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domingo, 24 de janeiro de 2016

Lucro dos bancos: terceiro maior do mundo

23/01/2016

Do site da CTB:

Mesmo com a crise, o Brasil continua sendo um paraíso para o setor financeiro. Segundo dados do Banco Mundial, o spread médio dos bancos brasileiros, que indica os ganhos das instituições financeiras com juros, é o terceiro maior do mundo, atrás apenas de Madagascar e Malavi, países do continente africano.

Os dados, referentes a 2014, mostram ainda que o spread no Brasil está à frente de diversos outros países menos desenvolvidos (e com maiores riscos de crédito), como Serra Leoa e Congo, que possuem uma Renda Nacional Bruta (GNI, do inglês Gross National Income) per capita de US$ 700 e US$ 380, respectivamente, duas das menores do mundo. O GNI per capita brasileiro é de US$ 11,3 mil.

No ano passado, com a queda da atividade econômica pressionando as empresas, e os avanços da inflação e do desemprego sufocando a renda dos consumidores, os bancos do País passaram a estimar aumentos nos calotes e a elevar as taxas, para cobrir as potenciais perdas nos financiamentos.

Sem que os juros que os bancos pagam para pegar dinheiro emprestado do mercado (taxa de captação) subissem no mesmo ritmo, os spreads ficaram ainda maiores - o indicador é resultado da diferença da taxa de captação e os juros cobrados pelos bancos nos empréstimos (taxa de aplicação).

De acordo com o Banco Central (BC), enquanto a taxa média de captação das instituições brasileiras subiu 3 pontos percentuais em 12 meses até novembro, para 14,8%, a taxa de aplicação cresceu 10 pontos percentuais, para 48,1%.

"A gente tem um sistema de intermediação financeira que servia para a época da hiperinflação e não para a realidade de hoje", avaliou Roberto Luis Troster, professor de economia da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e ex-economista-chefe da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

De acordo com o especialista, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cobrado em todos os empréstimos, e os compulsórios (recursos que as instituições financeiras são obrigadas a recolher para o BC), além da pesada regulação e regulamentação do mercado financeiro brasileiro, aumentam os custos da atividade bancária e levam as instituições a ampliarem os spreads."Os compulsórios do Brasil também estão entre os maiores do mundo", afirmou.

O Relatório de Economia Bancária e Crédito de 2013 do BC mostra que o spread brasileiro é usado, basicamente, para atender a quatro componentes: a inadimplência (que representa 28,5% do indicador), os compulsórios (6,8%), os impostos indiretos (25,9%) e o lucro dos bancos(38,8%). Assim, se o banco ganha R$ 1 milhão, sua margem financeira é de R$ 380,8 mil.

Tarifas aviltantes

Que os bancos seguem obtendo lucro não é novidade. No entanto, parte do lucro está ligada também à quantidade de taxas cobradas. Em muitos casos, os bancos chegam a cobrar tarifas indevidas, conforme afirma o Banco Central.

Ao todo, são nove os serviços que são proibidos de serem tarifados. Três exemplos são a tarifa de liquidação antecipada, a TEC (Tarifa de Emissão de Carnês e Boletos) e a TAC (Tarifa de Abertura de Crédito). A lista continua ainda com as cobranças na manutenção sobre contas inativas, pacotes de serviços com valor superior ao saldo da conta corrente, pacotes de serviços essenciais, tarifa de manutenção de conta salário, cobrança de segunda via de cartão e tarifa de atualização de cadastro.

Por isso, segundo o presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia, Augusuto Vasconcelos, o consumidor deve ficar atento aos extratos e faturas. Caso algum desses serviços seja cobrado, o correntista pode solicitar ao banco que realize o cancelamento da cobrança, conforme orienta o dirigente.

De acordo com Vasconcelos, “só as tarifas bancárias quitam toda a folha salarial do banco e ainda sobra, enquanto isso, trabalhadores e clientes são desrespeitados cotidianamente”. Só nos últimos 10 meses, o BC recebeu 7.046 reclamações por cobranças irregulares de tarifas. Dentre elas, 2.307 foram consideradas procedentes. Taxa de serviços não contratados somam 46% dos casos e cobranças indevidas no cartão de crédito, 22,5%.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Uma aula “preciso desenhar?” de um Nobel para economistas e jornalistas.

TIJOLAÇO

stiglitz

Poucas leituras sobre a situação da economia brasileira e sobre a crise mundial são tão claras e límpidas quanto a da entrevista – apesar do entrevistador “teimar” com o discurso “mercadista” – do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz ao Estadão. O Nassif a publica, e lá pode ser lida na íntegra.

