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sábado, 30 de julho de 2016

Queda anual na renda do trabalho é a maior desde 2012, diz IBGE


Por Valor Econômico 
29/07/16

SÃO PAULO  -  A renda média do trabalhador brasileiro registrou uma queda brutal no segundo trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Em termos reais (descontada a inflação do período), o chamado rendimento médio de todos os trabalhos caiu 4,2% no período, para R$ 1.972 mensais. É a pior variação neste tipo de comparação desde o início da série da Pnad Contínua, em 2012.

Em termos anuais, a renda vem caindo de forma consistente desde o período agosto-outubro do ano passado. Naquele momento, a queda foi de 1,1%, e se aprofundou a 3,9% no trimestre encerrado em fevereiro. Depois disso, chegou a cair 2,7% no trimestre até maio, para agora recuar 4,2% no trimestre até junho.

Na comparação do segundo com o primeiro trimestre deste ano, a renda também cai, 1,5%, o maior recuo do ano.

Com isso e com a queda do número de pessoas empregadas, a massa real de rendimentos habitualmente recebido em todos os trabalhos pelas pessoas ocupadas foi estimada em R$ 174,647 bilhões, queda de 4,9% ante o ano passado - também a maior da série - e de 1,1% ante o primeiro trimestre.

Brito: Petrobras perdeu hoje mais do que com a Lavo a Jato inteira; Governo Temer vendeu por R$ 8,5 bi campo de pré-sal que vale R$ 22 bi


VIOMUNDO

30 de julho de 2016 às 

Temer, pré-sal, parente-001coluna

 

Venda de Carcará: Petrobras perdeu hoje mais do que com a Lava Jato inteira

por Fernando Brito, no Tijolaço, em 29/07/2016

O governo Michel Temer e o gestor que ele colocou na Petrobras, o ex-ministro do apagão Pedro Parente tiraram, hoje, da Petrobras, mais do que todos os desvios de paulo Roberto Costa, Pedro Barusco, Nestor Cerveró e todos os outros ratos que roeram o dinheiro da Petrobras nos casos investigados pela Operação Lava Jato.

A venda do campo de Carcará para a norueguesa Statoil é um desastre que pode se explicar com uma conta muito básica.

Mesmo a 50 dólares o barril, campos como Carcará – onde os estudos já apontaram para uma produção superior a 35 mil barris diários por poço – remetem a um custo mais baixo do que a média já fantástica de US$ 8 dólares por barris atingida no pré-sal. Depois de pagos royalties (Carcará é anterior à lei de partilha), impostos, custos de transporte e tudo o mais. é conta muito modesta estimar um lucro de US$ 5 por barril. Pode até ser o dobro.

Carcará teve colunas de rocha-reservatório até quatro vezes mais extensas que Sapinhoá (ex-Guará) e sua metade oeste, onde estão os poços, tem mais ou menos a mesma área. Sapinhoá tem uma reserva medida de 2,1 bilhões de barris de óleo recuperável, isto é, que pode ser extraído.

Pode, portanto, ser maior, muito maior.

Ma já se Guará tiver o mesmo, apenas o mesmo, faça a conta: lucro de mais de 10 bilhões de dólares, a cinco dólares por barril.

Ou R$ 33 bilhões, ao dólar de hoje. Como a Petrobras detinha 66%, dois terços, da área, R$ 22 bilhões.

Pode ser mais, muito mais, esta é uma conta conservadora.

Este campo foi vendido por R$ 8,5 bilhões, metade a vista e metade condicionada à absorção de áreas vizinhas, dentro do processo que, na linguagem do setor, chama-se “unitização”, quando o concessionário leva as áreas nas quais, mesmo fora do bloco exploratório original, a reserva petrolífera se prolonga, na mesma formação geológica.

Como o valor estimado das roubalheiras na Petrobras ficou na casa de R$ 6,2 bi, nos cálculos folgados que se fez para a aprovação de seu balanço, tem-se uma perda de mais de duas Lava Jato.

Sem incluir na conta as centenas de milhões de dólares gastos na perfuração dos três poços pioneiros – muito mais caros que os de produção normal – e nos estudos e sensoriamentos geológicos que fez para determinar o “mapa” da reserva.

Reproduzo, por definitiva, a frase do professor Roberto Moraes: “o que é legal pode ser muito mais danoso que o ilegal”.

