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domingo, 2 de abril de 2017

53 anos do golpe militar de 1964.

Assista no link abaixo o vídeo do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


https://www.facebook.com/crpsp/videos/1315352541866858/


A GRANDE PARTIDA: 


Anos de Chumbo (75 min)


De Francisco Soriano. 

Assista o vídeo no link abaixo:

https://youtu.be/EIk2IIkmoJM

Entrevista Histórica com Gregório Bezerra .


Assista no link abaixo:


https://youtu.be/Zezr6fsc_oo

Lava-Jato agora mira nos partidos políticos


Por Dayane Santos, no site Vermelho:

Desde que foi deflagrada, em 2014, a Operação Lava Jato criou um cenário de devastação na área da infraestrutura no país, com quebradeira nas maiores construtoras nacionais e dezenas de obras estruturantes paralisadas. 

Agora, a força-tarefa de Curitiba dirige o seu canhão contra os partidos, ao apresentar, nesta quinta-feira (30), uma ação de improbidade administrativa contra o Partido Progressista (PP).

A ação assinada pelo procurador Deltan Dallagnol segue o modelo da denúncia apresentada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em setembro do ano passado, baseando-se na convicção – não em provas - de que em troca do apoio político, o governo do ex-presidente nomeou indicados de partidos e, assim, garantiu o favorecimento das empresas. 

Propositalmente, os procuradores criam um imbróglio entre doação, caixa 2 e propina, que variam ao de acordo com a vontade.

A ação pede o ressarcimento de 2 bilhões de reais, sendo mais de R$ 460 milhões do PP. 

Em uma coletiva de imprensa em que voltou a usar o PowerPoint - que virou piada nas redes após a apresentação da denúncia contra Lula – Dallagnol disse que o PP não deve ser o único partido formalmente acionado pela Lava Jato, e que "é possível e vai ser avaliado no momento oportuno" a sanção a outros partidos. Na petição, além do PP, aparecem apenas o PT e PMDB.

De fato, a petição apresentada pelo MPF busca pavimentar um caminho em direção ao alvo principal escolhido pela Lava Jato: o PT e a sua base aliada e o Lula.

Para a ação civil, a força-tarefa utilizou o depoimento dos delatores, a partir da diretoria de Abastecimento da Petrobras, sob o comando do então diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

Porém, depoimento de testemunhas convocadas pelo próprio MPF no processo contra Lula, por exemplo, executivos da estatal delatores na Lava Jato negaram qualquer conhecimento de vantagens indevidas ou qualquer participação de Lula nos desvios da Petrobras.

Ações de improbidade rejeitadas

As primeiras ações de improbidade da operação — que tiveram como alvo agentes públicos e empresas — estavam vinculadas a essa diretoria. Duas delas foram julgadas improcedentes, entre as quais a ação contra executivos da Galvão Engenharia, a própria construtora (como pessoa jurídica) e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

A tese apresentada nas ações contra as empresas é a mesma encaminhada na fundamentação contra os partidos. 

O juiz federal Friedmann Anderson Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, ao rejeitar pedido, argumentou que, apesar do "esmero da acusação" feita pelo MPF, os argumentos e as provas não são capazes "lastrear a prentensão de ressarcimento".

Para o MPF, sendo os partidos pessoas jurídicas, por analogia, cabe o mesmo tratamento dado as empresas, portanto, podem ser enquadradas na condição de de terceiro particular que concorre para a pratica de atos ilícitos.

E mais: pelo fato de agentes filiados ao partido terem praticado os supostos atos ilícitos dos quais são acusado, por consequência, o partido foi beneficiário e, portanto, culpado.

No caso do PP, os investigadores de Curitiba dizem que existiam dois esquemas de desvios de verbas da Petrobras: um envolvendo contratos vinculados à diretoria de Abastecimento; e outro que se refere a benefícios em prol dos interesses da Braskem, empresa do Grupo Odebrecht.

A ação cita 11 pessoas, entre elas o ex-deputado Pedro Corrêa e os deputados federais Nelson Meurer (PP-PR) e Arthur Lira (PP-AL). Além disso, a ação acusa integrantes da bancada do PP na Câmara como beneficiários de propinas no âmbito da Petrobras.

Criminalização dos partidos

Enquanto insufla a campanha de criminalização dos partidos, os procuradores afirmam que a ação não tem o objetivo de prejudicar o "exercício pleno da atividade partidária".

