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quarta-feira, 28 de outubro de 2015

VÍDEO HORROR: Policial dos Estados Unidos agride estudante negra na sala de aula

https://youtu.be/mKD9EQP-mvs
VÍDEO: REGINALD SEABROOKS / EL PAÍS VÍDEO










RACISMO »

Policial dos Estados Unidos agride estudante negra na sala de aula

https://youtu.be/mKD9EQP-mvs

O vídeo foi gravado no instituto Spring Valley, em Colúmbia

Um novo episódio de violência policial chocou os Estados Unidos. Após a série de incidentes no ano passado, quando agentes policiais empregaram o uso da força de maneira excessiva contra cidadãos negros, causando a morte de alguns, o último caso ocorreu em uma escola da Carolina do Sul. Foi na segunda-feira, no instituto Spring Valley, cidade de Colúmbia, e, como revelado por um vídeo gravado por um outro estudante, o policial agarra violentamente uma estudante pelo pescoço e pela perna, jogando-a no chão e virando sua carteira. A cena é presenciada por outros colegas, que evitam olhar o que está acontecendo ao redor.
O incidente está sendo investigado pelo FBI, enquanto o policial, identificado como Ben Fields, foi suspenso de seu posto. O policial havia sido chamado para expulsar uma aluna que se recusava a deixar a sala de aula. Essa prática, que pode parecer surpreendente em outros países, é comum nos Estados Unidos, onde não está isenta de controvérsia.
"A estudante foi informada de que seria presa por impedir o andamento da classe e recebeu instruções que não foram acatadas", disse na segunda-feira Leon Lott, xerife do condado. "O vídeo mostra como a estudante resistiu quando foi presa." Outra aluna, também presa após protestar contra o ocorrido, foi libertada após pagar uma fiança de 1.000 dólares (3.900 reais).
“Nunca vi nada tão asqueroso, tão brutal a tal ponto que os alunos olhavam para outro lado, sem saber o que fazer, temendo por suas vidas", disse uma das testemunhas à rádio local WLTX. "Supõe-se que [um policial] tenha de ser alguém que te proteja, e não alguém que imponha medo."
A Associação de Pais do instituto onde a prisão ocorreu descreveu a ação policial como "inaceitável" e "escandalosa". "Parte nosso coração ver outro exemplo de intolerância que continua sendo um problema em nosso distrito, especialmente contra as famílias de minorias", diz o comunicado da associação. As críticas contra a agressão se espalharam pelas redes sociais, com a maioria das mensagens de protesto sob a hashtag #AssaultAtSpringValleyHigh.
Os Estados Unidos contam entre seus corpos policiais com agentes identificados como “recurso para as escolas”. Como afirma o Departamento do Xerife do condado, sua presença faz parte da colaboração entre as autoridades e as escolas para “reduzir o crime, o consumo de drogas e a violência, assim como promover um ambiente seguro para os estudantes”.
O uso desses agentes aumentou especialmente nos anos 80, quando os EUA declararam a chamada Guerra contra as drogas. Os agentes são designados a cada uma das escolas públicas, onde têm a responsabilidade de ser “um bom exemplo para os estudantes” e assessorar tanto os professores como os pais.
A atuação policial nas escolas recebeu menos atenção nos últimos meses do que os incidentes que acabaram com as vidas de Eric Garner, Michael Brown e Freddie Gray, mas existem incidentes semelhantes. Em 2015, a revista Mother Jones publicou uma compilação de vários casos nos quais os estudantes precisaram de cuidados médicos depois de uma altercação com um agente no colégio. De acordo com os dados recopilados pela publicação, pelo menos 28 alunos ficaram feridos e um deles morreu baleado.
Outra reportagem do Huffington Post identificou 25 alunos de 13 estados que foram atacados com gás lacrimogêneo, pistolas elétricas e paralisantes. A Associação Nacional de Agentes Escolares afirma que entre o tiroteio da Escola de Columbine em 1999 até 2006, o número de policiais designados aos colégios duplicou até chegar em 20.000 agentes, com um investimento federal de 876 milhões de dólares (3,41 bilhões de reais). Em 2012, o massacre na escola infantil de Sandy Hook causou um novo aumento.
Apesar de as autoridades justificarem o uso dos agentes por motivos de segurança, muitas das vozes que na terça protestaram contra o ocorrido na Carolina do Sul se perguntavam por que esse tipo de incidente se repete em regiões nas quais o corpo estudantil é formado em sua maioria por minorias raciais. O Departamento de Educação revelou em 2014 que 92.000 estudantes foram presos nas escolas em 2011 e 2012, a primeira vez em que esses dados começaram a ser recopilados.
Apesar de os estudantes afro-americanos formarem 16% do alunato, representam 31% das detenções. Um relatório da Casa Branca recomendou a preparação específica desses agentes ao considerar que “as ofensas podem se transformar em acusações por crime quando os agentes não são treinados em matéria de desenvolvimento infantil e adolescente”.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Divisão do Exército homenageia Ustra

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Divisão do Exército homenageia Ustra

Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Na semana passada morreu o coronel Brilhante Ustra, tido e havido como um dos mais importantes chefes do aparelho de repressão e tortura da ditadura. 

Em vida, parentes de mortos e desaparecidos até picharam certa vez o asfalto na porta de sua casa. Eu morava na mesma rua, no Lago Norte de Brasília.