Ontem, Parente pediu pressa no fim da lei da partilha. Hoje, vendeu Carcará.

Fez, assim, da Petrobras a única petroleira do mundo que diz que não quer lugar cativo nas melhores jazidas de petróleo descobertas neste século. Faz dela a única que dá, a preço de banana, o que já tinha do “filé” do filé do pré-sal.

Deputados questionam venda de campo do pré-sal pela Petrobras

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Portal Vermelho

29 de Julho de 2016 - 20h50 

A próxima semana promete ser de nova discussão em torno do projeto de lei que desobriga a Petrobras de participar com o mínimo de 30% dos leilões de blocos de exploração do pré-sal (PL 4.567/16). Os parlamentares que vinham se manifestando contrários ao texto se queixaram da decisão desta quinta (28), do Conselho de Administração da companhia, que aprovou a venda de sua participação em bloco exploratório da Bacia de Santos para a norueguesa Statoil.


Agência Câmara
 

 

O deputado José Guimarães (PT-CE), um dos primeiros a falar a respeito, afirmou que parlamentares de vários partidos devem se reunir para discutir como vão se articular durante a tramitação da matéria e tentar mudar o teor do texto. 

Ex-líder do PT e ex-líder do governo na Casa, Guimarães disse que considera a decisão do Conselho de Administração da Petrobras “mais uma forma de entregar o patrimônio público que o Brasil possui para o capital internacional”. “É um duro golpe na nossa soberania e mostra muito bem o caráter do governo provisório de Michel Temer”, criticou.

A aprovação envolve um negócio de US$ 2,5 bilhões e, segundo divulgou a companhia, faz parte da sua nova política de gestão. O objetivo é priorizar investimentos em ativos com maior potencial de geração de caixa no curto prazo “e com maior possibilidade de otimização de capital e de ganhos de escala, tendo em vista a padronização de projetos de desenvolvimento da produção”, como destacou a empresa em nota.

Apesar de a estatal afirmar que a operação em curso abre oportunidades para parcerias com outras empresas com forte expertise e condições de investimento, "contribuindo para o fortalecimento da indústria de óleo e gás do país", não é dessa forma que a autorização é vista por parlamentares contrários à flexibilização das regras do pré-sal.

No último dia 12, a Câmara aprovou regime de urgência para o PL 4.567 – o pedido para acelerar a discussão da matéria foi aprovado por 337 votos pelo plenário. Teria sido uma boa vitória para o governo provisório, não fosse o fato de o mesmo pedido ter contado com 105 votos contrários. Para um pedido de urgência, esse número representa uma boa margem de resistência ao texto, segundo avaliam analistas legislativos.

Momento inoportuno

Durante a tramitação do PL no Senado, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse que considera a iniciativa de acelerar os leilões “um risco à soberania nacional, inoportuna e prejudicial à Petrobras”. “Este momento, de crise econômica, não é o ideal para uma mudança no marco regulatório”, opina ele, sempre que trata do assunto.

Outro que tem se oposto à ideia e prometeu integrar o coro dos deputados é o senador Roberto Requião (PMDB-PR), que desde o início da tramitação do PL acha o seu teor sem sentido. Segundo o senador, que chegou a negociar várias mudanças no texto original, o PL é perigoso para a soberania do país, uma vez que, em sua opinião, “representa a entrega das reservas brasileiras para multinacionais”.

A princípio, os deputados retornam do recesso do legislativo na segunda-feira (1º), e a intenção do grupo que quer discutir o tema é marcar uma reunião no mesmo dia ou na terça (2), antes da reunião dos líderes partidários – quando serão discutidas as prioridades da pauta para a semana. 

Caso não seja votado em caráter imediato, o texto trancará as outras matérias em tramitação na Casa, motivo pelo qual qualquer discussão a mais precisa ser negociada. Mas os deputados contrários ao seu teor acham que, se não houver uma forma de ser articulada a retirada da urgência, o debate deve acontecer no próprio plenário. “Vamos para a briga contra mais essa investida contra o país e todos os brasileiros”, afirmou Guimarães. 