Segundo Dallagnol, "oferecer essa ação não é uma opção", mas se trata de "seguir a lei". "Pessoas jurídicas devem estar sujeitas a sanções dessa lei de improbidade. Existem várias provas de que o partido incorreu nessas práticas por meio dessas lideranças e foi beneficiado", justificou Dallagnol.

Mas se essa tese não encontrou base jurídica nas ações impetradas contra as empresas, como justificaria contra os partidos?

No caso das empresas, o juiz Friedmann Anderson Wendpap desmontou essa tese dos procuradores, apontando que tal justificativa ignora o fato de que no Brasil, e nos países onde prevalece o Estado Democrático de Direito, vigora o princípio da intranscendência das penas, isto é, nennhuma pena passará da pessoa do condenado. Ou seja, se foi o agente que comentou o crime, não a empresa, deve-se penalizar o agente.

O juiz não viu sentido nessas alegações, por “uma singela razão”: “o que a 
Petrobras pagou, em verdade, foi o preço do contrato e em razão de um serviço que, em tese, foi realizado a contento. Logo, o pagamento da propina não implica, ipso facto, dano ao erário, mas desvantagem, em tese, às próprias contratadas”.

O juiz fundamentou ainda que, mesmo considerando o relato de que a propina baseava-se em uma parte do contrato, de pelo menos 1%, o raciocínio é “sofismático”.

“Em primeiro lugar, porque é possível também que as empresas tenham pagado esse valor a partir da margem de lucro ínsita à álea do negócio”, apontou.

O juiz rejeitou mais dois argumentos: negou o pedido de dano moral coletivo e a rejeita acusação contra a Galvão Participações, sócia-controladora da Galvão Engenharia, por falta de provas de que a companhia-mãe conhecia as irregularidades.

O MPF pediu a condenção de todas as empresas ligadas à Galvão Participações no mesmo ramo da Galvão Engenharia, devendo ser proibidas de contratar com o poder público ou de receber incentivos fiscais.

O juiz entendeu que a medida só poderia ser decretada se houvesse, ao menos, indícios de abuso de personalidade (desvio de finalidade ou confusão patrimonial). “Não há como presumir, de antemão, que qualquer operação societária que venha a ser realizada pela Galvão Engenharia consista num ato ilícito", disse o juiz na sentença.

Ainda segundo Wendpap, atender ao pedido daria “à autoridade administrativa uma carta branca para atribuir o caráter fraudulento e embargar todas operações societárias realizadas pelas sociedades acusadas, sem que as novas empresas sequer tenham participado do contraditório em ação judicial”.

Na sentença, o juiz enfatiza: "A Lei de Improbidade positivou sanções de notável gravidade às empresas que porventura participem do ato improbo, sendo possível falar em alguns casos, sem exageros, de verdadeira "pena de morte" a algumas pessoas jurídicas, cuja atividade econômica encerra-se apenas e tão-somente, na celebração de negócios jurídicos com a Administração Pública. Nesse contexto, não é crível se apelar para uma responsabilização generalizada apenas pelo fato das entidades comporem o mesmo grupo societário".

Essa generalização feita nas ações penais movidas pela força-tarefa da Lava Jato tem causado o verdadeiro desmonte do setor naval e de engenharia nacional. 

sábado, 1 de abril de 2017

A liberdade em tempos sombrios

Texto maravilhoso. Leitura imprescindível.


A liberdade em tempos sombrios

Sábado, 18 de março de 2017

Por Márcio Sotero Felipe
(No Justificando)

Em um artigo publicado em 1944, A república do silêncio, Sartre escreveu que os franceses nunca foram tão livres quanto no tempo da ocupação alemã. Um chocante e brilhante paradoxo que só a grande Filosofia, como exercício de pensar fora do senso comum, é capaz de produzir. Por que os franceses eram livres se todos os direitos haviam sido aniquilados pelos alemães e não havia qualquer liberdade de expressão? Como se podia ser livre sob a cerrada opressão do invasor que fiscalizava os gestos mais triviais do cotidiano? Porque, dizia Sartre, cada gesto era um compromisso. A resistência significava uma escolha e, pois, um exercício de liberdade. Significava não renunciar à construção de sua própria existência quando os invasores queriam moldá-la, reduzindo-a a objeto passivo e sem forma.

Em linguagem retórica e poética Rosa de Luxemburgo disse algo semelhante: quem não se movimenta não percebe as correntes que o aprisionam.