O que diz ele, tentando resumir ainda mais o que está resumido e claro em suas declarações:

A crise brasileira é feita da derrubada vertiginosa do preço das commodities (minério de ferro e soja, especialmente) e do ambiente político criado pela Lava Jato.

Nossa inflação é de custos, não de demanda e, neste caso, juros altos não são solução, mas problema.

” Nesse caso, a forma pela qual a alta dos juros reduz a inflação é matando a economia. Se você conseguir desemprego o suficiente, os salários são deprimidos, e você segura a inflação. Mas isso é matar a economia. 

A crise mundial, diz Stiglitz, tem quatro fundamentos:

1) a desigualdade, que restringe consumo, porque um pequeno grupo, por mais consumista que possa ser, não iguala em volume a massa de excluídos que não consomem ou cortam seu consumo;

2) As duas maiores economias do mundo, EUA e China, estão mudando de modelo. O primeiro, sai da indústria para os serviços; a segunda, da exportação para o mercado interno. Metamorfoses levam tempo e reduzem o metabolismo;

3) As políticas econômicas de austeridade fiscal levaram o terceiro bloco econômico, depois dos dois acima, a Zona do Euro, a uma situação de “bagunça” econômica, que deixou a Europa estagnada e lá, como nos EUA, os cortes orçamentários se refletiram na não-recuperação do emprego, especialmente do setor público;

4) A queda nos preços das commodities e de determinados produtos, como o aço, não extingue seus resultados entre vendedor e comprador. Reduz gastos, reduz ganhos mas isso também reduz a circulação da riqueza no comércio e, claro, a riqueza vai – cada vez mais – para o setor financeiro.

Leia o texto, é uma oportunidade espetacular de ver que economistas de verdade não são os que falam empolado, nem jornalistas que repetem as bobagens do mercado para que você não entenda o mundo.

PS. Antes que alguém diga, é obvio que Stiglitz faz uma redução didática do tema. É uma entrevista, e para um jornal de grande circulação, não um tratado ou uma tese acadêmica.

Luiz Padulla: Je Suis Vitor! (o curumim morto e esquecido de SC)



Há um ano, o mundo se solidarizou e se mobilizou contra os atentados na cidade luz. 
Logo, o modismo dos perfis de redes sociais foi trocado pela imagem da bandeira francesa com os dizeres “Je Suis Charlie”. 
Assim também foi quando, em 2001, houve a queda das torres gêmeas pelos ataques terroristas. 
Devemos sim nos manifestar e repudiar atos como esses, mas a pergunta que faço é a seguinte: nossa indignação é seletiva?

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                                    Pequenos índios têm sido vítimas de agressões e de doenças

Quantos souberam da atrocidade causada contra o indiozinho de 2 anos, em 30 de dezembro passado, na rodoviária de Imbituba, litoral sul de Santa Catarina, que foi barbaramente degolado no colo de sua mãe enquanto estava sendo amamentado?
 O assassino simplesmente desferiu o golpe em sua garganta com uma lâmina. Uma criança, indefesa, covardemente assassinada!
Vimos manifestações públicas? 
O país parou no simbólico um minuto de silêncio?
 A imprensa do mundo inteiro foi até Santa Catarina para reportar o ocorrido? 
Jornais estamparam em suas capas com letras garrafais?
 Não. E por quê? 
Talvez por ser Vitor, apenas mais um índio? Qual a relevância do povo Kaingang, não é mesmo? Vimos pequenas notas ao longo de jornais, ou breves chamadas nos noticiários e depois…tudo caiu no esquecimento. Prenderam o acusado e vida que segue.
Nossa seletividade vai contra aquilo que nos torna (ou pelo menos deveria nos tornar) humanos. 
O que nos difere de um índio? De um negro? De um mendigo? Nada. Absolutamente nada! Mas insistimos em nos diferenciar e nos afastar daqueles que não merecem nossa devida atenção.
Ficamos chocamos quando radicais terroristas degolam algumas dezenas de pessoas, ou quando refugiados sofrem para escapar de uma guerra. 
E por que não derramamos as mesmas lágrimas quando milhares de brasileiros morrem em disputas no campo, ou nas ruas? Em 2014, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário, foram assassinados 139 indígenas. Dados da Comissão Pastoral da Terra, revela que entre 1985 a 2014 ocorreram 29.609 conflitos no campo. 
A mãe desta pobre criatura, indefesa, disse uma frase que nos deve fazer refletir: “Se um indígena cortasse a garganta de uma criança branca o Brasil viria abaixo. Quero a mesma indignação pela morte do meu filho”.
E o que falar das mortes de moradores de ruas, seja pela fome, pelo frio ou por chacinas, que elevam ainda mais esses números. E os negros e pobres das periferias? Mas não nos importamos. Preferimos olhar para o Oriente, para o exterior, para a crise migratória da Europa, para onde a audiência da mídia nos mostra. Lá fora é mais importante?
No dia em que se completaram 7 dias da morte de Vitor, mais um indiozinho, de um ano, morreu. De fome, na aldeia de Kurussu Ambá. Nos últimos 10 anos, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena, a desnutrição foi a causa da morte de mais de 600 crianças indígenas – por sinal, metade da mortalidade infantil no país é ocupada por índios.
Somos uma nação mista em sua formação, com sangue de índios, negros, brancos e toda sua riqueza de diversidade.
 O preconceito e o ódio contra nossa própria cultura e formação, são abomináveis. 
Mas enquanto negarmos nossa própria violência e alimentarmos nossos preconceitos, o caminho até uma nação justa e solidária, será cada vez mais longo e tortuoso.
 Reflitamos sobre isso. E mais do que apenas refletir, mudemos nossa atitude e despertemos nossa compaixão para com o próximo.
 Só assim faremos valer o verdadeiro sentido de ser “ser humano”.
Luiz Padulla é biólogo, professor e responsável pelo blog Biologosocialista
- do blog pcdobdf

