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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Do ódio como ferramenta política


Joan Edesson de Oliveira *

“E ele suspirava de ódio, como se fosse por amor; mas, no mais, não se alterava. De tão grande, o dele não podia mais ter aumento: parava sendo um ódio sossegado. Ódio com paciência; o senhor sabe?” (Riobaldo, sobre Diadorim, em Grande Sertão: Veredas)


O ódio, definitivamente, perdeu o medo da claridade. Expõe-se à luz do dia, sem pejo, sem constrangimento. Começou, sorrateiro, a dar as suas caras nas redes sociais. Analfabetos políticos principiaram por babá-lo contra o comunismo, o Foro de São Paulo, as políticas sociais e uma série de outras questões das quais, na maioria das vezes, sequer sabiam o significado. De repente você se deparava com alguém, seu amigo virtual, que até então postava apenas piadinhas sem graça e citações de autores que nunca lera, a vociferar contra a “Dilmanta”, o “Luladrão” e coisas do tipo. Parecia, em princípio, apenas um ingênuo recurso de gente preocupada com o “crescimento da corrupção”. Por isso mesmo, porque a princípio pareceu inofensivo, é que permitimos que ele crescesse. Sempre que conversei com amigos sobre a minha preocupação com esse ódio, ouvi, de vários deles, certo menosprezo: “Não se preocupe, isso é bobagem, coisa das redes sociais, não há razão para se preocupar com isso.”

Porque não nos preocupamos bastante, e por encontrar solo fértil nos tempos extremos que vivemos, o ódio vicejou forte e saudável. A chamada classe média o acolheu de braços abertos, pronta a lhe amplificar a voz. Lideranças políticas conservadoras, que até então aparentavam certo comedimento nas suas falas, passaram a agir e falar como os fortões das redes sociais. Humoristas, atores, intelectuais, jornalistas, praticamente unificaram o seu discurso e a sua linguagem, que apresentava o mesmo e único conteúdo, o ódio.

Chegamos a um ponto em que é difícil distinguir as falas de Aloysio Nunes, Danilo Gentili, Marco Villa, Rachel Sheherazade, das de qualquer imbecil do facebook, destes que abusam dos palavrões, das maiúsculas, das interjeições infinitas e dos “kkkks”.

E é aqui que reside o maior perigo. Uma legião de conservadores da pior espécie descobriu que o discurso do ódio poderia facilmente encobrir o seu real discurso, de ataque à democracia, aos direitos trabalhistas, às conquistas sociais. Chamar um professor de vagabundo, acusá-lo de ter férias maiores que os outros trabalhadores, dizer que as suas aulas são ruins, tudo isso proferido num tom raivoso e com os olhos esbugalhados de falsa indignação, de preferência com alguma imagem montada especialmente para criar comoção, é muito mais eficaz do que discorrer sobre um tratado de economia liberal. Esse discurso encontrará eco facilmente enquanto, sem muito alarde, os que operam nas sombras dos bastidores encaminham a quebra de direitos e pisoteiam sobre as conquistas do povo.

O discurso do ódio, via de regra vestido com um manto de indignação e proferido com olhos esbugalhados em rostos apopléticos, ilude alguns e amedronta outros tantos. Por isso ele virou uma arma tão presente na quadra que atravessamos. Por isso ele cresceu tanto. Nos nossos círculos de amizade ou mesmo nas nossas famílias, há sempre um disposto a brandi-lo, feito maça nas mãos de guerreiro ensandecido, com pose de paladino da moral.

Outro dia, enquanto esperava a vez de aparar os cabelos brancos, um senhor calmo e pacato, ao ver a notícia de que a polícia matara um assaltante, transformou-se de imediato, como que tomado pelo “espírito do ódio”:

─ Olha, quando eu vejo a notícia de que a polícia matou um bandido, é como se fosse um gol da seleção. Eu vibro, eu comemoro.

E dizia isso com genuína alegria, com euforia mesmo. Compreendi, naquele momento, que o ódio estava ganhando a batalha. E não é o ódio de Diadorim contra o Hermógenes e o Ricardão, relatados por Riobaldo no alto da coluna. Não é um ódio sossegado, com paciência. O que saltou das redes sociais para as ruas e para os nossos lares é um ódio desembestado, que tomou o freio nos dentes e transformou-se em poderosa arma política. Se não o enfrentarmos, dentro em pouco figuras como Bolsonaro poderão ser apenas uma expressão menor desse ódio.    



* Educador, Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará.

- do Portal Vermelho
31 de Julho de 2016 - 19h48

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