 Morto, porém, ninguém desrespeitou a dor da família perturbando seu funeral, como fizeram os militantes de direita que foram ao velório de José Eduardo Dutra com cartazes dizendo "petista bom é petista morto".

O coronel morreu respondendo a vários processos por tortura mas não chegou a ser condenado em nenhum. O manto da reciprocidade da Lei da Anistia o protegeu.

 E se tivesse sido, a idade o dispensaria de cumprir pena. Morreu em paz. 

Já os parentes de mortos, torturados e desaparecidos que passaram pelo DOI-CODI de São Paulo, que ele comandou, não estão em paz. Não entendem que uma unidade do Exército possa ter promovido ontem, segunda-feira, 26, uma homenagem póstuma a Ustra. 

Por coincidência ontem também foi lembrada em São Paulo a passagem dos 30 anos da morte de Valdimir Herzog, sob tortura, naquela unidade.

A iniciativa da cerimônia de homenagem a Ustra foi do comandante da 3a, Divisão de Exército de Santa Maria (RS), chamada Divisão Encouraçado, general José Carlos Cardoso. 

Conforme fac-símile e informação divulgados pelo blog Coluna Esplanada, do Uol, ele enviou convites digitais a todos os militares de sua unidade para participarem do ato.

Estes são pequenos mas preocupantes sinais, num momento em que há gente pedindo a volta dos militares ao poder, Quem viveu a ditadura sabe que isso é uma blasfêmia, uma insanidade que não pode ser dita nem pensada.

Nossa democracia ainda é sim, adolescente, como disse Dilma. E atravessa um de seus momentos mais delicados, com visível perda de apreço - das pessoas e dos políticos - pelos valores, ritos e garantias democráticas que não caíram do céu. Foram conquistados com muita luta e sofrimento. Não brinquemos com isso.


Como responder a uma fascista. Por Jean Wyllys.

Por Jean Wyllys, em sua página no Facebook:


Amigos e seguidores me questionaram privada ou publicamente se Celene Carvalho - a fascista que insultou, aos gritos, Eduardo Suplicy e o prefeito Fernando Haddad na Livraria Cultura, em São Paulo, há alguns dias, e cujo vídeo da agressão viralizou na internet - é mesmo filiada do PSOL. Como, no momento do questionamento, eu não sabia a resposta (afinal de contas, o PSOL tem representação em quase todo o Brasil e eu não conheço nem um centésimo dos seus filiados), eu me calei e fui pesquisar.

Para minha surpresa e infelizmente, Celene era, sim, filiada ao PSOL de São Lourenço, Minas Gerais. Ela inclusive foi candidata pelo partido numa das eleições passadas. A representação do PSOL em Minas informou que já havia pedido o afastamento da fascista. Porém, como o pedido de afastamento não fora devidamente encaminhado à Comissão de Ética da direção nacional do partido, Celene continuava constando da lista de filiados do PSOL. Mas, com esse episódio, a direção nacional do partido vai acelerar a expulsão da fascista.

Apesar de criterioso e rigoroso em seu processo de filiação, o PSOL não está imune a infiltrações de pessoas que nada têm a ver com seu programa nem ideologia. Algumas dessas infiltrações se devem à disputa interna ao partido entre suas diferentes tendências; outras se devem a tentativas deliberadas, por parte de outras legendas, de desqualificar um partido cada dia mais respeitado pela opinião pública.

Creio que se Celene tenha se infiltrado no PSOL devido às disputas internas. Tendo em mente apenas a informação de que o partido nascera de uma dissidência do PT, a fascista deve ter achado que o PSOL seria terreno fértil para seu antipetismo doentio e certamente contou com o apoio de algum dirigente que pretendia usá-la nas disputas internas.

Celene nada tem a ver com o PSOL nem com suas figuras públicas. Ela está mais bem próxima do demo-tucanato (ou seja, das ideias antipetistas comuns ao PSDB e ao DEM) e dos fascistas com colunas na "grande mídia", tanto que, em seu perfil no Facebook, pululam selfies com Aécio Neves, Reinaldo Azevedo et caterva, sem falar de sua idolatria ao juiz Sérgio Moro.

O PSOL que meus companheiros de bancada e eu representamos está tão longe de Celene que os grupelhos de analfabetos políticos pró-impechment de Dilma que atuam na internet em sintonia com parlamentares do DEM e do PSDB (grupelhos que a fascista tanto admira e dos quais compartilha postagens em seu perfil na rede social) vivem nos acusando de "linha auxiliar do PT" e duvidando da oposição que fazemos ao governo da presidenta Dilma.

Celene cabe perfeitamente naquela já clássica fotografia em que parlamentares do PSDB, DEM e PPS e outros do baixíssimo clero da Câmara Federal e "líderes" dos grupelhos de analfabetos políticos pró-impechment aparecem sorridentes e de dedo em riste ao lado do presidente da casa, Eduardo Cunha, denunciado formalmente - e com robustas provas - pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro (inclusive em igreja evangélica) e evasão ilegal de divisas. Celene comunga da mesma indignação seletiva dessa gentalha que quer o impechment de uma presidenta da República sobre qual não pesa qualquer denúncia de crime algum, mas apoia um presidente da Câmara Federal que todos sabemos ser, devido investigações dos ministérios públicos suíço e brasileiro, um criminoso contumaz e cínico.