Fonte: Rede Brasil Atual



Petrobras começa a vender campos do pré-sal


29 de Julho de 2016 - 16h52 

Petrobras começa a vender campos do pré-sal


Começou o desmonte da Petrobras. A estatal anunciou, na madrugada desta sexta (29), a venda de sua participação de 66% no bloco exploratório BM-S-8, localizado na Bacia de Santos, para a companhia norueguesa Statoil. O preço base negociado para a participação no bloco exploratório é de US$ 2,5 bilhões. Trata-se do primeiro passo do governo provisório rumo à entrega do pré-sal a interesses privados e estrangeiros.


 

 

A venda faz parte do programa de alienação de ativos que a companhia leva adiante, com o objetivo de arrecadar até o fim deste ano US$ 14,4 bilhões. 

O BM-S-8 é atualmente operado pela Petrobras (66%) em parceria com a Petrogal Brasil (14%), Queiroz Galvão Exploração e Produção (10%) e Barra Energia do Brasil Petróleo e Gás (10%). Neste bloco ocorreu uma descoberta no prospecto exploratório denominado Carcará.

Matéria de O Globo publicada nesta sexta (29) explicita, sem constrangimento ou contraponto, a escolha da atual direção por esvaziar a petroleira. “Com um elevado endividamento (R$ 450 bilhões), a Petrobras tem como prioridade máxima sua redução”. 

Em manifesto da campanha Todo o Petróleo Tem que Ser Nosso, petroleiros defendem que, apesar do alarde feito em torno da dívida da Petrobras, ela é irrisória diante do que representa a companhia. “A Petrobras tem um patrimônio gigantesco de óleo e gás no pré-sal, sendo que a dívida da empresa, somada aos desvios estimados, representa não mais que 1% desse patrimônio”, diz o texto. 

O Globo afirma que o campo de Carcará entrou na lista de venda porque, apesar de já ter descoberto reservas de petróleo, ainda demandaria vários anos e elevados investimentos para entrar em operação.

“O campo é um dos quatro cujas reservas extrapolam a área concedida e, por isso, estão em processo de definição de volumes de petróleo chamado de unitização. Essas áreas que extrapolam os quatro campos serão ofertadas em um leilão em meados do ano que vem pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Um dos campos é Gato do Mato, operado pela Shell, na Bacia de Campos, no pós-sal. Os outros três são Carcará, Sapinhoá e Tartaruga Verde, no pré-sal, na Bacia de Santos, todos operados pela Petrobras”, diz o veículo.

O próprio jornal cita o tamanho do patrimônio do qual a Petrobras decidiu abrir mão. “O mercado estima que Carcará pode conter reservas gigantes de petróleo. A perfuração de um segundo poço na área de Carcará no ano passado, a sudoeste do megacampo de Lula, confirmou o potencial de estar ali uma nova megajazida de petróleo, semelhante aos dois próximos a ele: Sapinhoá e Lula, os maiores em operação no pré-sal. A estimativa é que Carcará entre em produção em 2020 ou 2021”. 

Segundo a petroleira, a operação de venda faz parte da política de gestão de portfólio da Petrobras “que prioriza investimentos em ativos com maior potencial de geração de caixa no curto prazo e com maior possibilidade de otimização de capital e de ganhos de escala, tendo em vista a padronização de projetos de desenvolvimento da produção”.

Com relação ao preço base da transação, de US$ 2,5 bilhões, a primeira parcela, correspondente a 50% do valor total (US$ 1,25 bilhão), será paga já no fechamento da operação. O restante do valor será quitado através de parcelas contingentes relacionadas a eventos subsequentes como, por exemplo, a celebração do Acordo de Individualização da Produção (unitização).


 Do Portal Vermelho, com agências

Onde foi que o Brasil se perdeu?


Por Tereza Cruvinel, em seu blog:

Nestes tempos de espanto diário com a transfiguração do Brasil em algo que vai se tornando irreconhecível, recordo o primeiro capítulo de “Conversa na Catedral”, sem dúvida o melhor romance de Mario Vargas Llosa, e não porque foi escrito quando ele ainda era um intelectual de esquerda. Num reencontro tardio, o fracassado jornalista Zavalita tem uma longa e etílica conversa com Ambrósio, antigo empregado de sua família. Exumando lembranças de um passado esperançoso e sepultado, ele se pergunta algumas vezes: “mas em que ponto foi que o Peru se fodeu?”. Lá estava em cacos o Peru que fora promissor, sob o tacão da ditadura de Odría, nos anos 1960. Aqui estamos nós, sob algo que não tem nome exato, sob esta desconstrução diária do que havia, sob violências de formas diversas e uma incerteza recorrente: haverá salvação para nós e o Brasil? Ou do descarrilhamento atual virá um país despedaçado, em que as partes não se entendem nem se reconhecem?.