Sábado, 18 de março de 2017

Por Márcio Sotero Felipe
(No Justificando)

Em um artigo publicado em 1944, A república do silêncio, Sartre escreveu que os franceses nunca foram tão livres quanto no tempo da ocupação alemã. Um chocante e brilhante paradoxo que só a grande Filosofia, como exercício de pensar fora do senso comum, é capaz de produzir. Por que os franceses eram livres se todos os direitos haviam sido aniquilados pelos alemães e não havia qualquer liberdade de expressão? Como se podia ser livre sob a cerrada opressão do invasor que fiscalizava os gestos mais triviais do cotidiano? Porque, dizia Sartre, cada gesto era um compromisso. A resistência significava uma escolha e, pois, um exercício de liberdade. Significava não renunciar à construção de sua própria existência quando os invasores queriam moldá-la, reduzindo-a a objeto passivo e sem forma.

Em linguagem retórica e poética Rosa de Luxemburgo disse algo semelhante: quem não se movimenta não percebe as correntes que o aprisionam.


Sartre era existencialista: a existência precede a essência. Isto significa que não há algo anterior à existência que impeça um ser humano de tomar livremente as decisões que construirão o seu futuro. Isto dá ao humano a plena imputabilidade pelos seus atos. O que ele faz da sua existência é culpa ou mérito exclusivamente seu. O que ela é hoje resulta de decisões que tomou no passado, e o que será resultará das decisões que toma no presente.


A experiência francesa durante a ocupação alemã guarda certa similitude com o Brasil de hoje. Na França parte da sociedade (muito maior do que os franceses gostam de admitir) foi complacente ou colaborou com o invasor que massacrava seu povo e aniquilava os mais elementares direitos dos franceses. Hoje, parte da sociedade brasileira assiste inerte, é complacente, apoia ou apoiou usurpadores que vão reduzindo a pó o pouco de direitos e garantias de um povo já miserável.

Na França colaborava-se por ser fascista ou filofascista. Por egoísmo social. Por ressentimento. Por ódio de classe. Para pequenas vinganças privadas, para atingir um inimigo pessoal. Colaborava-se por ausência de qualquer sentimento de solidariedade social. A colaboração com o invasor desvelava a mais baixa extração moral. Quanto a nós, tomo como paradigma uma cena do cotidiano que presenciei dia desses. Duas mulheres ao meu lado conversavam. Uma disse que seu filho de 13 anos era fã do Bolsonaro. A outra, algo espantada, faz uma crítica sutil, perguntando se ela não conversava com o filho sobre política. A resposta: “acho bonito que meu filho seja politizado nessa idade”.Com isto, quis dizer que não importava de que modo seu filho estava precocemente se politizando.

Pode-se razoavelmente supor que ela, mulher, ignore que Bolsonaro disse que há mulheres que merecem ser estupradas? Que saudou, diante de todo país, em rede nacional de televisão, o mais célebre torturador da ditadura militar? Que declarou que prefere o filho morto se ele for homossexual? Como ignorar isso tudo é altamente improvável, porque seria supor que tal mulher vive em uma bolha impenetrável em plena era das redes sociais, podemos concluir, com Sartre, que escolheu o sórdido para si e para seu filho. O que resultará dessa escolha não poderá ser imputado a Deus, ao destino, aos fatos da natureza ou a qualquer fórmula vaga e estúpida do tipo “a vida é assim”, mas a ela mesma e a seus pares brancos de classe média que tem atitudes semelhantes.

Do mesmo modo como a parcela colaboracionista da sociedade francesa escolheu a opressão do invasor estrangeiro, parcela da sociedade brasileira escolheu o retrocesso, o obscurantismo e a selvageria.

Foi em massa às ruas em nome do combate à corrupção apoiando um processo político liderado por notórios corruptos.

Regozija-se com o câncer e com o AVC do adversário politico, demonstrando completa ausência de qualquer traço de fraternidade e respeito ao próximo.

Suas agruras e dificuldades econômicas e sociais transformam-se em ódio justamente contra os excluídos e em apoio às ricas oligarquias que controlam a vida política do país (das quais julgam-se espelhos), a fórmula clássica do fascismo.


Permanece indiferente, omissa ou dá franco apoio ao aniquilamento de direitos, ao fim, na prática, da aposentadoria para milhões de brasileiros, à eliminação dos direitos trabalhistas, à entrega do patrimônio nacional a grandes empresas estrangeiras.

Seu ódio transforma em esgoto as redes sociais.