Aliás, graças a esse apoio, os grupelhos de analfabetos políticos ganharam, de Eduardo Cunha, o direito de violarem, com a complacência e a proteção da Polícia Legislativa, o Ato da Mesa, em vigor desde 2001, que proíbe acampamentos e palanques em frente ao Congresso Nacional. O patrimônio histórico e cultural se encontra manchado pelo verde-oliva das barracas de camping caras erguidas sobre o gramado pelos grupelhos pró-impechment (ao mesmo tempo, a Polícia Legislativa proibiu que sem-teto, indígenas e movimentos que pedem o afastamento de Cunha ali se instalassem!). A imprensa não disse o "a" a respeito dessa ilegalidade! (Imaginem o que diriam se fossem as barracas do MST!)

Antes de insultar Suplicy e Haddad, Celene fizera parte de um grupo que tentou constranger Dilma e Lula durante uma festa de casamento para qual foram convidados. Sua postura, entretanto, não é isolada nem está fora do contexto de crise política que vivemos. Ela é parte do "cotidiano autoritário" que se engendrou no Brasil durante e após as eleições de 2014 em função da linha de atuação adotada pelo PSDB e que é analisado pela filósofa Marcia Tiburi em seu novo e necessário livro "Como conversar com um fascista - reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro" (Editora Record), do qual tive a honra de assinar o prefácio.

Celene é produto da desonestidade intelectual e da má fé de editores, colunistas e articulistas que atuam na chamada "grande mídia" e que deformam o imaginário e o caráter de sua audiência com coberturas parciais, meias-verdades, boatos alçados à condição de fatos, declarações selecionadas e mentiras deliberadas. Não preciso citar seus nomes. Celene é fruto da canalhice e da demagogia da oposição de direita na Câmara Federal e no Senado, blindada por editores, articulistas e colunistas da "grande mídia".

O episódio de Celene dá sequência ao macartismo tupiniquim (muito em vigor durante a ditadura militar!) e que já vitimou Guido Mantega, Alexandre Padilha, José Eduardo Cardoso, Stédile, Jô Soares, Marieta Severo, o rapper Flávio Renegado, os médicos cubanos, os imigrantes haitianos e o casal de intelectual de Perdizes. O mesmo macartismo que, ontem, decidiu, numa expressão sem precedentes da burrice motivada ou da má fé deliberada, atacar o último ENEM por conter questões sobre a persistente violência contra a mulher e sobre o racismo na sociedade brasileira.

Em seu maravilhoso "Como conversar com um facista", Marcia Tiburi chama atenção para o papel da burrice - aquilo que Hannah Arendt caracteriza como "vazio do pensamento" - na banalização do mal a que assistimos ora chocados ora silentes. O fascista não pensa nem reflete criticamente: apenas repete afirmações que estão de acordo com os preconceitos que carrega em si há tempos e dos quais não conseguiu se livrar. "O fascismo é a máscara mortuária do conhecimento", explica a filósofa em seu livro.

Os que se calam hoje diante da escalada do fascismo no Brasil, por conveniência, preguiça ou egoísmo, não têm ideia do que lhes espera no futuro se esse mal não for devidamente contido. O fascismo e o nazismo aniquilaram milhões de seres humanos com requintes de crueldade pelo simples fato de estes serem judeus, homossexuais, ciganos e comunistas. Não se esqueçam disso!

Peço muitas desculpas a Suplicy e a Haddad, homens públicos que gozam do meu respeito e da minha admiração. O PSOL repudia veementemente não só as agressões de Celene como também o antipetismo odioso expresso pela "grande mídia", pelos partidos de oposição de direita e pelas hostes fascistas na internet (sempre juntos e misturados!). Só a parte obtusa da militância petista nas redes sociais - obtusa e adepta da má fé como sua contraparte tucana - pode achar e dizer que o PSOL endossaria essa barbárie. Por outro lado, o demo-tucanato pode me chamar à vontade de "linha auxiliar do PT" se isso significar se colocar contra a estupidez e a desonestidade intelectual dos que atacam a agenda e as figuras públicas petistas comprometidas com a justiça social!

Jamais sejamos complacentes com fascistas. Reajamos sempre às suas ações. Mas, num gesto humanitário que nos cabe, apiedemo-nos dessas almas pequenas; elas foram envenenadas por canalhas que, ao contrário de nós, estão pouco interessados num mundo mais justo e humano.

Legalização da maconha muda hábitos no Uruguai


Homem cuida de suas plantas em Montevidéu. / N. CELAYA (CORDON PRESS)


À espera da venda em farmácias, o autocultivo predomina sobre o mercado negro

Brasil entra na discussão mundial sobre a legalização do uso de drogas

El País
MAGDALENA MARTÍNEZ 
Montevidéu 21 OCT 2015 - 16:07 BRST

Usuários de maconha no Uruguai descobriram depois da legalização que fumar a cannabis artesanal do autocultivo é uma experiência muito mais "forte" do que o consumo da substância vendida no mercado negro. "Com duas tragadas já basta", e concordam: os longos períodos fumando acabaram, a experiência agora é muito mais breve, com um sabor e aroma diferentes. A tal ponto que os setores que defenderam a descriminalização afirmam que a distribuição legal de 10 gramas por semana em farmácias poderia ser excessiva se não houver campanhas de informação.