No final do ano passado, Lula comparou o Brasil a um trem descarrilhado. Mas era só o começo. Ao longo deste ano, o surrealismo foi se impondo e tudo foi sendo naturalizado. Achamos natural que haja uma presidente eleita e afastada do cargo, sem crime de responsabilidade claro e provado, apesar de algumas demonstrações em contrário e de algumas confissões sobre a desimportância de aspectos jurídicos diante de um imperativo político, a troca de guarda no poder. Aliás, nesta sexta-feira, 29, vésperas do mês preferido pelas tragédias políticas, o vice-presidente em exercício Michel Temer explicou o que entende pelo impeachment: “Essa questão do impeachment no Senado não depende da nossa atuação. Depende da avaliação política –não uma avaliação jurídica– que o Senado está fazendo. Eu penso que o Senado vai avaliar as condições políticas de quem está hoje no exercício e de quem esteve no exercício da Presidência até um certo período.” Ou seja, trata-se da escolha entre Dilma e ele, sem povo, sem voto e sem urna. Se não é golpe, democracia não é. Mas tudo parece natural, a vida segue, os ipês começam a florir.

Parece natural também que o vice, ao ocupar interinamente o cargo, não tenha tido qualquer constrangimento em agir como se tivesse sido eleito, mudando tudo e até promovendo expurgos, como se eleito tivesse sido com uma programa oposto ao da eleição em que figurou na chapa vitoriosa.

Deve ter se perdido em algum desvão o país que em 2010 conferia mais de 90% de aprovação ao presidente que, por todas as transformações positivas propiciadas por seu governo, tornara-se o mais popular da História, Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje, 62,6%, segundo apurou recentemente o instituto Paraná Pesquisas. 62,6% defendem a sua prisão. Crimes? Nenhum provado. Mas há uma operação, um juiz e alguns procuradores que mesmo assim estão dispostos a condená-lo por obras em um sítio que não é seu, e num apartamento que desistiu de comprar. Não há provas (atos de ofício) de que Lula, por benefícios que concedeu às empreiteiras, recebeu tais mimos como propina. Não importa, são indícios, dizem eles. 

Os mesmos jornais de hoje noticiam com naturalidade algo que em outros tempos espantaria. Lula apresentou ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, através do advogado inglês Geofferey Robertson, uma petição em que denuncia as violações do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os recorrentes abusos de poder praticados contra sua pessoa pelo juiz Sérgio Moro, que preside os processos da Lava Jato. Lula corre riscos e é perseguido em seu próprio país? perguntarão lá fora. Aqui, as autoridades ignoraram fato tão grave e singular. Exceto Moro e a Lava Jato, que em represália fizeram vazar mais informações sobre as tais obras no dito sítio: Lula determinou que fossem feitas, informaram sem dar a cara a tapa. Sinceramente, a ditadura civil-militar se incomodava mais quando chegava lá fora uma denúncia sobre os crimes que cometia contra os direitos humanos. Pelo menos desmentia, atribuindo tudo aos “inimigos da revolução”.

Mas o que fez com que tantos, hoje, queiram ver Lula por conta de “indícios” que podem torná-lo inelegível em 2018? Certamente as nuvens de veneno que foram sendo sopradas sobre nós e agora estão chovendo. O Brasil é um país intoxicado e não parece haver antídoto capaz de restaurar sua antiga homeostase, aquele modo antigo modo de viver em que as diferenças existiam. Em que todos tinham seu Outro mas não desejavam destruí-lo.

Mas ficando livre de Dilma, de Lula, do PT e das esquerdas, com políticas “populistas” para os pobres, o país vai entrar nos trilhos, dizem os vencedores do golpe, no palco do grande faz-de-conta. Pois os mesmos jornais que pintam a paisagem para vender esta ilusão e abrir caminho para agosto são obrigados a publicar notícias que a desmentem. Nesta sexta-feira de tristes notícias, o Banco Central informou que o resultado das contas públicas para junho e para o primeiro semestre foi o pior da série histórica iniciada em 2001. Mas Temer não veio para sanear o estrago de Dilma?

