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domingo, 2 de outubro de 2016

‘Morrer de tanto trabalhar’ gera debate e onda de indenizações no Japão

Zaria Gorvett

  • 1 outubro 2016
Excesso de trabalhoImage copyrightISTOCK
Image captionEstresse e falta de sono causados pelo excesso de trabalho podem aumentar chances de doenças crônicas

Os japoneses levam jeito para inventar palavras, principalmente as que se referem ao universo corporativo. Arigata-meiwaku, por exemplo, significa um favor que alguém fez sem ser solicitado e que você tem que agradecer mesmo assim; ou majime, um colega honesto e confiável que cumpre as tarefas sem fazer drama.

Mas existe um termo japonês que muitos de nós simplesmente não conseguimos entender: karoshi, ou simplesmente "morrer de tanto trabalhar".

Relatos de profissionais japoneses morrendo depois de jornadas de trabalho exaustivas estão nos noticiários há décadas. E os números indicam que não se trata de uma lenda urbana.

Esse fenômeno social foi inicialmente identificado em 1987, quando o Ministério da Saúde japonês começou a registrar os dados depois da morte repentina de uma série de executivos em altos cargos. 

Executivo no metrô de TóquioImage copyrightGETTY IMAGES
Image captionTrabalhadores japoneses chegam a fazer jornadas de mais de 15 horas de trabalho e 4 de transporte

O problema é tão generalizado que se uma morte for considerada karoshi, a família da vítima recebe uma compensação do governo da ordem de US$ 20 mil por ano, além de uma indenização da empresa, que pode chegar a US$ 1,6 milhões. 

Para isso, a vítima precisa ter trabalhado mais de 100 horas extras no mês anterior à sua morte - ou 80 horas extras por dois meses consecutivos ou mais nos seis meses anteriores.

Quando a lei foi implantada, as autoridades notavam cerca de 200 casos por ano. Mas em 2015, os pedidos de indenização chegaram ao número recorde de 2.310, segundo relatório do Ministério do Trabalho do Japão.

E isso pode ser apenas a ponta do iceberg: de acordo com o Conselho Nacional de Defesa para Vítimas de Karoshi, os números reais podem chegar a 10 mil por ano - aproximadamente a mesma quantidade de pessoas mortas no trânsito anualmente no país.

Propósito e motivação

Corretores da Bolsa de Tóquio em 1992Image copyrightGETTY IMAGES
Image captionAuge econômico do Japão entre os anos 80 e 90 levou profissionais a colocarem o trabalho no centro de suas vidas

Eis um caso típico de karoshi: Kenji Hamada era funcionário de uma empresa de segurança em Tóquio. Tinha uma jovem esposa dedicada e um histórico profissional excelente. Para ele, era normal trabalhar 15 horas por dia e encarar 4 horas diárias no transporte público. 

Até que alguém o viu debruçado sobre sua mesa no escritório. Foi vítima de um ataque cardíaco aos 42 anos de idade.

Hamada morreu em 2009, mas o karoshifez sua primeira vítima 40 anos antes, quando um homem saudável, de 29 anos, sofreu um derrame depois de fazer turnos consecutivos no departamento de distribuição do maior jornal do Japão.

"Depois da derrota da Segunda Guerra Mundial, os japoneses passaram a ser os profissionais com a jornada de trabalho mais longa do mundo", explica Cary Cooper, especialista em estresse da Universidade de Lancaster, na Grã-Bretanha.

No Japão pós-guerra, o trabalho devolveu aos homens um propósito. Havia estímulos financeiros e motivação psicológica. As empresas aderiram a essa nova ordem e começaram a custear clubes de funcionários e outros benefícios como transporte, moradia, atenção de saúde e creches. E, logo, o mundo do trabalho passou a ser o centro da vida do adulto japonês.

