Do blog do Renato
Elias Jabbour*
Dia 1º de julho de 1994 ainda é motivo de comemoração. “De lá para cá uma população cansada do jugo de uma inflação galopante passou a ter na moeda um motivo de orgulho, somente comparável ao futebol”. “A estabilidade monetária foi uma conquista estertora de muitas outras que vieram na sequência”. “Estabeleceu-se um Estado responsável, capaz de dar conta de suas obrigações orçamentárias e promover tranquilidade ao povo dada a estabilidade de preços alcançada desde então”. (Atenção redatores da revista Veja: estas frases são tiradas das matérias publicadas nos últimos dias na imprensa comercial do país).
Certamente são essas as palavras mais ditas e ouvidas a cada aniversário de anúncio do Plano Real. E a claque é ampla, multifacetada encetando uma conspiração silenciosa sobre a verdade nos fatos que mesmo os que torcem o nariz não se arriscam a dizer algo mais de fundo.
Instituição e linguagem se entrelaçam formando um senso comum, uma verdade única e uma máquina capaz de proscrever, politicamente, qualquer um que ouse dizer o contrário.
O ambiente é de uma ditadura de tipo cult cuja base é encarnada em apresentadores de grandes telejornais, acadêmicos de peso e jornalistas econômicos com ternos recortados e palavreado “moderno”.
Ao contrário desse tom glorioso o que o país viveu no concreto foi: privatizações em massa, doze milhões de empregos exportados e exclusão social são apenas dados de uma memória que poucos querem atribuir ao “sucesso” do Plano Real.
Combater uma inflação de forma tão competente não pode ser algo de genial. Arrochar demanda e destruir capacidade produtiva não necessita de nenhum tratado econômico digno de um Prêmio Nobel.
E foram além disso. O longo prazo está subsumido a uma política oficial de Estado baseada no pressuposto da estabilidade monetária e formação de poupança como pressupostos ao crescimento e investimento.
Esta política oficial de Estado é ideia-força que norteia o silêncio no debate de ideias a respeito do futuro do país. Poucos são aqueles capazes de virem a público e colocar abertamente o que realmente significa o regime de metas de inflação para o futuro do país expressa numa taxa de investimentos x PIB inversamente proporcional à violência policial contra jovens negros da periferia das grandes cidades.
O silêncio às críticas possivelmente direcionadas ao Plano Real é típica de uma ditadura baseada não em armas, exércitos e repressão física direta. É a imposição de um pensamento, de uma forma de governar e encarar o país tão ou mais letal que aquela inaugurada no fatídico 1º de abril de 1964.
Vejamos bem. Somente uma ditadura com amplos poderes teria condições de derrubar a quase zero um processo inflacionário do porte daquele vivido pelo país desde então. O processo foi substituído pela caneta.
A inflação foi “derrotada” não como parte do ciclo econômico, de sua essência. Levou consigo todo um projeto nascido na década de 1930 cujo desenvolvimento confunde-se com a própria construção da nacionalidade a partir de suas empresas.
A vitória do Plano Real foi a vitória dos derrotados pela Revolução de 1930, livre-cambistas, comerciantes de importação e exportação tendo como testa monetaristas, outrora agraristas. O bojo do combate à inflação tão inteligentemente nutrida como instrumento de acúmulo de forças diante do nacional-desenvolvimentismo chegou ao poder.
O acúmulo de forças democráticas e populares hoje dá-se pelo campo político construído a partir da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.
Enfrentar o legado e a institucionalidade surgida em 1994 é tarefa de gerações e luta renhida em todos os pleitos eleitorais e agenda de lutas dos movimentos sociais. A reversão deste quadro inicia-se, de forma lenta, com a desmoralização de FHC.
Pode-se dizer que desde então o país vive uma transição entre o entreguismo neoliberal instalado no poder em 1994 e um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Uma transição que se move em areia movediça e que exige dos melhores filhos do povo tenacidade, amplitude política, capacidade de raciocínio e tirocínio estratégicos e ideias que fujam ao senso comum da ditadura da “estabilidade monetária”.
O importante é que saímos da inércia da década de 1990. E a tarefa política colocada é simplesmente não permitirmos a volta desta mesma equipe de FHC ao governo.
O Brasil vive hoje um momento de euforia sem precedentes. Sediamos a maior Copa do Mundo de todos os tempos e o mesmo se espera das Olimpíadas.
Os que na década de 1920 vaticinavam contra a possibilidade de nosso país se tornar uma nação viável, estão aí a amaldiçoar mais um feito de nosso povo. Evidente que na mão daqueles que deram um golpe contra o coração da nação em 1994 o Brasil nunca sediaria um evento desta proporção.
As condicionalidades inflacionárias legadas dos investimentos necessários seriam levadas mais em conta do que a alegria instalada no país.
Num momento em que a oposição acusa a nossa presidenta de “comprar a Copa”, faz-se necessária uma ironia de afronta à defensiva: não tenho dúvidas de que o máximo que aconteceria seria a venda da Copa do Mundo por essa gente.
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Membro do Comitê Central do PCdoB
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