A última sexta-feira antes de agosto nos informa também, através do IBGE/PNAD, que aumentou o número de pessoas vivendo na angústia do desemprego. A taxa do segundo trimestre fechou em 11,3%, contra os 10,9% do primeiro. É a maior desde que a série foi iniciada em 2012. São 11,6 milhões de pessoas os que não conseguem trabalhar nem pagar as contas. Alguma providência? Temer mandou dar um aumento para a Polícia Federal.

Não há melhora algumas das expectativas sobre a economia, como alardeado. Mas vai se acreditando no faz de conta pois, do contrário, acreditar em quê?  

Voltando a Zavalita, onde foi que o Brasil se perdeu? Um Zavalita mais velho recordará que tudo parecia caminhar bem, que houve esperanças e sonhos entre 1945 e 1964, até que vieram as correntes de ódio e caímos na ditadura de 21 anos. Encerrada a transição, com seus trancos e barrancos, incluindo um impeachment – este com crime demonstrado – a partir do governo Itamar Franco (1992) teve início outra fase em que o trem andou nos trilhos, e andou para a frente. Inflação controlada por Itamar/FHC, Lula promoveu crescimento e distribuição de renda. Ganharam os mais pobres, ganharam os mais ricos, ganharam as empresas. E aí, veio junho de 2013. Ainda que as explicações não sejam claras, foi ali que o trem começou a descarrilhar, na economia e na política. Logo depois a Lava Jato ganhou impulso e espalhou o sentimento de desolação. Nada presta, ninguém presta, tudo está podre. E salve-se quem puder. Inclusive com delações premiadas e vazamentos selecionados.

Houve a mudança no cenário externo, é verdade, com a queda nos preços das commodities, afetando as exportações e o crescimento interno. A própria Dilma reconheceu que houve “erro de calibragem” nas políticas anti-cíclicas, em que o Estado gastou com desonerações, crédito fácil e investimentos próprios para manter a economia aquecida. Isso explica a desorganização fiscal mas não este descarrilhamento completo da vida nacional.

Dilma ganhou em 2014 uma eleição que parecia destinada a perder. Mas tudo teria sido diferente se a oposição tivesse aceitado que perdeu. Pediu recontagem de votos, deu corda para os que começaram a falar em impeachment, antes mesmo da segunda posse da presidente reeleita. Ela tomou um chá de sumiço inicial e aceitou fazer o que pediam, nomeando um ministro da Fazenda encarregado de implementar um arrocho fiscal. A Câmara passou ao comando de Eduardo Cunha, que tinha uma bancada conservadora de mais de cem deputados, e em vez de ajuste, o Congresso votou pautas bombas, demolidoras das contas públicas. Aí chegamos a 17 de abril, e agora chegaremos a agosto.

A Lava Jato teria sido benigna se, ao atacar a ferida da promiscuidade entre partidos/políticos e empresários, tivesse mirado o sistema, e não o PT e seu governo. Este desvio de objetivo contribuiu para o golpe e terminou nesta caçada a Lula, que o leva a denunciar lá fora as perseguições que sofre em seu país.

Mas quando a demolição de um sistema político começa, não há como salvar algumas paredes. Aí estão novamente as notícias, aqui já registradas, de que a Odebrecht denunciará pelo menos dez governadores e ex-governadores e mais de 100 parlamentares. 

O sistema está ruindo e não há quem se habilite a restaurá-lo. Em volta, só destruição: da economia, das regras democráticas, do sistema político-eleitoral e, principalmente, de tudo o que representava o Brasil que não há mais: a tolerância para com a diferença, a capacidade de conviver com o outro, fosse ele pobre ou rico, conservador ou progressista, urbano ou rural. Agora, temos até intolerância religiosa. E uma ideologia retrógrada que vai sendo ministrada sutilmente, que mistura racismo, misoginia e preconceitos de toda ordem.

Quando tudo desmorona, os mais jovens, que viveram os últimos 20 anos esperançosos e não se lembram nem da ditadura nem da hiperinflação, têm ainda mais razões para se perguntar: onde foi que o Brasil se perdeu?