Centro de TóquioImage copyrightALAMY
Image captionNas últimas décadas, japoneses têm passados menos horas no trabalho, mas 'karochi' ainda bate recordes

Décadas depois, em meados dos anos 80, a coisa começou a desandar. Problemas na economia alimentaram uma escalada rápida e insustentável nos preços de ações e imóveis. O crescimento galopante, conhecido como "economia da bolha", levou os assalariados japoneses a seu limite.

No auge dessa fase, quase 7 milhões de pessoas (cerca de 5% da população do país na época) trabalhavam 60 horas por semana. Enquanto isso, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Alemanha ainda navegavam na tranquila jornada de 9h às 17h.

Segundo uma pesquisa conduzida em 1989, 45,8% dos chefes de seção e 66,1% dos chefes de departamento em grandes empresas japonesas acreditavam que iriam morrer de tanto trabalhar.

Quando a economia da bolha entrou em colapso, no início dos anos 90, a cultura do excesso de trabalho só piorou. No período conhecido como "década perdida", o karoshi atingiu proporções epidêmicas. O número de mortes de gerentes e outros executivos atingiu o auge e nunca mais baixou.

De quem é a culpa?

A morte de homens de meia-idade com alguma doença crônica é uma coisa. A morte de homens jovens, saudáveis e no melhor ponto de suas carreiras é muito mais alarmante.

Entre os milhares de casos registrados no Japão, surgem dois possíveis culpados: o estresse e a falta de sono. Mas será que isso pode mesmo matar uma pessoa?

É verdade que a ideia de sair para trabalhar após uma noite de insônia é horrível. No entanto, quase não há indícios científicos de que a falta de sono possa matar. O que há são provas de que dormir pouco pode aumentar o risco de doença cardíaca, distúrbios do sistema imunológico, diabetes e algumas formas de câncer. 

E, contrariamente às expectativas, não há evidências de que o estresse, por si só, provoque um ataque cardíaco. Mas ele pode levar a hábitos nada bons para a saúde, como fumar, beber, ter uma alimentação ruim ou não fazer exercícios.

Portanto, o karoshi pode não ser causado pelo estresse ou pela falta de sono. Mas, curiosamente, pode estar ligado à quantidade de tempo passado no trabalho. 

Ao analisar os hábitos e a saúde de mais de 600 mil pessoas, cientistas da University College London descobriram que aquelas que trabalhavam 55 horas por dia tinham 30% mais chances de sofrer um derrame do que aquelas que faziam jornadas semanais de 40 horas.

Não se sabe exatamente por quê, mas os especialistas acreditam que isso seja o resultado de se passar muitas horas sentado à mesa do escritório.

Fenômeno mundial

Os japoneses já não trabalham tanto quanto antes. Em 2015, um típico assalariado japonês passava menos horas no escritório do que seus colegas nos Estados Unidos. O campeão mundial de excesso de trabalho atualmente é o México, segundo um estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Como era de se esperar, relatos de karoshi fora do Japão estão aumentando. A China perde cerca de 600 mil pessoas para o guolaosi (versão local do karoshi) a cada ano - ou 1,6 mil por dia.

"Índia, Coreia do Sul, Taiwan e China - a próxima geração de economias emergentes está seguindo os movimentos do Japão pós-guerra", afirma Richard Wokutch, professor de administração na escola Virginia Tech, nos Estados Unidos.

No coração financeiro de Londres, alguns casos também chamaram a atenção. Em 2013, o estagiário Moritz Erhardt, do Bank of America Merrill Lynch, morreu no banho após passar 72 horas trabalhando sem parar. 

O jovem de 21 anos teve um ataque de epilepsia que pode ter sido deflagrado pelo excesso de trabalho. Após a tragédia, o banco limitou a jornada dos estagiários a 17 horas por dia.