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Desde setembro de 2014, os clubes de maconha são legais no Uruguai, bem como o autocultivo para aqueles que completem um simples processo de registro nos postos de correios. Assim, segundo dados oficiais, 3.000 pessoas cultivam legalmente em suas casas até seis pés de maconha. Mas muitos continuam fazendo clandestinamente porque não confiam no registro ou por preguiça: estima-se que o número de consumidores no Uruguai gire em torno de 120.000 pessoas. Os dados não são oficiais, mas o Governo mencionou a cifra várias vezes durante o debate parlamentar sobre a descriminalização.

Na ausência de registros em massa, o que de fato parece aumentar é a preferência pela maconha artesanal e o lento retrocesso da venda de maconha ilegal, o chamado prensado paraguaio, procedente do país vizinho, uma mistura de cannabis com outras substâncias indeterminadas que incluem produtos químicos.

Pedro é um consumidor assíduo, tem vários pés de maconha em casa e não pretende regularizá-los: tem medo de deixar seu nome num registro. "Há algum tempo cultivo minha própria maconha e nem me passa pela cabeça comprar no mercado negro. Recentemente tive que fazê-lo porque estava no exterior, mas minha cabeça doía e tinha gosto de amoníaco na boca", explica. Outro consumidor, Álvaro Delgado Vivas, decidiu fazer parte de um clube de cannabis que atualmente conta com 45 membros e cultiva cerca de 95 pés de maconha, tudo dentro da lei. "É forte, é muito mais psicoativa, mas deixa você com uma sensação melhor", diz, fazendo referência às plantas do autocultivo. "Tenho 26 anos e há três deixei de consumir o prensado paraguaio. Às vezes vou ao estádio e há pessoas que continuam fumando, porque o cogollo [artesanal] custa mais. Na medida do possível, o cogollo é uma novidade, é outro mundo. Em Montevidéu ainda se consume maconha ilegal, porque vai demorar um pouco para a venda em farmácias", diz.

Terrenos do Estado

O Governo anunciou que duas empresas vão começar a cultivar cannabis em terrenos de propriedade do Estado, e que a substância chegará às farmácias para venda ao público em meados de 2016. Diego Pieri, sociólogo e membro da organização Proderechos, confirma que o consumidor uruguaio transita cada vez mais entre o mercado legal e ilegal. "A maconha de qualidade não é acessível para 100% [das pessoas], ainda falta a implementação da venda em farmácias. Então muita gente alterna: fuma o paraguaio quando fica sem flores. Isso faz com que se perceba a diferença da experiência."


Pieri afirma que o mercado negro estagnou enquanto a maconha artesanal está ganhando mais adeptos. Um estudo da Fundação Friedrich Ebert, do Uruguai, publicado em maio 2015, mostra que 39% dos usuários de maconha já escolhem as flores do cultivo artesanal.

Na Associação de Estudos da Cannabis (AECU), todos os dias chegam adultos à procura de produtos para aliviar suas dores e “que saem com suas mudas", diz Laura Blanco, presidenta da organização. Também chegam estrangeiros. Por lei, apenas residentes podem consumir e cultivar maconha. Blanco também afirma que os 40 gramas mensais autorizadas por lei são excessivos e que o Governo deve fazer campanhas de prevenção e informação.

4,3 reais por grama
Os consumidores reconhecem que surgiu um "mercado cinza" que transita do autocultivo legal até alguns compradores. Assim, o grama da flor artesanal estaria sendo vendido por 80 pesos (cerca de 11 reais) nessa "zona cinzenta".

Para efeito de comparação, o prensado paraguaio seria muito mais barato, cerca de 30 pesos (menos de 4,3 reais). E quando a maconha chegar às farmácias, o preço será de menos de 4,3 reais por grama, segundo as autoridades.

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Brasil entra na discussão mundial sobre a legalização do uso de drogas

Supremo iniciou nesta quarta julgamento sobre descriminalização do porte de drogas

País tem legislação atrasada em relação a vizinhos, como Argentina, Uruguai e Chile

Descriminalização da maconha tem três votos favoráveis no STF. 

El País

M. R. São Paulo 20 AGO 2015 - 20:05 BRT


Citando Lucy in the sky with diamonds, uma emblemática canção lisérgica dos Beatles, Rafael Muneratti, defensor público do Estado de São Paulo, deu início a uma discussão que pode, enfim, colocar um dos pés do Brasil no século 21, ao menos no que diz respeito às políticas adotadas em relação ao uso das drogas.

 Muneratti participou no Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira do início do julgamento sobre a descriminalização do uso e porte de drogas, como a maconha e a cocaína, no Brasil.


Estamos atrasados no discussão mundial, de acordo com os especialistas e ativistas. Para ficar apenas nos países vizinhos, Chile, Argentina, Colômbia e Venezuela por exemplo, não tratam como crime o uso individual de drogas. 

Em julho deste ano, o parlamento chileno começou a discutir o cultivo de maconha para consumo próprio. No Uruguai, o debate está mais além: o país está regulamentando desde o ano passado a venda e produção da maconha. 

. “Na América do Sul, apenas as Guianas e o Suriname tratam o uso de drogas como crime”, diz Dartiu Xavier da Silveira, médico da Unifesp. “Eu me sinto na idade da pedra.”

O que está em jogo no Supremo desde 2011 é a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas (11.343/2006), que trata das penas para quem for pego portando ou consumindo alguma substância ilícita ou cultivando maconha para consumo próprio. 

Desde 2006, a punição para esse tipo de crime se limita a penas alternativas, como a prestação de serviços para a comunidade. 

