Carta Maior
Ao priorizar a produção, o consumo e o emprego, o governo deve ter clareza do atrito inescapável junto ao financismo. Mas não há outro caminho possível.
A grande questão que já vem pautando o debate econômico desde o início de 2016 é a necessidade urgente da retomada do crescimento da economia em nosso País. Constatada oficialmente como um grande equívoco, a estratégia do austericídio posta em ação pelo ex Ministro Joaquim Levy deveria, em tese, ser substituída por uma alternativa de política econômica que buscasse superar a recessão e a falta de perspectivas que ameaçava se generalizar por todos os setores.
A confirmação da queda da atividade econômica verificada em 2015 vai se somar à recessão que deve correr também ao longo do presente ano. A combinação perversa de elevação sistemática da SELIC ao longo dos últimos períodos e a redução expressiva das despesas não-financeiras do governo aprofundaram um quadro de redução dos investimentos. À medida que o setor público diminuiu de forma significativa seus gastos em setores estratégicos e sinalizou para o setor privado um desestímulo às atividades produtivas, a máquina mais geral da economia entrou em fase de desaceleração acentuada.
Crise política e crise econômica.
O quadro se agravou com a entrada em cena do ingrediente da crise político-institucional e pela falta de inciativa por parte dos responsáveis em destravar as dificuldades associadas à falta de confiança. A Operação Lava Jato e as chantagens protagonizadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados são exemplos cristalinos de como se consegue paralisar um País que necessita justamente de sinais em direção oposta à estagnação. Apenas a queda nos investimentos da Petrobrás e a interrupção das atividades no setor da construção civil significam diminuição de alguns pontos percentuais no PIB do Brasil. A crise mais geral se manifesta sob a forma do desemprego, da queda na produção e nas vendas, do número crescente de falências e da sobrecarga das despesas financeiras no âmbito do Estado, das empresas e das famílias.
A substituição do titular do Ministério da Fazenda deveria cumprir com a missão de abrir perspectivas mais positivas quanto ao futuro de nossa economia. A primeira reunião do COPOM realizada em 2016 terminou por deixar um saldo aparentemente neutro. As expectativas iniciais de uma nova elevação da SELIC não se realizaram. Mas, por outro lado, a sua manutenção no elevado patamar de 14,25% ao ano tampouco contribui para a melhoria do contexto recessivo. Ainda que a decisão de não subir seja sentida como uma espécie de alívio, seu efeito é mais psicológico do que outra coisa. Isso porque os impactos financeiros da taxa referencial estratosférica continuam enormes e prejudicam a todos. Enfim, quase todos, pois o setor bancário continua lucrando uma enormidade em meio à ampliação da quebradeira.
A retomada da sistemática de reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) pode oferecer uma outra janela de oportunidade para recuperação da confiança em alternativas de saída para a crise. Depois de mais de um ano e meio sem ter sido convocado, o chamado “Conselhão” foi reativado por iniciativa da Presidenta Dilma. Trata-se de um espaço consultivo, um fórum onde se permite a troca de opiniões e o debate entre diferentes setores e entidades representativas da sociedade civil. O governo federal pode se valer desse instrumento como mecanismo de acolher as sugestões e as críticas das centrais sindicais, dos representantes dos empresários, dos estudantes, dos cientistas e demais organizações representativas.
Consenso em torno da retomada.
O momento que o Brasil atravessa é de tamanha gravidade que a busca de um consenso em torno das medidas para atravessar o campo das dificuldades se oferece quase como uma imposição junto aos diferentes parceiros. Talvez com exceção do sistema financeiro, a ninguém mais interessa a continuidade desse quadro de insegurança e recessão. Assim, premidos pela própria crise, os representantes de trabalhadores e empresários começam a construir canais de saída, como é o caso bem sintomático do documento “Compromisso pelo Desenvolvimento”. Elaborado em conjunto por uma série de entidades sindicais e do meio empresarial, o texto sugere uma pauta mínima consensual para superar o imobilismo atual.
