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quarta-feira, 1 de maio de 2013

A bela história de "Cálice" - Gilberto Gil e Chico Buarque

Do Musicblog

Curta o vídeo do show de 1973, quando a música foi censurada:

http://musicaemprosa.musicblog.com.br/263324/A-bela-historia-de-Calice-Gilberto-Gil-e-Chico-Buarque/

" Há muito tempo eu tenho vontade de contar a história de uma belíssima música, uma rara parceria entre Gilberto Gil e Chico Buarque: a música Cálice, gravada em 1973.

Tenho aqui a história, contada por Gil, no seu livro Todas as letras (Cia das letras, 1996) e no livro Chico Buarque: História das canções (Leya, 2009):

Primeiro, a versão de Gil:

"A Polygram queria fazer um grande evento com todos os seus artistas no formato de encontros, e foi dada a mim e ao Chico a tarefa de compor e cantar uma música em dupla.

Era Semana Santa e nós marcamos um encontro no sábado no apartamento dele, na Rodrigo de freitas (a lagoa referida, aliás, por ele na letra).

Eu pensei em levar alguma proposta e, um dia antes, no fim da tarde, me sentei no tatame, onde eu dormia na época, e me pus a esvaziar os pensamentos circulantes para me concentrar. Como era Sexta-feira da Paixão, a idéia do calvário e do cálice de Cristo me seduziu, e eu compus o refrão incorporando o pedido de Jesus no momento da agonia.

Em seguida escrevi a primeira estrofe, que eu comecei lembrando de uma bebida amarga chamada Frenet, italiana, de que o Chico gostava e que ele me oferecia sempre que eu ia à sua casa.

No sábado não foi diferente: ele me trouxe um pouco da bebida, e eu já lhe mostrei o que tinha feito. Quando, chegando ao refrão, eu cheguei ao 'cálice', no ato ele percebeu a ambiguidade que a palavra, cantada, adquiria, e a associou com cale-se, introduzindo na canção o sentido da censura.

Depois, como eu tinha trazido só o refrão melodizado, trabalhamos na musicalização da estrofe a partir de ideias que ele apresentou. e combinamos um novo encontro.

Ele acabou fazendo duas estrofes e eu mais uma, quatro no total, todas em oito decassílabos. Dois os três dias depois nos revimos e definimos a sequência.

Eu achei que devíamos intercalar nossas estrofes, porque elas não apresentavam um enquadramento linear entre si. Ele concordou, e a ordem ficou esta: a primeira, minha, a segunda, dele; a terceira, minha, e a última, dele.

Na terceira, o quarto verso e os dois finais já foram influenciados pela ideia do Chico de usar o tema do silêncio. O termo, aliás, já aparecia na estrofe minha, anterior: 'silênciona cidade não se escuta', quer dizer: no barulho da cidade, não é possível escutar o silêncio; quer dizer: não adianta querer silêncio porque não há silêncio, ou seja, não há censura a censura é uma quimera; além do mais 'mesmo calada a boca, resta o peito' e 'mesmo calado o peito, resta a cuca' : se cortam uma coisa, aparece outra.

Aí no dia em que fomos apresentar a música pro show, desligaram o microfone logo depois de termos começado a cantá-la. Tenho a impressão de que ela tinha sido apresentada à censura, tendo-nos sido recomendado que não a cantássemos, mas nós fizemos uma desobediência vivil e quisemos cantá-la" (página 138)

A história por Wagner Homem, no livro das cançôes de Chico:

"Composta para o show Phono 73, realizado em maio de 1973 no Anhembi, São paulo, a música seria cantada pela dupla de autores. Gil mostrou a Chico a primeira estrofe e o refrão ´Pai afasta de mim esse cálice', referência à data em que os escrevera, uma Sexta-feira santa.

O parceiro viu, mais do que depressa, o jogo de palavras ´cálice x cale-se'. Foi necessário apenas mais um encontro para que terminassem a canção de quatro estrofes - a primeira e a terceira de Gil, e as outras de Chico.

No dia do show, souberam que a música havia sido proibida. Decidiram cantá-la sem letra, entremeada com palavras desconexas. Desta vez, porém, a censura contou com a colaboração da própria gravadora, que organizava o espetáculo e operou a truculência.

Assim que começaram, o microfone de Chico foi desligado. Irritado, ele buscou outro microfone, que também foi desativado - e assim sucessivamente, até que se rendeu, dizendo: 'Vamos ao que pode', e cantou 'Baioque'

Quando, em 1978, a canção foi liberada, Chico a incluiu em seu LP, e aí a censura veio de lugares antes inimagináveis: bispos da mesma Igreja que - através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - criticava a existência, em toda América Latina, de uma doutrina de segurança nacional que castrava as liberdades individuais proibiam a execução da música durante as missas'

Quinze anos depois do ocorrido, falando ao Correio Braziliense, Chico comentava as distorções que a censura provocava em todos os níveis:

'Às vezes, eu mesmo não sei o que eu quis dizer com algumas metáforas de músicas como 'Cálice', por exemplo (...) naquela época havia uma forçação de barra muito grande, tanto a favor quanto contra.Ambos os lados liam politicamente o que não era. (...) Já disseram que o verso 'de muito gorda a porca já não anda' de 'Cálice' era uma crítica ao Delfim Netto, que era ministro. E gordo [risos]. Indagado sobre o real significado, respondeu: 'não faço a mínima ideia. Esse verso é de Gil" (páginas 120-121)

A canção foi liberada em 1978, juntamente com outras músicas censuradas, como "Apesar de Você" e "Tanto Mar". Na gravação, Milton Nascimento cantou as estrofes compostas por Chico, fazendo coro com o MPB4, num belíssimo e contundente arranjo de Magro, um dos integrantes do grupo. "

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