Economista vencedor do Nobel diz que ‘bullying’ contra os gregos foi um momento vergonhoso para uma Europa democrática
NOVA YORK - A Europa se esquivou de uma bala no domingo. Confundindo muitas previsões, os eleitores gregos apoiaram fortemente a rejeição de seu governo às demandas dos credores. E mesmo os apoiadores mais fervorosos da União Europeia devem estar suspirando de alívio.
Claro, esta não é a forma que os credores gostariam que você enxergasse. A versão deles, ecoada por muitos da imprensa de negócios, é de que a falência na tentativa de intimidar a Grécia ao consentimento foi um triunfo de irracionalidade e irresponsabilidade sobre bons conselhos tecnocráticos.
Mas a campanha de bullying — a tentativa de aterrorizar os gregos ao cortar financiamento bancário e ameaçar o caos geral, tudo com a meta quase escancarada de empurrar a corrente esquerdista do governo para fora — foi um momento vergonhoso em uma Europa que afirma acreditar em princípios democráticos. Isso teria instalado um terrível precedente se a campanha obtivesse sucesso, mesmo se os credores tivessem razão.
E mais, eles não tinham. A verdade é que os tecnocratas de estilo próprio da Europa são como médicos medievais que insistiam em sangrar os pacientes — e quando o tratamento oferecido deixasse os pacientes ainda mais doentes, demandavam ainda mais sangue. O “sim” na Grécia teria condenado o país a anos de mais sofrimento sob políticas que não têm dado certo e, de fato, dada a aritmética, não funcionam: austeridade provavelmente afunda a economia mais rápido do que reduz a dívida, de modo que todo o sofrimento não serve a propósito algum. A vitória esmagadora do lado “não” oferece ao menos a chance de uma fuga desta armadilha.
Mas como tal saída pode ser administrada? Há alguma maneira de a Grécia permanecer na zona do euro? E isso é desejável em algum caso?
A questão mais imediata envolve os bancos gregos. Antes do referendo, o Banco Central Europeu (BCE) cortou o acesso a fundos adicionais, ajudando a precipitar o pânico e a forçar o governo a impor um feriado bancário e o controle de capitais. O banco central agora enfrenta uma escolha incômoda: se mantiver o financiamento normal, estará admitindo que o congelamento prévio foi político, mas se não, vai efetivamente forçar a Grécia a introduzir uma nova moeda.
Especificamente, se o dinheiro não começar a fluir de Frankfurt (sede do BCE), a Grécia não terá opção a não ser começar a pagar salários e pensões com promessas de pagamento, o que de fato seria uma moeda paralela — e poderá se tornar em breve a nova dracma.
Suponhamos, por outro lado, que o BCE retome a linha de financiamento normal, e a crise bancária seja amenizada. Ainda resta a questão de como restaurar o crescimento econômico.
Nas negociações fracassadas que levaram ao referendo de domingo, o ponto central era a demanda da Grécia por alívio permanente da dívida, para remover a ameaça que pairava sobre a economia. A troika — as instituições que representam os interesses dos credores — recusou, apesar de sabermos agora que um dos membros da troika, o Fundo Monetário Internacional, havia concluído independentemente que a dívida grega não pode ser paga. Mas será que vão reconhecer agora que a tentativa de retirar a coalizão de esquerda do governo fracassou?
Não faço ideia — e, de qualquer forma, existe agora um argumento forte de que a saída da Grécia do euro é a melhor das piores opções.
Imagine, por um momento, que a Grécia nunca tivesse adotado o euro, que ela tivesse somente fixado o valor da dracma em termos de euros. O que análises econômicas básicas diriam que ela deveria fazer agora? A resposta, esmagadoramente, seria que ela deveria desvalorizar a moeda — deixar o valor da dracma cair, tanto para estimular exportações e quebrar o ciclo de deflação.
Claro, a Grécia não tem mais uma moeda própria, e muitos analistas afirmavam que a adoção do euro era um movimento irreversível — afinal, qualquer insinuação de saída da zona do euro acarretaria corridas bancárias e crise financeira. Mas, neste ponto em que a crise financeira já aconteceu, os custos maiores da saída do euro já foram pagos. Por que, então, não buscar os benefícios?
A saída da Grécia do euro funcionaria tão bem quanto a desvalorização bem-sucedida da Islândia em 2008-2009, ou o abandono da Argentina da política “um peso, um dólar” em 2001-2002? Talvez não, mas considere as alternativas. A menos que a Grécia receba realmente um alívio principal da dívida, e talvez ainda assim, abandonar o euro oferece a única rota de fuga plausível do seu interminável pesadelo econômico.
E sejamos claros: se a Grécia terminar fora do euro, não significa que os gregos são europeus maus. O problema da dívida do país reflete concessão e recebimento de empréstimos irresponsáveis, e, de qualquer maneira, os gregos pagaram pelos pecados do seu governo muitas vezes. Se eles não conseguem ser bem-sucedidos com a moeda comum da Europa, é porque tal moeda não oferece nenhuma trégua a países com problemas. A coisa mais importante agora é fazer o que for preciso para estancar o sangramento.
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