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Poupança sofre ataque especulativo de juros e da mídia

28 de Julho de 2016 - 16h45 

Poupança sofre ataque especulativo de juros e da mídia


Permanência da Selic em 14,25% ao ano por longo período causa estrago na caderneta de poupança, que encara a fuga de depósitos frente à inflação alta. Consultor diz que mídia também aposta contra.

Por Helder Lima


Reprodução
 

 

A permanência da taxa básica de juros em 14,25% ao ano, nível que tem sido mantido pelo Banco Central (BC) desde de julho do ano passado, está produzindo uma fuga de recursos da poupança, que em alguns momentos não consegue mais repor nem sequer a inflação. Depois de perder para o IPCA em 2015, pela primeira vez desde 2002, com rendimento de 8,07% ante uma inflação de 10,67%, ao longo deste ano, a poupança continuou perdendo do índice na variação mensal, com resultado positivo somente em março, abril e junho.

No último ano e meio, a poupança perdeu R$ 85 bilhões de depósitos, saída que abala o financiamento imobiliário, uma vez que os recursos dos poupadores são a principal fonte do mercado habitacional. “É um ataque do mercado financeiro. O ponto é o seguinte, o país já está há um ano com uma taxa de juros de 14,25%, pela Selic. É isso o que está levando ao esvaziamento de todos os depósitos de poupança, porque o depositante percebe que investir em fundos é muito mais rentável do que em depósitos de poupança”, afirma o professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Fernando Nogueira da Costa.

Ele diz que a poupança está perdendo da inflação, “por conta do choque tarifário em 2015, quando o Levy (Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda) entrou no governo, aumentando os preços de energia elétrica e combustíveis”. O professor destaca que a inflação ficou dez anos abaixo de 6,5%, teto da meta anual adotado pelo BC, mas em 2015 chegou a 10,67%. “Foi o choque tarifário, e passou a ser um choque inflacionário. Antes, quando a inflação estava abaixo de 6,5%, de 2005 até 2014, a poupança era competitiva. E por isso, o financiamento habitacional cresceu muito. Foi a melhor época do financiamento habitacional, tanto pelo FGTS, quanto pela caderneta de poupança”, afirma o professor.


“Se você analisar os saques recentes da poupança, o comportamento dos saques maiores do que os depósitos, você vai ver que isso se confunde com a situação econômico-financeira das classes mais pobres da população”, avalia o especialista em finanças e consultor do setor imobiliário Marcos Fontes. Ele diz que além da perda de recurso da poupança, o crédito imobiliário também sofre com falta de demanda, o que caracteriza a situação recessiva da economia. “O movimento não está bom para o crédito imobiliário, porque não tem demanda. Essa demanda do crédito lastreado em poupança caiu 50% em relação ao ano passado”, disse.

De fato, o movimento de fuga de recursos da poupança expressa a situação das classes menos abastadas, mostram os números. Em março, o saldo da poupança no país era de R$ 592,5 bilhões, segundo números da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e atualmente está em R$ 522,3 bilhões, um recuo de R$ 70 bilhões. “Um ponto que pouca gente sabe é que 88% da poupança são feitou pelo que a gente chama de varejo de baixa renda. A média per capita dos depósitos é de R$ 9 mil; são pessoas de mais baixa renda, classes C e D, as classes médias baixas, que sustentam o recurso do financiamento habitacional no Brasil, que agora está sendo dirigido à classe média mais alta”, afirma o professor da Unicamp, referindo-se à mudança anunciada pela Caixa Econômica nos últimos dias de aumentar o limites de financiamento de imóveis, agora voltado para os segmentos de maior poder aquisitivo.

Segundo Fernando Nogueira da Costa, os números da poupança tornam-se expressivos da desigualdade gritante no país se colocados frente ao números das elites. Enquanto 58 milhões de pessoas mantêm o saldo médio médio de R$ 9 mil nas contas ativas de poupança, o que perfaz dos R$ 522 bilhões atuais, um universo bem menor, de 110 mil pessoas endinheiradas acumula no 'private banking' o saldo médio per capta de R$ 6,7 milhões, com uma riqueza da ordem de R$ 740,3 bilhões. O saldo per capita dessa elite é nada mais nada menos do que 750 vezes o saldo médio da poupança.