Mas há juristas e médicos que questionam a constitucionalidade dessa lei, argumentando que ela fere a liberdade individual e não contribui com o tratamento dos viciados em drogas.

O debate é longo e conta com médicos, juristas e representantes de organizações com opiniões contra e a favor das mudanças. 

"Um paciente meu dependente de álcool tem que lidar com todos os problemas que a dependência traz", afirma Dartiu Xavier. "Mas um dependente de cocaína tem que lidar, além dos problemas da dependência, com suborno policial, advogado e problemas jurídicos. 

Ou seja, você aumenta todos os problemas de alguém doente." Segundo o médico, o viciado tem problemas em assumir que faz uso de drogas proibidas e por isso pode demorar mais tempo para pedir ajuda e tratamento. 

. "Quem é alcoólatra, assume que é. Mas um jovem dependente de crack ou maconha não assume que está fazendo algo ilícito".

Ronaldo Laranjeira, presidente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, argumenta que o ponto mais fraco caso a lei seja aprovada serão os jovens.

 "O único grupo que vai aumentar o consumo serão o dos adolescentes, que estarão expostos a mais formas de drogas", diz. Segundo ele, de 3% a 5% dos brasileiros são usuários de maconha.

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No ano passado, o Ibope fez uma pesquisa e constatou que 79% da população brasileira é contra a legalização da maconha. 

A demanda pela discussão desse tema é enorme. Na tarde desta quarta, por volta das 4:20, um referência ao dia mundial da maconha (20/4), a hashtag #DescriminalizaSTF estava em primeiro lugar nos Trend Topics do Brasil no Twitter.

 Poucos minutos depois, apareceu na lista mundial. A sessão, transmitida ao vivo pelo canal do STF no Youtube, chegou a ter 15.000 pessoas assistindo. A média, segundo a assessoria do órgão, é de 300 usuários por sessão.

Discussão e população carcerária
O tema foi parar no Supremo depois que um homem foi punido portando três gramas de maconha dentro de um presídio, em 2009. 

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo entrou com uma ação contestando a constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas. “O porte de drogas para uso próprio não afronta a chamada ‘saúde pública’, mas apenas, e quando muito, a saúde pessoal do próprio usuário”, diz a ação.

 O médico Ronaldo Laranjeira discorda: "O ato de usar drogas não afeta só o indivíduo, afeta pelo menos outras quatro pessoas. Se a pessoa tem filhos e usa drogas, ela afeta os filhos também", diz.

Para Rafael Custódio, coordenador de Justiça da ONG Conectas, que falou nas exposições do STF nesta quarta, a atual lei que criminaliza o porte de drogas "nos leva ao vergonhoso ranking de 4ª maior população carcerária do mundo". 

"Hoje, cerca de 27% dos presos do país respondem a algum crime da lei de drogas", disse ele, em relação à legislação de 2006. Antes, eram por volta de 11%, afirma.

Para o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, "a questão mais difícil, se se decidir descriminalizar, é estabelecer os critérios possíveis para fazer a distinção entre uma coisa e outra". 

. "Evidentemente é preciso pensar a questão das drogas de uma perspectiva brasileira, onde o grande problema é o poder do tráfico, o grande problema é o encarceramento de jovens não perigosos e também o consumidor é um problema", disse o ministro na semana passada.


Por isso, o debate deve se estender por mais tempo. Embora a discussão tenha começado nesta quarta, ela não chegou a ir a votação. 

Nesta quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes, relator da ação, deve tornar público seu voto durante a sessão, que começa às 14h. Depois disso, votam todos os outros dez ministros do STF.

As frases a favor e contra

A favor

Não se tem notícia que a Argentina tenha se tornado um país de drogados por conta da liberação do uso de entorpecentes
Rafael Muneratti, defensor público do Estado de São Paulo

O direito ao prazer ainda está garantido na Constituição
Luciana Boiteux, representante da Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos

Deixar de incriminar não afetará o consumo. Em países em que houve a descriminalização não houve aumento do consumo
Cristiano Avila Maronna, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

A criminalização ou o castigo ao usuário de drogas afeta o acesso à saúde, afeta o tratamento. O usuário, na maior parte das vezes, é uma vítima do seu vício
Pierpaolo Cruz Bottini, advogado e representante da ONG viva Rio

A lei antidrogas brasileira funciona como instrumento de criminalização da pobreza
Rafael Custódio, da Conectas

Contra

Consumir drogas sempre causa danos. E se ilícita então, os danos podem ser irreversíveis
Márcio Fernando Elias Rosa, da procuradoria geral da Justiça

Eu cantei muito essa Lucy in the sky with diamonds, mas nem por isso eu faço apologia ou consumo essa droga sintética (...) Não existe direito constitucionalmente assegurado a uma pessoa ficar em êxtase
Rodrigo Janot, procurador-geral da República

A possibilidade da liberação do uso ou porte de drogas certamente crescerá em muito o consumo
Wladimir Sergio Reale, advogado

Não existe exemplo no mundo de que liberar o porte de drogas melhora a vida das pessoas".da Associação Nacional Pró-vida e Pró-família inicia sua fala
Paulo Fernando Melo da Costa, advogado

Nós não temos condições de cuidar dos nossos dependentes... Descriminalizar não seria a solução seria o surgimento de mais cracolândias
Cid Vieira de Souza Filho, da Federação do Amor Exigente


domingo, 25 de outubro de 2015

A LEI ANTICORRUPÇÃO AMERICANA E SUA APLICAÇÃO SELETIVA. Por André Araújo.