Não há como prever o que acontecerá a esta sociedade. Uma convulsão social poderá desalojar os usurpadores do poder, ou poderemos seguir para o cadafalso como povo. A História sempre é prenhe de surpresas. O que é certo, no entanto, tomando a frase de Sartre, é que somente poderão dizer no futuro que foram livres, no Brasil pós-golpe de 2016, os que agora estão se comprometendo e resistindo. É uma trágica liberdade de tempos sombrios, mas se nos foi dado viver neste tempo, que vivamos com a dignidade que somente os seres livres podem ostentar.

Hoje são livres os que resistem.

* Márcio Sotelo Felippe é pós-graduado em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. Procurador do Estado, exerceu o cargo de Procurador-Geral do Estado de 1995 a 2000. Membro da Comissão da Verdade da OAB Federal


Neoliberalismo, ordem contestada

25/03/2017 - Perry Anderson, Le Monde Diplomatique

Do blog do Alok
Sistema sofre pressão inédita – da esquerda e da direita – mas resiste, apoiando-se no medo. Por que o populismo retrógrado ainda é mais forte. Como mudar o jogo
Por Perry Anderson, no Le Monde Diplomatique | Tradução: Antonio Martins
distribuída "PARA ESTUDAR", pela Secretária-geral do MST, aqui redistribuída

OBS. 
Essa análise é como a parte 'europeia' da mesma análise para a qual Rui Pimenta, do PCO, desenvolveu uma 'parte 'brasileira', na "Análise Política Semanal" que foi ao ar ontem (está em https://www.youtube.com/watch?v=Uya1BxtwaJE ) [VV]


O termo “movimentos anti-sistêmicos” era comumente usado, há 25 anos1, para caracterizar forças de esquerda, em revolta contra o capitalismo. Hoje, ele não perdeu relevãncia no Ocidente, mas seu sentido mudou. Os movimentos de revolta que se multiplicaram na última década não se rebelam mais contra o capitalismo, mas contra o neoliberalismo – os fluxos financeiros desregulados, os serviços privatizados e a desigualdade social crescente, uma variante específica do domínio do capital adotada na Europa e América desde aos anos 1980. A ordem econômica e política resultante foi aceita indistintamente por governos de centro-direita e centro-esquerda, de acordo com o princípio central do pensamento único e do dito de Margareth Thatcher, segundo o qual “não há alternativa”. Dois tipos de movimento agora se mobilizam  contra este sistema; e a ordem estabelecida estigmatiza-os – sejam de direita ou de esquerda – como a “ameaça populista”.
Não por acaso, ests movimentos emergiram antes na Europa que nos Estados Unidos. Sessenta anos após o Tratado de Roma, a razão é clara. O mercado comum europeu de 1957, um desdobramento da comunidade de carvão e aço do Plano Schuman – concebido tanto para prevenir o retrocesso a um século de hostilidades franco-alemãs quanto para consolidar o crescimento econômico pós-guerra na Europa Ocidental – foi produto de um período de pleno emprego e aumento dos rendimentos populares, a consolidação da democracia representativa e dos sistemas de Bem-estar Social. Seus arranjos comerciais pesavam muito pouco na soberania dos Estados-Nações que o compunham – e à época, foram fortalecidos, não enfraquecidos. Os orçamentos e as taxas de câmbio eram determinadas internamente, por parlamentos que prestavam contas a seu eleitorado nacional, e nos quais políticas contrastantes eram debatidas com vigor. Tentativas da Comissão de Bruxelas para tornar-se mais poderosa foram notoriamente rechaçadas em Paris. Não apenas a França de Charles de Gaulle mas também a Alemanha Ocidental de Konrad Adenauer, ainda que de forma mais discreta, perseguia políticas externas independente dos Estados Unidos e capazes de desafiá-los.
O fim dos trinta anos gloriosos impôs uma grande mudança a esta construção. A partir de meados dos 1970, o mundo capitalista avançado mergulhou num longo declínio, analisado pelo historiador norte-americano Robert Brenner2: taxas de crescimento mais baixas e aumentos de produtividade menores a cada década, menos emprego e maior desigualdade, pontuados por recessões agudas. A partir dos 1980, as orientações políticas foram revertidas, num processo que começou no Reino Unido e nos Estados Unidos mas espalhou-se rapidamente para a Europa. O sistemas de Bem-estar foram cortados, as indústrias e serviços públicos foram privatizados e os mercados financeiros, desregulamentados. O neoliberalismo havia chegado. Na Europa, ele adiquiriu com o tempo uma forma institucional particularmente rígida: o número de Estados-membros do que se tornou a União Europeia (UE) multiplicou-se mais de quatro vezes, incorporando uma vasta zona de baixos salários a leste.
Austeridade draconiana
Da união monetária (1990) ao Pacto de Estabilidade (1997) e à Lei do Mercado Único (2011), os poderes dos parlamentos nacionais foram esvaziados por uma estrutura supranacional de autoridade burocrática blindada da vontade popular, extamente como o economista ultraliberal Friedrich Hayek havia profetizado. Com esta máquinária instalada, a “austeridade” draconiana pode ser imposta sobre eleitorados desprotegidos, sob a direção conjunta da Comissão Europeia e de uma Alemanha reunificada – agora o Estado mais poderoso da União, onde pensadores influentes anunciaram de modo cândido sua vocação parahegemon continental. Externamente, no mesmo período, a União Europeia e seus membros deixaram de jogar qualquer papel relevante no mundo, tornando-se a guarda avançada de novas políticas de guerra fria contra a Rússia – articuladas pelos Estados Unidos e pagas pela Europa.
Por isso, não é surpresa que a casta cada vez mais oligárquica da União Europeia, desafiando a vontade popular em sucessivos referendos e forçando diktats orçamentários nas leis constitucionais, tenha gerado tantos movimentos de protesto contra si. Qual o panorama destas forças?


