ou Berlim. Mas a “Europa Mágica” da viagem de férias é, em essência, tudo o que essa gente mais odeia dentro de casa.
* A autora é jornalista, doutora em Ciências Midiáticas e da Comunicação, professora universitária e pesquisadora.
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