Jornal GGN

Luís Nassif online

22/10/2015




 Os Estados Unidos tiveram momentos escatológicos de corrupção em sua historia política de 239 anos. A Prefeitura de Nova York e o governo do Estado de Nova York foram símbolos da mais escandalosa corrupção politica que virou palavra de dicionário - Tammany Hall - sinônimo de corrupção.

Há um filme de Deanna Durbin, da década de 40, antológico, onde a atriz chega em Nova York como imigrante com seu pai irlandês analfabeto, é recepcionada no próprio navio por agentes de Tweed, o chefe político de Nova York, é dia de eleição e fazem o pai analfabeto votar 17 vezes, depois arranjam um emprego para ele como superintendente do Central Park, porque sendo analfabeto iria deixar passar toda a roubalheira que eles planejavam fazer no parque.

O Estado de Lousiana e o Estado do Texas viveram sob o manto da mais profunda corrupção politica, o Presidente Lyndon Johnson tem uma biografia das mais pujantes em matéria de corrupção que se liga a ele desde o primeiro dia de sua vitoriosa carreira política. A Prefeitura de Chicago, há quatro gerações nas mãos da mesma família Dailey é outro sinônimo de corrupção politica nos EUA que ajudou decisivamente Kennedy a se eleger com votos comprados, sendo a mesma máquina politica de votos de cabresto patrocinadora da eleição de Barack Obama, poíitico de Illinois onde os Dailey reinam há quase um século. A máquina politica mafiosa de Tom Prendergast dominava Kansas City no Missouri e coube a ele escolher um desconhecido vendedor de camisas para compor a última chapa presidencial liderada por Franklin Roosevelt. Prendergast indicou um certo e desconhecido Harry Truman, que virou presidente pela morte de Roosevelt e depois reeleito. Naquela época os EUA eram dominados, especialmente no Partido Democrata, por máfias políticas regionais que vendiam votos em bloco a troco de futuras vantagens. Hoje diminuiu muito mas ainda hoje o mundo politico e eleitoral americano não é nada limpo.

A Lei Anticorrupção FCPA de 1973 foi um marco na luta anticorrupção empresarial nos EUA. Mas os americanos são práticos. Nem sempre ela se aplica, há circunstâncias e conveniências. O programa OIL FOR FOOD, um conjunto de sanções aplicadas ao Iraque de Saddam Hussein pela ONU permitiu um gigantesco esquema de corrupção onde o total de propinas alcançou US$10 bilhões de dólares e o envolvimento de empresas americanas foi significativo. A trading de petróleo GLENCORE, anteriormente Marc Rich & Co., de Zug na Suíça, no papel uma empresa suiça mas na verdade todos seus sócios eram americanos foi a Rainha do programa Oil for Food, mereceu uma condenação de mais de US$400 milhões e altas penas de prisão promovidas pelo Departamento de Justiça mas no fim tudo foi perdoado pelo Presidente Clinton porque Denise Rich foi uma das maiores contribuintes das campanhas Clinton.

Ver no link o relatorio sobre a corrupção desse programa OIL FOR FOOD produzido pelo respeitado COUNCIL ON FOREING RELATIONS, de Nova York, com os números da corrupção. O professor Marco Antonio Villa se engana quando diz que o petrolão é o maior caso de corropção da historia da humanidade, não fica nem entre os vinte maiores.

O mesmo Iraque volta à cena na segunda invasão, a de 2003, quando a indústria do petróleo foi literalmente saqueada por iraquianos aliados a funcionários americanos, tendo sumido do Ministério do Petróleo e da Companhia Nacional Iraquiana de Petróleo cerca de US$30 bilhões em dez anos via esquemas de trading girados na Jordânia e transações triangulares com bancos de Beirute, um dos quais desviou US$3 bilhões em um só dia.

Hoje os EUA tem excelentes relações com a SONANGOL, estatal de petróleo de Angola, empresa que vende toda sua produção para os EUA e é operada basicamente por empresas americanas através de contratos de prestação de serviços. A corrupção da família presidencial de Angola, começando pela bonita Isabel dos Santos, no ranking da FORBES com 3,7 bilhões de dólares, que vive entre Londres, Lisboa e Rio, nunca despertou a atenção do Departamento de Justiça, sobre essa empresa que é uma universidade de corrupção em nivel astrofísico.

Há portanto uma seletividade na aplicação da FCPA, depende do alvo, do caso, do País e das circunstâncias.

E aqui temos certos bem pensantes que se extasiam com a pureza e o rigor dessas leis de pretensão extraterritorial.

O despacho da Reuters de agosto deste ano, que já publiquei aqui, dá notícia que o Departamento de Justiça, abastecido por provas que vem do Brasil, tem a pretensão de punir com altas multas empresas brasileiras que estão na lista do "petrolão" mesmo que não tenham qualquer negócio ou transação com os EUA, a Divisão Criminal chefiada por Leslie Caldwell e sua auxiliar Magdalena Boyton, chefe da seção América do Sul, esta participou em 2012 de Congressos do Ministério Público no Brasil, elas pretendem punir empresas puramente brasileiras que só operam no Brasil por conta da lei americana FCPA, sequer tem dúvidas que sua jurisdição se projeta para fora das fronteiras americanas.