Mais rica do mundo diz que salário ideal é o africano, de R$ 4 por dia

Do UOL, em São Paulo 

  • Tony McDonough/Efe

    Gina Rinehart a mulher mais rica do mundo, criou polêmica ao dizer aos "invejosos": "parem de beber e trabalhem"; clique aqui e veja

    Gina Rinehart a mulher mais rica do mundo, criou polêmica ao dizer aos "invejosos": "parem de beber e trabalhem"; clique aqui e veja

A mulher mais rica do mundo e herdeira de um império de mineração, Gina Rinehart, afirmou nesta quarta-feira (5) que a Austrália está ficando muito cara para as mineradoras e disse que conseguiria contratar trabalhadores na África por menos de US$ 2 por dia (cerca de R$ 4).

"As evidências são inquestionáveis de que a Austrália está ficando cara demais e pouco competitiva para negócios voltados à exportação", disse Rinehart em uma rara aparição pública no Clube de Mineração de Sydney. Um vídeo com a fala da bilionária foi divulgado no site da entidade.

"Os africanos querem trabalhar, e seus trabalhadores desejam trabalhar por menos de US$ 2 por dia", disse ela. "Tais números me fazem ficar preocupada com o futuro desse país", disse. "Estamos nos tornando uma nação de alto custo e alto risco para investimentos."

Rinehart pediu que as mineradoras possam levar trabalhadores estrangeiros para a Austrália, e sua empresa Hancock Prospecting conseguiu aprovação, em maio, para contratar pouco mais de 1.700 funcionários de construção estrangeiros para um projeto no oeste australiano.

A premiê australiana, Julia Gillard, criticou os comentários da bilionária e disse que o país vai bem.

"Não é o costume da Austrália jogar às pessoas US$ 2, jogar a elas uma moeda de US$ 2 e pedir que trabalhem um dia inteiro", disse Gillard. "Nós apoiamos salários adequados e condições de trabalho decentes."

Outra polêmica

Na semana passada, Gina gerou grande polêmica ao fazer piada com os "invejosos", que, segundo ela, passam mais tempo bebendo que trabalhando. Ela também pediu ao governo que diminua o salário mínimo para atrair mais investimentos.

Gina Rinehart, herdeira e presidente do grupo Hancock Prospecting, tem uma fortuna avaliada em US$ 30 bilhões, segundo a revista Business Review Weekly (BRW).

"Se sentem inveja dos que têm mais dinheiro que vocês, não fiquem sentados reclamando. Façam algo para ganhar mais, passem menos tempo bebendo, fumando e brincando, trabalhem mais", completa o texto.

O 'mercado' mete pé no pescoço do BC

Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:

O mercado já fez chegar aos seus cronistas que, se depois das previsões ruins para a economia mundial e piores para as brasileiras, o Banco Central não conceder um aumento generoso nas taxas de juros, isso terá sido porque o seu presidente, Alexandre Tombini, terá ‘cedido às pressões do petismo’.