No coração da UE pré-expansão, da era da guerra fria (a topografia da Europa Oriental é tão diferente que pode ser posta à parte, para os propósitos deste texto), movimentos de direita dominam a oposição ao sistema na França (Frente Nacional), Holanda (Partido da Liberdade, PVV), Áustria (Partido da Liberdade da Áustria), Suécia (Democratas Suecos), Dinamarca (Partido do Povo Dinamarquês), Finlândia (Finlandeses Verdadeiros), Alemanha (Alternativa para a Alemanha, AfD) e Grã-Bretanha (Partido pela Independência do Reino Unido, UKIP).
Na Espanha, Grécia e Irlanda, movimentos de esquerda predominaram: Podemos, Syriza e Sinn Fein. Em caso único, a Itália tem tanto um forte movimento anti-sistêmico de direita (a Lega) quanto um ainda maior, que atravessa a fronteira esquerda/direita: o Movimento Cinco Estrelas (M5S). Sua retórica extra-parlamentar sobre impostos e imigração coloca-o na direita, mas ele está à esquerda por seu histórico parlamentar de oposição consistente às medidas neoliberais do governo Matteo Renzi (particularmente sobre Educação e mercado de Trabalho) e seu papel central ao derrotar os esforços de Renzi para enfraquecer a Constituição democrática da Itália3. A todos estes pode ser acrescentado o Momentum, movimento que emergiu na Grã-Bretanha por trás da inesperada eleição de Jeremy Corbyn para a liderança do Partido Trabalhista. Todos os movimentos de direita, exceto a AfD, precedem o crash de 2008; alguns têm histórias que remontam aos 1970 ou antes. O Syriza decolou, e o M5S, Podemos e Momentum nasceram como resultados diretos da crise financeira global.
O fato central é o peso maior do conjunto de movimentos de direita em relação aos de esquerda, tanto em número de países em que são maios fortes quanto em força eleitoral. Ambos são reações à estrutura do sistema neoliberal, que tem sua expressão mais aguda e concentrada na EU atual, com sua ordem fundada na redução e privatização de serviços públicos, no abandono do controle democrático e representação; e na desregulação dos fatores de produção. As três tendências estão presentes em plano nacional na Europa e em outras partes, mas são mais intensas no espaço europeu – como atestam a tortura da Grécia, o atropelamento dos referendos e o tráfego humano. Na arena política, eles suscitam temas de preocupação popular, convocando protestos contra o sistema relacionados à “austeridade”, soberania e imigração. Os movimentos anti-sistêmicos diferenciam-se pelo peso que dão a cada tema – ou com a cor da paleta neoliberal que mais hostilizam.
Os movimentos de direita predominam sobre os de esquerda porque desde o início apoderaram-se do tema da imigração, estimulando reações xenofóbicas e racistas para obter apoio amplo entre os setores mais vulneráveis da população. Com exceção dos movimentos na Holanda e Alemanha, que acreditam em liberalismo econômico, esta reação está (na França, Dinamarca, Suécia e Finlândia) tipicamente ligada à defesa – e não à denúncia – do Estado de Bem-estar social. Afirma-se que a chegada de imigrandes sabota-o. Mas seria errado atribuir a vantagem da direita a esta carta. Em casos importantes – a Frente Nacional (FN) francesa é o mais significativo –, ela apoia-se também em outros temas.
A união monetária é o exemplo mais óbvio. A moeda e o banco central únicos, concebidos no acordo de Maastricht, produziram, num único sistema, a imposição da “austeridade” e a negação da soberania popular. Os movimentos de esquerda atacam-no tão veementemente como os de direita, ou até mais. Mas as soluções que propõem são menos radicais. Na direita, a FN e a Lega têm remédios claros para a moeda única e a imigração: sair do euro e proibir a entrada de estrangeiros. Na esquerda, com exceções isoladas, há respostas ambíguas. No máximo, propõem-se ajustes técnicos à moeda única, complicados demais para ter audiência popular; e alusões vagas, envergonhadas, a quotas para imigrantes. Nenhuma destas propostas é tão facilmente inteligível para os eleitores como as proposições diretas da direita.
O desafio da migração crescente