Será culpa então de uma cultura de "estar presente"? Cooper acredita que sim. Em muitos países, parte do problema não é só a cultura de trabalhar duro, mas de ser visto fazendo isso. "Dá-se muita importância ao tempo que a pessoa passa no escritório, mas trata-se de uma atitude contraproducente", afirma.

sábado, 1 de outubro de 2016

FMI ataca a valorização do salário mínimo

Do Blogdomiro 

30/09/16


Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

O comunicado do FMI emitido nesta quinta-feira, após a primeira visita oficial ao Brasil na fase Temer, recomendou o fim do mais importante instrumento de combate à pobreza e à desigualdade adotado nos governos Lula e Dilma, a política de valorização do salário mínimo. De 2003 a 2015, o aumento real do SM foi de 76%, alterou o perfil de consumo e foi o principal fator para redução da pobreza registrada pelo Brasil, segundo a ONU. Como diria Lula em outros tempos, nunca antes neste país o salário mínimo fora tão forte.

No início do segundo mandato de Lula, o governo e as centrais sindicais firmaram o acordo que estabeleceu novas regras para a correção anual do salário mínimo, sepultando a velha prática de corrigi-lo apenas pela inflação (e às vezes nem isso), o que não garantia aumentos reais do seu poder de compra. Desde sua criação pelo presidente Getúlio Vargas, aumentos maiores para o salário mínimo sempre despertaram reações conservadoras, tais como as que derrubaram o ministro do Trabalho de Vargas, João Goulart, quando ele propôs um aumento de 100% em 1954.

O acordo negociado por Lula com as centrais resultou na regra pela qual o salário mínimo passou a ser reajustado anualmente com base na variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano retrasado, somada à inflação acumulada do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços do Consumidor (INPC). No governo Dilma, em 2011, o Congresso transformou o acordo que já vinha vigorando na Lei n° 12.382.

Uma forma de aferir o poder de compra do salário mínimo é pelo cálculo de quantas cestas básicas ele pode comprar. Se em 1995 podiam ser compradas 1,02, em 2014 podiam ser compradas 2,21.


Mas o FMI está recomendando não apenas o fim desta política que beneficiou os mais pobres, incrementou o mercado de consumo e a dinâmica da economia. Quer também que seja quebrada a vinculação das aposentadorias e pensões do INSS ao salário mínimo, o que afetará cerca de 25 milhões de brasileiros.

Se o Governo Temer, como o de Macri na Argentina, render-se ao FMI, e aceitar tais recomendações, teremos o mais grave de todos os desmontes sociais que vêm sendo feitos.

Tucanos querem amputar a democracia


Por José Carlos Ruy, no site Vermelho:

A cláusula de barreira que a PEC 36/2016, dos senadores tucanos Aécio Neves (MG) e Ricardo Ferraço (ES), pretende criar desmoraliza a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em dezembro de 2006, declarou inconstitucional aquela regra restritiva. E cria dois tipos de deputado – um pleno, com direitos assegurados, e outro precário, com direitos amputados. Os deputados plenos são os eleitos pelos grandes partidos; os deputados precários, por partidos pequenos.

A cláusula de barreira que os senadores tucanos querem impor diz que só terão pleno funcionamento parlamentar os partidos que tiverem pelo menos 2% dos votos em 14 estados a partir de 2018 e 3% a após 2022.

Apenas os partidos que alcançarem a votação imposta terão acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao horário gratuito para propaganda partidária e eleitoral no rádio e na TV e à estrutura que os partidos têm no Congresso Nacional. Os demais terão sua posse assegurada mas com direitos menores do que os eleitos pelos grandes partidos.

Este é o enorme atentado à democracia representado pela mudança que os tucanos Aécio Neves e Ricardo Ferraço tentam, outra vez, introduzir na legislação eleitoral e partidária – criar duas ordens de deputados, os plenos (cujos partidos cumpriram as exigências da cláusula de barreira) e os precários (eleitos por partidos que não alcançaram aquela cláusula restritiva).

O pretexto invocado por eles apela para o senso comum e diz que o número de partidos existentes no Congresso é excessivo, prejudicial à democracia, e precisa ser reduzido.