Provavelmente tem sua dose de razão, a reação aqui é tão passiva que vale a pena tentar cobrar multa no Brasil por atos praticados no Brasil por brasileiros contra uma empresa estatal brasileira.  Provavelmente terão brasileiros para ajudar na cobrança.

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A democracia arrombada, por Janio de Freitas

da Folha



24/10/2015


Crise, crise mesmo —não os quaisquer embaraços que os jornalistas brasileiros logo chamam de crises— desde o fim da ditadura tivemos apenas a que encerrou o governo Collor. Direta ao objetivo, exposta como se nua, escandalosa e inutilmente previsível, começou e se encerrou em cinco meses e dias. Estava reafirmado, provava-se vivo e são, o mau caráter histórico do Brasil.

Mas, aos quatro anos, a Constituição resistiu e respondeu aos safanões, não muitos nem tão graves. Não se deu o mesmo com a crise em que fiz minha estreia como jornalista profissional. Aos oito anos em 1954, a primeira Constituição democrática do Brasil, em quase 450 anos de história, não pôde sequer esperar que um golpe militar e um revólver matassem Getúlio. As tantas transgressões que sofreu desde a posse do Getúlio eleito já eram o esfacelamento da Constituição democrática, com o desregramento político, legal, ético e jornalístico da disputa de poder que ensandecia o país.

O Brasil deixara de ser democracia bem antes do golpe que o revólver de Getúlio deixou inconcluído como ação, não como objetivo. Reduzido o regime de constituição democrática a mera farsa, em poucos meses seguiram-se o impedimento do vice de Getúlio, a derrubada do terceiro na linha de sucessão, que era o presidente da Câmara, e a entrega da presidência ao quarto até a posse do novo presidente eleito. Estes foram golpes militares do lado até então perdedor, antecipando-se aos golpes que o lacerdismo e seus subsidiários prepararam, com os militares de sempre, para impedir a posse do eleito Juscelino.

Em termos políticos, a vigência da Constituição democrática foi restaurada por Juscelino. Lacerda, seus seguidores e aliados fizeram mais para derrubá-lo, e por longos cinco anos, do que haviam feito contra Getúlio. Dois levantes de militares ultralacerdistas (o primeiro delatado ao governo pelo próprio Lacerda, temeroso de represália). Mas os desmandos administrativos, ainda que acompanhados de grandes realizações, corromperam a vigência plena da Constituição.

A Constituição que Jânio Quadros encontra é desacreditada, e por isso frágil. Seus princípios são democráticos, mas, dada a sua fraqueza, o regime não é de democracia de fato. Um incentivo a aventuras inconstitucionais, portanto. Primeiro, a que se frustrou na indiferença ante a renúncia presidencial. Depois, o levante militar contra a posse do vice. Não foi a Constituição democrática que impediu a guerra civil entre seus violadores e seus defensores. Foi um acordo que nem por ser sensato deixava ele próprio de segui-la.

O Brasil do período em que se deu o governo Jango está por ser contado. As liberdades vicejaram, o que deu certos ares de regime constitucional democrático. Mas os desregramentos de todos os lados e o golpismo tanto negaram a constitucionalidade como a democracia. As eleições para o Congresso estavam viciadas por dinheiro norte-americano e brasileiro, grande parte do Congresso seguia ordens de um tal Ibad, que era uma agência da CIA, a agitação governista e oposicionista criava um ambiente caótico e imprevisível mesmo no dia a dia. As liberdades não bastavam para configurar uma democracia, propriamente, por insuficiência generalizada do pressuposto democrático.

Passados os 21 anos de serviço ostensivo dos militares brasileiros aos interesses estratégicos e econômicos dos Estados Unidos, a Constituição de 1988 apenas embasou e aprimorou a democratização instituída com a volta do poder aos seus destinatários por definição e direito –os civis, em tese, os agentes de civilização. De lá até há pouco, o que houve no governo Collor foi como um mal-estar. Não afetou as instituições e sua prioridade democrática.

Não se pode dizer o mesmo do Brasil atual. Há dez meses o país está ingovernável. À parte ser promissor ou não o plano econômico do governo, o Legislativo não permite sua aplicação. E não porque tenha uma alternativa preferida, o que seria admissível. São propósitos torpes que movem sua ação corrosiva, entre o golpismo sem pejo de aliar-se à imoralidade e os interesses grupais, de ordem material, dos chantagistas. Até o obrigatório exame dos vetos presidenciais é relegado, como evidência a mais dos propósitos ilegais que dominam o Congresso. A Câmara em particular, infestada, além do mais, por uma praga que associa a criminalidade material à criminalidade institucional do golpe.

A ingovernabilidade e, sinal a considerar-se, o pronunciamento político contra a figura presidencial, pelo comandante do Exército da Região Sul, são claros: se ainda temos regime constitucional, já não estamos sob legítimo Estado de Direito. A democracia institucional desaparece. Como indicado no percurso histórico, sempre que assim ocorreu e não foi contido em tempo, o rombo alargou-se. E devorou-nos, com nossa teimosa e incipiente democracia.

sábado, 24 de outubro de 2015

Os magnatas de Wall Street tomam partido.



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ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS 2016 

Os magnatas de Wall Street tomam partido. 

*Paul Krugman

El País em português 
24/10/2015

Um presidente democrata será menos permissivo com os grandes bancos do que um republicano. 

Hillary Clinton e Bernie Sanders tiveram uma discussão sobre regulação financeira durante o debate de terça-feira, mas não sobre se convinha ou não ampliar o controle sobre os bancos. 