A imigração e a união monetária criam, por razões históricas, dificuldades especiais para a esquerda. O Tratado de Roma foi estabelecido sob a premissa do livre movimento de capital, mercadorias e trabalho no interior do Mercado Comum Europeu. Enquanto a Comunidade Europeia esteve restrita aos países da Europa Ocidental, os fatores de produção para os quais a mobilidade importava eram o capital e as mercadorias: a migração entre fronteiras dentro da comunidade era bem modesta. Mas no final dos 1960, o trabalho imigrante das antigas colônias africanas, asiáticas e caribenhas, e das regiões semi-coloniais do antigo Império Otomano, já era numericamente significativo. A expansão da UE para a Europa Oriental ampliou de modo agudo a migração intra-União. Finalmente, aventuras neo-imperiais nas antigas colônias do Mediterrâneo – a blitz militar na Líbia e o incentivo por procuração à guerra civil na Síria – projetaram grandes ondas de refugiados na Europa, além de terror retaliatório por militantes de uma região onde o Ocidente permanece instalado como senhor, com suas bases, bombardeiros e forças especiais.
Tudo isso alimentou a xenofobia. Os movimentos anti-sistêmicos de direita alimentaram-se dela e os movimentos de esquerda combateram-na, leais à causa do internacionalismo humanitário. As mesmas ligações históricas levaram a maior parte da esquerda a rejeitar qualquer pensamento de fim da união moetária, vista como uma regressão a um nacionalismo responsável pelas catástrofes europeias do passado. O ideal de União Europeia ainda é, para estas forças, um valor central. Mas a Europa concreta, de integração neoliberal, é mais coerente que qualquer das alternativas até agora propostas. “Austeridade”, oligarquia e mobilidade de fatores de produção formam um sistema interconectado. A mobilidade dos fatores não pode ser separada da oligarquia. Historicamente, nenhum eleitorado europeu foi consultado jamais sobre a chegada em grande escala de trabalho estrangeiro; ela ocorreu pela porta dos fundos. A negação da democracia, que incorporou-se à estrutura da UE, excluiu de início qualquer voz na composição de suas populações. A rejeição desta Europa por movimentos de direita é politicamente mais consistente que a rejeição pela esquerda, outra razão para a vantagem da direita.
Niveis inéditos de descontentamento dos eleitores
A chegada do M5S, Syriza, Podemos e AfD marcou um salto no descontentamento popular na Europa. As pesquisas mostram agora rejeição nunca antes vista à UE. Mas, sejam de direita ou esquerda, o peso eleitoral dos movimentos anti-sistêmicos permanece limitado. Nas últimas eleições europeias, os três melhores resultados da direita – UKIP, FN e o Partido do Povo da Dinamarca – tiveram em torno de 25% do voto nacional. Em eleições nacionais, o número médio na Europa Ocidental, para todas estas forças de esquerda e direita, é cerca de 15%. Esta percentagem do eleitorado representa pouco perigo ao sistema; 25% podem representar uma dor de cabeça, mas o “perigo populista” que a mída alardeia permanece muito modesto ainda. Os únicos casos em que movimentos anti=sistêmicoos chegaram ao poder, ou pareceram próximos de fazê-lo, são aqueles onde uma desproporção proposital das cadeiras do Parlamento, construída como um prêmio para fortalecer o establishment, saiu pela culutra ou ameaça fazê-lo, como na Grécia e Itália.
Na verdade, há uma larga distância entre o graude desilusão popular com a UE neoliberal – no verão passado, maioras expressaram, na França e Espanha, sua aversão a ela, e mesmo na Alemanha apenas metade dos entrevistados têm uma opinião positiva – e a extensão do apoio a forças que se declaram ontra ela. Indignação ou repulsa diante da UE tornara-mse comuns, mas há algum tempo o determinante fundamental dos padrões de voto na Europa tem sido, e é, o medo. Ostatus quo sócio-econômico é amplamente detestado. Mas é regularmente ratificado nas pesquisas, com a reeleição dos partidos responsáveis por ele, devido ao medo de que sacudir a ordem e alarmar os mercados torne a miséria pior. A moeda única não acelerou o cresciento na Europa, e infligiu aridez aguda nos países do sul mais afetados. Mas a perspectiva de uma saída aterroriza mesmo aqueles que sabem o quanto já sofreram. O medo deerrota a raiva. Por isso, a aquiescência do eleitorado grego diante da capitulação do Syriza a Bruxelas, as decepções do Podemos na Espalha e as trapalhadas do Partido de Esquerda na França. O sentido geral é o mesmo, em todos os lugares. O sistema é ruim. Confrontá-lo é arriscar-se à vingança.