A discussão sobre a legislação eleitoral e partidária precisa ser aprofundada. Isso é verdade. Como é a exigência de que as medidas decorrentes desse debate precisam, ao contrário da pretensão conservadora, apontar para o aprofundamento e consolidação da democracia, e não para sua mutilação, como querem aqueles senadores.

A PEC apresentada por eles (e, significativamente, assinada em primeiro lugar pelo senador golpista Antonio Anastasia) foi comemorada pelo expoente do PIG, O Estado de S. Paulo, que, nesta terça-feira (27) publicou um editorial sob o título “Uma medida indispensável” comemorando sua aprovação, no dia 13 de setembro, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Aquele editorial, em muitos aspectos, é um exercício de sinceridade conservadora e antidemocrática. Começa dizendo que as imposições mais impopulares serão feitas pelo governo ilegítimo após a eleição municipal deste ano. Este é um momento de crise econômica aguda, que “exige a adoção de medidas duras nem sempre populares.” Aqui está o núcleo antidemocrático, “impopular”, do movimento da elite conservadora e direitista contra os direitos do povo, e que pretende amputar a expressão eleitoral, e partidária, da vontade popular.

Uma dessas medidas, que fere os partidos ligados ao povo e aos trabalhadores (entre eles o PCdoB) é a tentativa de reintroduzir a cláusula de barreira. Acompanhada de um conjunto de medidas igualmente restritivas, destacando-se entre elas a proibição de coligações partidárias em eleições proporcionais (para vereadores e deputados estaduais e federais).

Dizem que o objetivo é moralizar o sistema partidário e fortalecer os partidos. Os partidos deles, da elite, seria melhor dizerem. O pretexto é acabar com as legendas de aluguel e aquelas só formadas para abocanhar parcelas do Fundo Partidário ou para negociar com lucro seus tempos de rádio e TV.

São mazelas do sistema partidário; elas decorrem não da existência de inúmeros partidos, nem do acesso deles a mecanismos que democratizam o protagonismo político e igualam, minimamente, as condições de participação de ricos e pobres nas campanhas eleitorais.

Aqueles males resultam de distorções introduzidas ao longo dos anos na legislação eleitoral para favorecer a elite e os conservadores, e manietar a democracia e a expressão da vontade popular.

Desde a introdução do sistema proporcional, no Código Eleitoral de 1932, a intenção do legislador – inspirada nas propostas do jurista Assis Brasil – foi fortalecer os partidos políticos concentrando neles a atenção do eleitor para, em seguida, escolher o indivíduo votado. Focar no programa partidário e só depois na personalidade que o defenderia.

Ao longo das décadas, com duas ditaduras pelo meio – a do Estado Novo, de 1937 a 1945, e a militar, de 1964 a 1985 – os hábitos políticos trouxeram cada vez mais o indivíduo para o centro das atenções, abrindo caminho para a entrada nas disputas eleitorais de personalidades de grande notoriedade, deixando em plano secundário a expressão dos programas e idéias que se manifestam através dos partidos.

Esta é a raiz dos partidos de aluguel e do balcão de negócios em torno dos horários de propaganda gratuita, além de outras vantagens.

Mas não faz parte das intenções de chefões direitistas e conservadores alterar este quadro. Ao contrário, seu objetivo é restringir a democracia.

Por exemplo, se esta regra restritiva vigorasse na eleição de 2014, o PCdoB não teria ultrapassado suas imposições pois teve 1,98% dos votos válidos. Nem o Psol, com seus 1,8% da votação nacional. Isso é, teriam sido banidos pelo “massacre das minorias” identificado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que foi relator da decisão do STF que, em 2006, afastou a cláusula de barreira. 

Este massacre da vontade popular é o objetivo dos conservadores e da direita com sua tentativa de reintroduzir aquela regra rejeitada – afastar do Congresso Nacional os partidos ligados ao povo e aos trabalhadores, e garantir o monopólio da representação para a oligarquia que não admite discussão sobre seu mando.