No entanto, a retomada do crescimento exige que o governo restabeleça sua estratégia de enfrentamento da crise. É necessário abandonar o discurso defensivo de até pouco tempo atrás, em que a tônica sempre foi um profundo temor das reações negativas do mercado financeiro. A política monetária deveria ser pautada pela redução da taxa oficial de juros, com a indicação cristalina de um compromisso com a diminuição dos custos financeiros para empresas, famílias e para o próprio setor público. Ao priorizar a produção, o consumo e o emprego o governo deve ter clareza do atrito inescapável junto ao financismo. Mas não há outro caminho possível que não seja exigir de todos o compartilhamento dos sacrifícios. Os bancos e as instituições financeiros são os únicos a registrarem lucros nessa conjuntura de prejuízos para todos os demais.
Além disso, o equacionamento da questão fiscal deve passar pela superação do discurso atrasado da ortodoxia conservadora. Para além da política da “tesoura” nos gastos sociais e nos investimentos, o governo deve apontar para a recuperação da capacidade arrecadatória do Estado. Isso significa apresentar medidas de natureza tributária que rompam com a atual regressividade de nosso sistema de impostos. A CPMF é um bom início, mas há outros necessários, como a taxação das exportações de “commodities”, o imposto sobre grandes fortunas, o fim das isenções de impostos sobre lucros e capital próprio, a atualização do imposto territorial rural, entre tantos outros.
Reforma da previdência não ajuda no curto prazo.
A reforma da previdência social, por outro lado, é medida que não apresentará nenhum resultado positivo no curto prazo e se caracteriza por proposta que encontra ampla oposição por parte de setores expressivos da sociedade. A resistência oferecida por trabalhadores e aposentados se justifica pelo histórico de medidas semelhantes que apenas trilharam o caminho da retirada de direitos e redução de valores dos benefícios. A necessária redefinição de alguns aspectos do regime previdenciário atual nada tem a ver com as avaliações catastrofistas, efetuadas sem nenhuma base nos dados da realidade. As contas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) ainda se apresentam superavitárias.
Porém são inegáveis as transformações demográficas e do ingresso no mercado de trabalho. Assim, tais mudanças devem ser feitas com base em amplos acordos a serem construídos no interior da sociedade, de modo a garantir a solidariedade intergeracional e a sustentabilidade do modelo previdenciário no longo prazo. O fato é que antecipar esse debate necessário e contaminá-lo com a emergência atual da crise fiscal só trará prejuízos à intenção de promover um reequilíbrio estratégico. Enfim, a retomada do crescimento mais imediato não depende de nenhuma reforma previdenciária. O sistema precisa é recuperar o nível de emprego na sociedade e assim aumentar suas receitas por conta das contribuições dos participantes. Além disso, é urgente a eliminação da desoneração patronal da folha de pagamentos, fato que - esse sim! - compromete a arrecadação do RGPS.
Protagonismo do setor público na retomada.
O governo deve utilizar os bancos governamentais e demais instituições financeiras federais para oferecer empréstimos e condições de financiamento adequadas para a retomada do crescimento. Mais do que simplesmente ampliar a oferta de crédito, é necessário apresentar modalidades que impliquem menores custos financeiros. Os empresários só partirão para o incremento dos investimentos caso sintam possibilidades concretas de retorno para tais investimentos. Juros elevados e incerteza da demanda por conta de desemprego e redução da renda interna não se apresentam como uma boa sinalização.
Por outro lado, a saída exportadora é uma via que contribui também para o clima geral de recuperação e já começa a apresentar alguns indícios positivos, em razão da desvalorização cambial. Essa tendência atual da taxa de câmbio pode operar como elemento de compensação das quedas observadas nos preços nos produtos primários de exportação. Além disso, permite uma redefinição dos padrões de concorrência de nossas empresas e seus produtos manufaturados no mercado internacional.
Há grande convergência para a necessidade da retomada do crescimento. Ainda que persistam as resistências de natureza político-partidária por parte das forças que justamente fariam um serviço ainda mais desastroso, o fato é que um eventual protagonismo mais atuante e dinâmico do governo poderia contribuir para avançar a pauta no Congresso Nacional e mesmo em domínios que não dependem desse tipo de autorização. Porém, é preciso ter a clareza de que o necessário apoio popular só virá caso as medidas contemplem os interesses da maioria da população e não se caracterizem pela exigência de novos sacrifícios por parte daqueles que são sempre os primeiros a pagar a conta das crises.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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