A discussão era sobre quem propunha um plano mais rígido. O contraste com republicanos como Jeb Bush ou Marco Rubio, que prometeram revogar até mesmo as pequenas reformas financeiras aprovadas em 2010, não podia ser mais marcante.


Se faz alguma diferença, os argumentos de Clinton foram melhores. 

Sanders se concentrou na reintrodução da Lei Glass-Steagall, que separava os bancos comerciais do “sistema bancário na sombra”, mais arriscado. 

E a revogação da Glass-Steagall foi, de fato, um erro. 

Mas não foi o que provocou a crise financeira, que se deveu mais a “bancos na sombra”, como o Lehman Brothers, que não recebem depósitos, mas podem, apesar disso, causar estragos se quebram. 

Clinton apresentou um plano para controlar os bancos na sombra; por ora, Sanders não fez isso.

Mas é digna de crédito a promessa de Clinton de aplicar mão dura ao setor financeiro? 

Ou, quando estiver na Casa Branca, voltará às políticas liberalizantes e brandas da década de 1990 para o setor. 

Bem, se nos guiarmos pela atitude de Wall Street e suas doações políticas, os próprios financistas acreditam que qualquer democrata, incluindo, claro, a própria Clinton, levaria a sério o controle dos excessos de seu setor. 

E essa é a razão pela qual fazem todo o possível para que um republicano seja eleito.

Para entender a política da reforma e da regulação financeira temos de começar por admitir que houve uma época em que Wall Street e os democratas se entendiam bem. 

Robert Rubin, do Goldman Sachs, se tornou a autoridade econômica mais influente da equipe de Bill Clinton. 

Os grandes bancos tinham grande facilidade de acesso ao mundo político, e o setor, em geral, conseguia o que queria, incluindo a revogação da Glass-Steagall.


Essa relação amigável se refletia nas contribuições às campanhas, de tal forma que o setor do mercado de ações repartia suas doações mais ou menos equitativamente entre ambos os partidos e os hedge funds se inclinavam, de fato, pelos democratas.

Mas logo chegou a crise financeira de 2008, e tudo mudou. 

Muitos liberais têm a sensação de que o Governo Obama foi indulgente demais com o setor financeiro depois da crise. 

Afinal, os bancos sem controle colocaram a economia de joelhos, ao deixarem milhões de pessoas sem trabalho, sem casa ou ambas as coisas. 

E mais ainda, os próprios bancos foram resgatados, o que potencialmente representou um custo muito elevado para os contribuintes (embora, no final, o preço não fosse tão alto). No entanto, ninguém foi para a cadeia, e os grandes bancos não se segmentaram.

Os financistas, porém, não se sentiram agradecidos por terem se saído tão bem dessa. 

Pelo contrário, eles foram e continuam sendo consumidos pela “raiva contra Obama”.

Isso reflete, em parte, ressentimentos. De qualquer ponto de vista normal, o presidente Obama se mostrou notavelmente comedido em suas críticas a Wall Street. 

Mas a grande riqueza anda acompanhada de uma grande mesquinhez: trata-se de homens acostumados a uma deferência servil, e alguns deles consideram um insulto imperdoável até os comentários mais suaves sobre seu mau comportamento.


Além disso, embora a lei de regulação financeira Dodd-Frank, aprovada em 2010, tenha sido mais branda do que muitos reformistas desejavam, distava muito de ser ineficaz. 

O Escritório de Proteção Financeira do Consumidor se mostrou muito produtivo e, aparentemente, as subvenções aos “grandes demais para quebrar” na maior parte desapareceram. 

Ou seja, as grandes instituições financeiras, que provavelmente seriam resgatadas em uma crise futura, já não parecem capazes de arrecadar fundos de forma mais barata que as entidades pequenas, talvez porque as instituições “importantes para o sistema” estejam agora sujeitas a normas adicionais, entre as quais o requisito de aumentar suas reservas de capital.

Embora isso seja uma boa notícia para os contribuintes e a economia, os financistas ficam profundamente ofendidos com qualquer limitação à sua capacidade para apostar o dinheiro das pessoas, e votam à base de talão de cheques. 

Os magnatas das finanças ocupam um lugar destacado no reduzidíssimo grupo de famílias endinheiradas que domina o financiamento das campanhas durante este ciclo eleitoral (um grupo que respalda, em sua imensa maioria, os republicanos). 

Antes, os hedge funds dirigiam a maior parte de seus aportes para os democratas, mas desde 2010 passaram quase todos para o Partido Republicano.

Como eu disse, essa assimetria de doações é um indício de que as pessoas de Wall Street levam a sério as promessas democratas de reprimir energicamente os excessos dos banqueiros. 

E também significa que um democrata vitorioso não deveria muito ao setor financeiro.

Se ganha um democrata, importa muito qual deles será? Certamente, não. 

O mais provável é que qualquer deles mantenha as reformas financeiras de 2010 e tente endurecê-las na medida do possível. 

Mas as novas reformas de grande envergadura ficarão bloqueadas, a menos que os democratas retomem o controle de ambas as Casas do Congresso, o que é improvável que ocorre em um futuro próximo.


Em outras palavras, embora haja algumas diferenças quanto à política financeira entre Clinton e Sanders, na prática são insignificantes, comparadas com a distância abismal que os separa dos republicanos.

*Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia de 2008.

© The New York Times Company, 2015.