O que explica, então, o Brexit? A imigração em massa é outro medo que atravessa a UE, e foi agitada no Reino Unido pela campanha pela Retirada, em que que Nigel Farage foi um orador e organizador notável, junto a consevadores destacados. Mas a xenofobia sozinha não é suficiente para superar o medo do colapso econômico. Na Inglaterra, e em outros países, ela cresceu à medida em que um governo depois do outro mentiu sobre a escala da imigração. Mas se o referendo sobre a UE tivesse sido apenas uma disputa entre estes dois medos, como oestablishment político desjava, a opção por Permanecer teria certamente vencido por uma boa margem, como ocorreu em 2014, no referendo sobre a independência da Escócia.
Houve outros fatores. Depois de Maastricht, a classe política britânica rejeitou a camisa de força do euro, apenas para buscar um neoliberalismo local mais drástico que qualquer outro no continente. Primeiro, a arrogância financeirizada do Novo Trabalhismo, que afundou a Grã-Bretanha numa crise bancária antes de todos os outros países europeus. Em seguida, um governo Conservador-Liberal de “austeridade” mais drástica que qualquer politica gerada por constrangimento europeu. Do ponto de vista econômico, os resultados desta combinação são únicos. Nenhum outro país europeu foi tão polarizado regionalmente, entre uma metrópole na bolha, de alta renda (Londres e Sudeste) e um Norte e Nordeste empobrecidos, desindustrializados. Onde os eleitores sentiram que tinham pouco a perder se votassem pela Retirada (uma perspectiva mais abstrata do que deixar o euro), não importou o que poderia acontecer à City e aos invetimentos estrangeiros. Nesse caso, o Medo importou menos que o Desespero.
Também do ponto de vista político, nenhum outro país tem um sistema eleitoral tão escancaradamente blindado. Em 2014, sob um regime de representação proporcional, o UKIP tornou-se o maior partido inglês no Parlamento Europeu. Mas um ano depois, com 13% dos votos, ele obteve um único assento em Londres, enquanto o Partido Nacional Escocês, com menos de 5%, conquistou 55 cadeiras. Sob os regimes intercambiáveis de Trabalhistas e Conservadores, produzidos por este sistema, os eleitores da base da pirâmide de renda abandonaram as eleições. Mas ao adquiriem subitamente, por uma vez, uma chance real de decidiu um referendo nacional, eles voltaram para tomar a decisão que desolou Tony Blair, Gordon Brown e David Cameron.
Por fim, e de modo decisivo, há a diferença histórica que separa a Grã-Bretanha do continente. Além de ter sido, por séculos, um império que apequenou culturalmente todos os rivais europeus, o país não sofreu qualquer derrota, invasão ou ocupação nas duas guerras mundiais – ao contrário da França, Alemanha, Itália e a maior parte do continente. Por isso, a expropriação dos poderes locais por uma burocracia na Bélgica causou mais atrito que em outros lugares. Por que um Estado que derrotou duas vezes o poder de Berlim deveria se curvar à intromissão insolente de Bruxelas ou de Luxemburgo. Temas relacionados a identidade podem desencadear reações mais diretas que no resto da UE. Por isso, a fórmula normal – o medo de vingança econômica supera o medo da imigração desconhecida – não funcionou, curvado por uma combinação de desespero econômico e auto-estima nacional.
O salto no escuro dos EUA
Estas foram também as condições em que, nos EUA, um candidato presidentcial republicano de história e temperamento sem precedentes – detestável para a opinião tradicional dos dois partidos, sem nenhum esforço para conformar-se aos códigos aceitos de conduta civil ou política e mal visto por muitos de seus eleitores – pode atrair um número suficiente de trabalhadores industriais desprezados e ganhar a eleição. Como na Grã-Bretanha, o desespero superou a apreensão, nas regiões proletárias desindustrializadas. Também lá, de forma muito mais crua e aberta, num país com uma hisória mais profunda de racismo, os imigrantes foram denunciados e