A coluna de Fábio Alves, no Estadão, diante de uma manifestação de Tombini onde diz que serão levadas em consideração na reunião do Conselho de Política Monetária as avaliações divulgadas horas atrás pelo FMI (ué, não deveriam ser levada em conta?) descreve, quase desenhando, o discurso chantagista do mercado:

A surpresa com a nota divulgada hoje, comentando as projeções do FMI, levanta suspeitas de que o BC sofre ingerência política, de que interesses contrários à alta de juros – necessária para controlar expectativas ainda elevadas – exerceram pressões de última hora sobre ele, Tombini.

Depois de guiar as apostas de investidores para uma elevação da Selic de 0,50 ponto – como era até ontem -, essa reviravolta com um comentário que abre espaço para não subir juros ou, se subir, num ritmo mais brando, vai solapar ainda mais a credibilidade das palavras de Tombini ou de outros diretores do BC sobre os próximos passos da política monetária.


Não é preciso um discurso de esquerda para responder a isso, basta o equilíbrio do insuspeito e experiente George Vidor, ontem, em O Globo, usando as conclusões de uma instituição nada “bolivariana, a Standard&Poors:

A tentativa de segurar a inflação por meio de taxas de juros excessivamente altas é admissível por um breve período de tempo. Se tal política se estende por meses a fio, efeitos colaterais negativos passam a comprometer esse esforço. Equivale a um tiro no pé. Mas esse fenômeno não costuma ser levado em conta pela cartilha da maioria dos analistas financeiros e geralmente é associada a uma visão de economistas complacentes com a inflação e que desprezam a política monetária. Mas, desta vez, a crítica partiu nada menos de uma instituição respeitada pelos mercados financeiros: a agência internacional de classificação de risco Standard&Poor’s.

Feroz em toda parte do mundo, no Brasil o mercado financeiro é ainda mais, é sanguinário.

Exige superávits – que são necessários – mas não tem o menor pudor em esconder que os encargos financeiros (leia-se, taxa de juros) representam quase quatro vezes o déficit na conta receita/despesa não financeira. E tem que ser coberto da mesma maneira, com a emissão de dívida.

Tivemos anos e anos sob Fernando Henrique Cardoso com as despesas estatais sufocadas, investimento perto de zero e a entrada, afinal dilapidada, dos recursos de uma privatização sem freios. No entanto, nossa dívida subiu como nunca por conta de juros estratosféricos, muito mais até do que os que temos hoje.

Não serão juros altos – e isso se provou ao longo do final de 2014 e de todo 2015 – que vão segurar a inflação brasileira. Não existe inflação de demanda no Brasil, nem mesmo de demanda por crédito que poderia ser constida por isso.

Se não podemos controlar fatores externos, como a queda acentuada no preço das commodities, há fatores internos que podem ser amenizados no curto prazo: o retorno ao um mínimo de estabilidade politica – e por isso trabalham tanto contra ela – o alívio na pressão de custos sobre a energia provocada pela seca de dois anos que parece estar sendo encerrada, além da absorção do impacto da variação cambial, praticamente concluída.

O Governo precisa, sim, focar no destravamento dos setores que possam replicar rapidamente no nível de atividade econômica, como a infraestrutura e a construção civil. Geram emprego e renda que se refletem em outros setores da economia.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

O declínio do patriarca e o poder das meninas

Portal Geledés

 

Publicado há 22 horas - em 18 de janeiro de 2016 »

 Atualizado às 10:42 
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Questões de Gênero
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Finais de ano são momentos de alegria e reencontro (ou assim dizem as propagandas). Vamos aos fatos: milhares de famílias se deslocam do norte para o sudeste, do centro-oeste para o sul, enfim, em todas as direções dentro de fora do país para encontrar parentes, netos que nasceram, primos que não se conhecem, enfim, uma infinidade de arranjos que se materializam entre o Natal e Ano Novo.

Enviado por LUCIANE SOARES DA SILVA via Guest Post para o Portal Geledés 

Fenômeno curioso que sobrevive as crises e parcelamentos salariais. Poderia ser outro final de ano em volta do peru de Natal. Mas uma situação, em uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul me fez observar uma mudança nas correlações de força a que estamos acostumados. Somos socializadas mirando o patriarca sentado na cabeceira da mesa e os demais parentes distribuídos segundo grau de importância, afeto ou desprezo, pela sala e demais cômodos da casa.

