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quinta-feira, 9 de julho de 2015

Por trás da crise grega


09.07.2015 
 
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Ao focar exclusivamente os aspectos monetários da crise grega, a narrativa construída e distribuída pela mídia perde de vista grande parte do que realmente atormenta os gregos e também do que poderia possibilitar alguma solução.


Por mais de meio século, os gregos viveram tempos de grande perigo. Nos anos 1930s, viveram sob uma ditadura brutal, cujo modelo foi a Alemanha Nazista, com polícia secreta copiada da Gestapo e com os dissidentes mandados para morrer num campo de concentração numa ilha. E então, aconteceu coisa estranhíssima: Benito Mussolini invadiu a Grécia. 

Para proteger o autorrespeito e o próprio país, os gregos puseram de lado o ódio contra a ditadura de Metaxas e uniram-se para combater o invasor estrangeiro. Os gregos fizeram tão belo trabalho na defesa do país deles, que Adolf Hitler teve de adiar a invasão da Rússia, para ir até lá resgatar os fascistas italianos.

Há quem diga que esse movimento pode ter salvo Josef Stalin, porque o adiamento forçou a Wehrmacht a combater na lama, neve e gelo da Rússia, condições para as quais não estava preparada. Mas, ironicamente, isso também salvou a ditadura de Metaxas e a monarquia. 

O rei e os mais altos oficiais gregos fugiram para o Egito então ocupado pela Grã-Bretanha e, como novos aliados, foram declarados parte do "Mundo Livre".

Enquanto isso, na Grécia, os alemães saqueavam grande parte da indústria grega, dos estaleiros e estoques de comida. Os gregos passaram fome. Como Mussolini disse então, "os alemães tiraram dos gregos até os cordões dos sapatos." 

Então os gregos começaram a reagir. Em outubro de 1942, iniciaram um movimento de resistência que, em dois anos, tornou-se o maior da Europa. 

Quando a França se orgulhava dos seus menos de 20 mil partisans, o movimento da resistência grega alistara 2 milhões de resistentes, e já derrotara pelo menos duas divisões de soldados alemães. E sem nenhuma ajuda externa. 

Quando o desfecho da guerra começou a se configurar, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill decidiu devolver a Grécia ao regime de antes da guerra, com a monarquia e o antigo governo. Temia a influência dos comunistas ativos dentro do movimento de resistência. 

Churchill tentou conseguir que o exército anglo-americano, que se aprontava para invadir a Itália, invadisse não a Itália, mas a Grécia.

 Fato é que tanto insistiu nessa mudança no plano de guerra que quase rompeu a aliança militar dos Aliados. Quando não conseguiu o que queria, mandou para a Grécia todos os soldados que ainda estavam sob o comando dele. 

Com isso precipitou uma guerra civil que rachou ao meio o país. Os líderes da resistência clandestina foram derrotados e o movimento foi esmagado. A burocracia, a polícia e os programas da ditadura do pré-guerra retomaram o controle do país. 

Depois da guerra, com a Grã-Bretanha já arruinada e sem meios para sustentar sua política imperial, Londres entregou a Grécia aos norte-americanos que anunciaram a "Doutrina Truman" e afogaram o país em dinheiro, com o que impediram o sucesso eleitoral da esquerda. 

O dinheiro norte-americano funcionou bem por algum tempo, mas a mão pesada da ditadura criou uma nova geração de supostos democratas que desafiaram a ditadura. 

Esse é o tema belamente exposto no filme Z, de Costa Gavras, estrelado por Yves Montand. Como o filme mostra, o movimento liberal do início dos anos 1960s foi derrotado por uma nova ditadura militar, "o governo dos coronéis". 

Quando a junta militar foi derrubada em 1974, a Grécia conheceu um breve período de 'normalidade', mas nenhuma das fissuras profundas que havia na sociedade haviam sido realmente remediadas. Independente de que partido político designasse os ministros, a burocracia sempre autoperpetuada continuava no controle. A corrupção era generalizada. 

E, mais importante que tudo isso, a Grécia tornara-se um sistema político que Aristóteles chamaria de oligarquia. 

Os muito ricos usavam o dinheiro para criar para eles mesmos um estado dentro do estado.

 Estenderam seu poder para todos os nichos da economia e construíram o sistema bancário grego de modo que se tornou essencialmente extra-territorializado. 

O porto de Piraeus encheu-se de megaiates de gente que não pagava impostos e Londres foi comprada, pelo menos em boa parte, por gente que sangrava a economia grega. Todo o dinheiro "inteligente" [orig. "smart money"] da Grécia estava aplicado fora do país. 

A crise atual 

Esse estado de coisas poderia ter durado muito mais tempo, mas quando a Grécia uniu-se à União Europeia em 1981, banqueiros europeus (principalmente alemães) farejaram uma oportunidade: voaram em bandos para a Grécia, para oferecer empréstimos. Até quem não tinha renda que tornasse razoável qualquer empréstimo ganhou empréstimos. 

Na sequência, os banqueiros começaram a cobrar pagamentos. Chocados, os empresários começaram a demitir. O desemprego cresceu. As oportunidades evanesceram. 

Não há qualquer remota chance de aqueles empréstimos serem pagos. Nunca deveriam ter sido oferecidos e nunca deveriam ter sido aceitos. Para manter-se à tona o governo cortou em serviços públicos (não cortou gastos militares) e o povo sofreu muito.

 Nas eleições de 2004, o povo ainda não havia sofrido o suficiente a ponto de eleger a coalizão radical liderada pelo partido "Unidade" (SYRIZA). Naquele ano, o partido recebeu apenas 3,3% dos votos. 

Então, depois do crash financeiro de 2008 vieram anos de dificuldades que aumentavam dia a dia, todos os políticos eram considerados culpados de tudo e havia muita ira. 

Era ira popular, dos que se sentiam desorientados pelos banqueiros e pela própria loucura. Não havia esperança nem havia saída à vista, e os gregos começaram a virar-se na direção do partido SYRIZA. 

Depois de várias tentativas, afinal nas eleições de 2015 o SYRIZA alcançou 36,3% dos votos, e elegeu 249 dos 300 membros do Parlamento. 

Hoje, as condições que empurraram na direção dessa eleição são ainda mais graves: a renda nacional da Grécia caiu 25% e o desemprego entre os mais jovens é superior a 50%. Assim sendo, o que resta aos negociadores fazer? 

Com Alemanha e UE a exigir mais e mais arrocho, os gregos estão furiosos. Há no país memórias profundas de ódio aos alemães (antes eram soldados, agora são banqueiros). 

Os gregos foram mal interpretados, mal representados e traídos pelos seus próprios políticos vezes sem conta. 

O primeiro-ministro Alexis Tsipras sabe que, se for marcado com o rótulo "vendido", sua carreira está acabada. 

E o pacote do dito 'resgate' que o FMI e o BCE ofereceram pesa muito contra a Grécia. Os gregos veem a opção de sair do euro como semelhante à posição que Grã-Bretanha e Suécia assumiram desde o início, de não adotar a moeda europeia -, mas terá de haver ajuste doloroso para a economia grega, caso a Grécia tome a decisão, sem precedentes, de desligar-se do euro. 

Mesmo assim - a menos que FMI e BCE façam nova oferta, que tragam alguma coisa que dê aos gregos chance de uma vida melhor e cancelem parte significativa da dívida -, entendo que os gregos acertarão se votarem "Não", no domingo; se rejeitarem as demandas dos banqueiros, que querem mais e mais arrocho; e se se abandonarem o euro. *****

 

2/7/2015, William R. Polk, Consortium News

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