exigiram-se barreiras físicas e burocráticas. Acima de tudo, o império não era uma memória distante do passado, mas um atributo vívido do presente e uma exigência natural do futuro. No entanto, tinha sido posto de lado pelos poderosos em nome de uma globalização que significou ruína das pessoas comuns e humilhação de seu país. O slogan de Trump foiFazer os EUA grandes de novo – prósperos e dispostos a descartar os fetiches do livre movimento de bens e trabalho, vitoriosos em ignorar as barreiras e piedades do multilateralismo. Ele não errou ao proclamar que seu triunfo foi um Brexit em grande escala. Foi uma revolta muito mais espetacular, porque não se restringiu a um único item – simbólico, para a maioria – e não contava com nenhum respeito doestablishment ou bênção editorial.
A vitória de Trump deixou a classe política europeia – o centro-direita e o centro-esquerda unidos – em desencanto ultrajado. Romper as convenções estabelecidas sobre migração é ruim demais. A UE pode ter tipo poucos escrúpulos para encurralar os refugiados na Turquia de Recep Tayyip Erdogan, com suas dezenas de milhares de presos políticos, tortura policial e suspensão do império da lei; ou para fazer vistas grossas às barricadas de arame farpado na fronteira norte da Grécia, para mantê-los bloqueados nas ilhas do Mar Egeu. Mas a UE, em respeito à decência diplomática, nunca glorificou abertamente suas exclusões. A desinibição de Trump nesta matéria não afeta diretamente a União. O que afeta, e causa preocupações muito mais sérias, é sua rejeição à ideologia do livre movimento dos fatores de produção e, ainda mais, seu desdém sem cerimônia pela OTAN e seus comentários sobre uma atitude menos beligerante diante da Rússia. Se alguma destas atitudes é mais de um gesto a ser em breve esquecido, como muitas de suas promessas domésticas, ainda falta saber. Mas sua eleição cristlizou uma diferença significativa entre diversos movimentos anti-sistêmicos da direita ou de um centro ambíguo e partidos da esuerda estabelecida – rosados ou verdes. Na França e Itália, movimentos de direita opuseram-se de modo consistente a políticas de nova guerra fria e a aventuras militares aplaudidas por partidos da esquerda – incluindo a blitz sobre a Líbia e as sanções contra a Rússia.
O referendo britânico e a eleição norte-americana foram convulsões anti-sistêmicas da direita, porém acompanhadas por levantes anti-sistêmicos de esquerda (o movimento de Bernie Sanders nos EUA e o fenômeno Corbyn, no Reino Unido) menores em escala, embora mais surpreendentes. Ainda não se sabe quais serão as consequências dos dois fenômenos, embora certamente mais limitadas que as previsões atuais. A ordem estabelecida não foi nem de longe derrotada nos dois países e, como demonstrou a Grécia, ela é capaz de absorver e neutraliazar revoltas de qualquer sentido, com rapidez impressionante. Entre os anticorpos que ela já gerou, estão simulacros yuppies das rupturas populistas (Albert Rivera na Espanha, Emmanuel Macron na França), que investem contra os impasses e corrupções do presente e prometem uma política mais limpa e dinâmica no futuro, além dos partidos decadentes.
Para os movimentos anti-sistêmicos de esquerda, a lição dos anos recentes é clara. Se não desejam ser superados pelos movimentos de direita, não podem ser menos radicais em atacar o sistema – e precisam ser mais coerentes em sua oposição a ele. Isso significa, na Europa, admitir a possibilidade de que a UE pode ter se tornado tão atrelada à construção neoliberal que reformá-la já não é seriamente concebível. Ela precisaria ser desfeita, antes que algo melhor possa ser construído – ou por meio de rupturas em face da UE real, ou reconstruindo a Europa em outras bases, jogando Maastricht às chamas. Estas possibilidades provavelmente só serão reais em caso de uma crise econômica nova, e mais profunda.

1Por Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e outros
2 Robert Brenner, The Economics of Global Turbulence: the Advanced Capitalist Economies from Long Boom to Long Downturn 1945-2005, Verso, Nova York, 2006.
3 Raffaele Laudani, ‘Renzi’s fall and Di Battista’s rise’, Le Monde diplomatique, edição em inglês, Janeiro de 2017