Naquele café da tarde porêm, uma menina, com suas tranças longas e sorriso fácil, sentenciou na cabeceira da mesa, ao ouvir um pedido: “mulheres não são empregadas domésticas dos maridos”. Naquela tarde, em uma cidade de colonização alemã que lembra a Twin Peaks de David Lynch, uma menina desconhecia (e em sua fala, recusava) todo o processo de socialização que extermina a criatividade infantil e empregava na mais perfeita gramática a frase que milhões de mulheres não poderiam dizer.

Imaginei em quantas cozinhas do Brasil, mulheres estavam levantando naquele mesmo segundo para servir o café ao nosso velho, poderoso e inexorável patriarca. Sentado na cabeceira, reclamando dos novos tempos, da perda de valores e dajuventude.

Passei a vida vendo encarnações distintas do patriarca: o provedor das famílias de classe média, entediado com os parentes, presente na cena em que dominava as falas e ditava o comportamento familiar; o velho ancião que a partir do próprio exemplo demonstrava sua superioridade sobre os filhos, sobrinhos e parentes em geral, fazendo da ceia um púlpito de proclamação de virtudes. O patriarca ausente que demonstrava fadiga com as interações, principalmente com as mulheres da família pelas quais não tinha nenhum interesse ou afeto, preferindo o final de ano da Band ou um canal de esportes.

Ainda lembro também dos que se excediam na bebida a passavam a falar com tom ameaçador sobre os demais familiares. Ali estavam a sua sobremesa preferida, o café na temperatura certa, os presentes distribuídos na hora em que ordenava que todos fossem para sala. Cada casa era como um pequeno reino, dividido e funcional.

Claro que existiam os momentos de conflito em que alguém, comovido e alcoolizado, resolvia encenar um discurso de reclamação familiar. Mas isto não alterava a estrutura, pois era parte do drama familiar encenado a cada ano, que alguém atentasse contra a autoridade. O que há em comum entre estes tipos e outros aqui não descritos?

A virtualidade da violência física e psicológica que opera sobre todos como fundamento da autoridade do patriarca. O alinhamento de forças que leva as mulheres ao medo, a esconder-se nos quartos para tratar de assuntos que “ele não poderia ouvir”.

Assuntos estes, que eram quase segredos familiares: o empréstimo de dinheiro à uma irmã que ele desaprovara, o desemprego de um sobrinho, o divórcio de uma prima, a ruína de parentes de outra cidade, enfim, simplesmente, aquilo que poderia demonstrar a existência de um outro mundo, fora de seus domínios. Era melhor que nunca soubesse.

E desta forma, satisfeito pelo exercício de seu controle e a certeza do cumprimento de seu papel, ele mergulharia em um sofá após a meia noite. E magicamente, os papéis de embrulho sumiriam e os talheres voltariam aos seus lugares. Tudo limpo para a continuidade do drama, em sua versão frugal de café da manhã. Mas naquela tarde, a frase de uma menina ecoou pela casa e explodiu na mesa como um balão cheio de água. Era uma daquelas sentenças lapidares que indicam uma percepção do mundo, das mulheres, do trabalho, da mudança de ventos.

Estas meninas mundo afora não serão empregadas de seus irmãos, namorados ou pais. Mas estas são as guerras silenciosas e ali estávamos no meio do front. O patriarca fora pego sem defesas e acessaria todo o discurso da obediência e dos bons costumes para submeter, fazer valer a ordem. Esta vida sem sentido, mesquinha, que alinha todos dentro do espaço segundo uma forma de vida já morta, estava fatalmente ameaçada.

A vida que remonta aos bons costumes que jamais existiram a não ser como farsa para exercício de castração feminina. Estas são as pequenas revoluções vividas.

De onde virá tanta vontade de criar obedientes meninas? De onde virá tanto desejo de castração? Por que este horror ao movimento do corpo das meninas, livres da ditadura das formas corretas de sentar, falar ou comer? Acreditam mesmo estar educando um ser humano ou existe uma confusão profunda entre adestramento e educação? Por que as meninas são tão ameaçadoras?

E como podemos seguir desconstruindo esta figura patética que é o patriarca com sua xícara de café na mão, olhando de forma grave à todos, na cabeceira da mesa?

 

LUCIANE SOARES DA SILVA  pesquisadora na Uenf da temática racial

 

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Leia a matéria completa em:  O declínio do patriarca e o poder das meninas - Geledés http://www.geledes.org.br/o-declinio-do-patriarca-e-o-poder-das-meninas/#ixzz3xgUxJlWQ 
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