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terça-feira, 11 de abril de 2017

Varoufakis descreve a Europa tirânica


Greek Australian economist Yanis Varoufakis presents his new book in Athens on January 16, 2015. Greece's new Prime Minister Alexis Tsipras is set to unveil his anti-austerity coalition government on January 27, 2015, including the key post of finance minister who will take the push for a reduction in the country's massive bailout to Brussels. Yannis Varoufakis, an outspoken 53-year-old political economist who holds dual Greek and Australian nationality, is seen as the favorite to take the Economy ministry. AFP PHOTO/ Louisa Gouliamaki (Photo credit should read LOUISA GOULIAMAKI/AFP/Getty Images)
Ao sufocar, na Grécia, as chances de uma Europa Social, elites abriram caminho para xenofobia e ressentimento. Estão apavoradas, mas têm apenas a si próprias para culpar. Talvez haja tempo para uma união progressista 
Por Yanis Varoufakis, em Carta Maior
No dia 25 de março, os governantes europeus reuniram-se no local de nascimento do “Projeto Europeu” para celebrar 60º aniversário do Tratado de Roma. Mas o que há, de fato, para celebrar? Estarão celebrando a desintegração da Europa, que denominam agora de Europa de “múltiplas velocidades” ou de Europa de “geometria variável”? Ou aplaudem a perspectiva do “business as usual” de todas as crises – um enfoque que atiçou as chamas do nacionalismo xenofóbico por toda a União Europeia?
Mesmo eurófilos cabeça-duras admitem que a reunião de Roma parecia mais um velório que uma festa. Alguns dias depois, a primeira ministra britânica, Theresa May, enviou uma carta à União Europeia formalizando o início da lenta, mas irreversível, saída do Reino Unido.
O “establishment” liberal em Londres e no continente está perplexo como o novo populismo está rasgando a Europa. Como os Bourbons, eles não aprendem nada e não se esquecem de nada. Nem por um instante pararam para uma auto-reflexão crítica, e agora fingem-se chocados com o vazio de legitimidade e a paixão anti-establishment que ameaça o status quo e, consequentemente, sua autoridade.
Em 2015, eu frequentemente adverti os credores da Grécia – a “crème de la crème” do establishment liberal internacional que estrangular o novo governo no seu berço não seria dos seus interesses. Se a nosso desafio progressista, democrático e europeísta, fosse liquidado — disse a eles — a crise aprofundada produziria uma onda  anti-europeia, xenófoba e iliberal, não apenas na Grécia mas em todo o continente.
Como gigantes despreocupados, eles não atentaram aos presságios. A breve rebelião da Grécia contra a depressão permanente foi  impiedosamente sufocada no verão de 2015. Foi um golpe moderno: as instituições europeias utilizaram os bancos, não tanques. Diferentemente dos golpes que sufocaram a democracia grega em 1967 e a “Primavera de Praga” checa um ano após, os usurpadores usaram ternos e tomavam água mineral.
Na versão oficial dos fatos, a União Europeia foi obrigada a intervir para levar uma população cheia de caprichos de volta ao caminho da retidão fiscal e das reformas estruturais.  Na realidade, a principal preocupação dos líderes do golpe era evitar admitir o que vinham fazendo desde 2010: estender a falência generalizada da Grécia forçando-a a pagar novos  empréstimos da Europa lastreados em recursos advindos de impostos, condicionados a crescente austeridade que apenas poderia reduzir a renda nacional grega ainda mais. No entanto, o único modo de continuar com isso em 2015 era empurrar a Grécia ainda mais fundo para a  insolvência. E isso demandava sufocar a primavera grega.
Interessante que o documento de rendição do primeiro ministro da Grécia, aprovado pelo Parlamento, foi declarado como sendo escrito a pedido das autoridades gregas. Como os líderes da Checoslováquia em 1968, forçados pelo Kremlin a assinar uma carta convidando o Pacto de Varsóvia a invadir seu país, exigiu-se da vítima fingir que havia solicitado a punição. A União Europeia apenas respondia compassivamente ao pedido. A Grécia experimentou coletivamente o tratamento que os pobres recebem no Reino Unido, quando demandam os benefícios a que têm direito nos centros de atendimento ao trabalhador, onde precisam aceitar a responsabilidade pela humilhação e afirmar platitudes condescendentes  como: “minhas únicas limitações são aquelas que eu mesmo me coloquei”.
A ocasião punitiva do establishment europeu foi acompanhada de uma perda de toda auto-contenção. Como ministro de finanças grego, no começo de 2015, aprendi que os salários do Presidente, executivo-chefe e membros da direção do banco central grego (Hellenic Financial Stability Facility – HFSF) eram estratosféricos. Para economizar, mas também para restaurar a equidade, anunciei um  corte salarial em torno de 40%, correspondente à média das reduções salariais por toda a Grécia a partir da crise de 2010.
A União Europeia, tão zelosa em diminuir minha remuneração de ministro e os salários e pensões, não aderiu à minha decisão. A Comissão Europeia exigiu que a revertesse: afinal, esses salários iam para funcionários selecionados pelos burocratas da EU – pessoas que consideravam como um deles. Após a EU forçar nosso governo à submissão e após minha demissão, aqueles salários foram aumentados em 71% – o pagamento anual dos executivos-chefes foi elevado a 220 mil euros (R$ 732 mil). No mesmo mês, aposentados recebendo 300 euros (R$ 1.000) por mês teriam esses proventos cortados em até 100 euros.
Houve um tempo em que a característica fundamental do projeto liberal era, nas palavras inspiradoras de John Kennedy, a disponibilidade para “pagar qualquer preço, suportar qualquer fardo, vencer qualquer vicissitude, apoiar qualquer amigo, opor-se a qualquer adversário, para assegurar a sobrevivência e o sucesso da liberdade”. Mesmo neoliberais, como Ronald Reagan e Margaret Tatcher, empenharam-se em conquistar corações e mentes, para convencer a classe trabalhadora que cortes de impostos e desregulamentações eram de seu próprio interesse.
Infelizmente, após a crise econômica europeia, algo diferente do liberalismo, ou mesmo neoliberalismo, tomou conta do nosso establishment, aparentemente sem ninguém dar-se conta. A Europa tem agora um establishment fortemente iliberal que nem mesmo busca conquistar a população.
A Grécia é apenas o começo. A repressão à primavera grega de 2015 interrompeu o grande ofensiva do partido de esquerda na Espanha. Sem dúvida, muitos de seus eleitores potenciais temeram um destino similar ao nosso. E, tendo observado o desdém com a democracia na Grécia, na Espanha, e em outros lugares, muitos apoiadores do Partido Trabalhista Britânico votaram pelo Brexit, que, por sua vez, impulsionaram Donald Trump, cujo triunfo nos Estados Unidos soprou as velas dos nacionalistas xenofóbicos por toda Europa e no mundo.
Agora que o assim chamado establishment liberal está sentindo a reação nacionalista fanática que seu próprio iliberalismo provocou, ele está respondendo um pouco como o parricida proverbial que apela à justiça por leniência, sob o argumento de que agora é um órfão. É tempo de dizer às elites europeias que eles têm apenas a si próprios para culpar. E é tempo que os progressistas juntem forças e recuperem a democracia europeia do establishment que perdeu seu rumo e ameaça a unidade europeia.
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