“É uma coisa escandalosa”, diz o professor, “58 milhões com R$ 9 mil, e e isso é a maior parte do financiamento habitacional”. Ele diz que a população brasileira não tem consciência dessa disparidade. “Há quem ache que não tem consequências de se manter os juros em 14,25%, mas a situação está péssima, o desemprego aumentando”, afirma. Mas ele destaca que para quem tem capital grande a rentabilidade por mês de um ponto percentual é algo significativo, e o país tem privilegiado esse tipo de situação com as políticas adotadas desde 2015.

Mara e a poupança


Em clima de humor e ironia, a comentarista econômica da rádio CBN Mara Luquet dá umas boas risadas com o âncora Carlos Alberto Sardenberg, dizendo que, já que a poupança não está dando nada mesmo, “até” o marido dela resolveu tirar o dinheiro da poupança para comprar aquela cadeira de leitura que ela queria. “Já que tá perdendo dinheiro na poupança, vamos perder na cadeira”, reforça o âncora, deixando no ar a ideia de que o poupador é o bobo da vez.

“Eu não sei se é algo premeditado, se é orquestrado, se é preparado, não consegui descobrir ainda, mas o que me parece mais é que é uma situação com leitura errada. Uma análise feita incorretamente sobre a situação da poupança”, afirma o consultor Marcos Fontes, suspeitando de uma campanha da mídia contra uma instituição que existe no Brasil desde a época do Império, e que não deve ser comparada com alternativa de investimento. “Tá tudo certo, a poupança é o que ela se propôs a fazer sempre. Comparar a poupança com alternativas de investimento não é correto, ela não é alternativa de investimento, porque hoje, com essa facilidade tecnológica que ela tem com relação ao uso por meio do cartão de débito, ela virou um instrumento, uma conta mais fácil de ser manuseada do que uma conta corrente, ela se tornou (de custo) mais acessível do que outro mecanismo qualquer de uso de banco”, defende.

“Um banco era medido pelo número de contas correntes, mas hoje isso não pode mais ser assim. O banco tem de ser visto pela quantidade de cartões de débito relacionados às contas de poupança. Tem muito mais poupança do que conta corrente. Só a Caixa, meses atrás tinha 32 milhões de poupadores com cartões de débito. Se a Caixa tem 35% do mercado de poupança, nós temos aí poupadores com cartão na ordem de 40 milhões no mínimo”, calcula. “Então, a poupança não é só para a pessoa investir recursos; você pode colocar os recursos na poupança e usar eles da forma que quiser. O saldo tem uma correção, rende 6% ao ano”, afirma, concordando que se trata de uma espécie de conta remunerada, que se populariza por não ter o custo da conta corrente.

Indagado por que o mercado financeiro não teria interesse em estimular os depósitos na poupança, o consultor sustenta que é uma onda que não tem uma explicação clara. "A comunicação oficial dos bancos, por meio de analistas, é de olhar sempre a questão de rentabilidade. E se você olhar só o aspecto da rentabilidade, com certeza, você não fica na poupança. Como os analistas sempre estão comparando a poupança com Selic, com CDI, eles comparam somente o aspecto da rentabilidade, e aí está o erro”, destaca.

Ele também frisa que com o movimento para a informalidade, por meio do desemprego, a poupança volta a ser uma opção, porque ele vai evitar os custos que uma conta corrente tem. “E isso não é falado. Os bancos logicamente vão querer que você seja correntista, não tenha dúvida”, diz. E como caiu a a demanda por crédito imobiliário, os bancos têm interesse em que os recursos da poupança se destinem para outros nichos e isso talvez explique parte da aversão da mídia pela poupança neste momento.

O consultor diz ainda que existe uma sazonalidade na poupança, que tradicionalmente no segundo semestre de cada ano aumenta o movimento de depósitos, graças sobretudo à entrada do 13º salário. Fontes diz que essa sazonalidade não mudou, apesar da crise econômica. Dados mostram que “a poupança continua sendo um excelente meio de proteção contra a inflação para a economia popular”, avalia mesmo frente aos números recentes. “Quando você tem juros altos, você inviabiliza a demanda, mas quando baixar de novo essa taxa, o que todos esperam para os próximos anos, você vai ter uma situação propícia para o crédito imobiliário de novo”, diz. Mas ele também acredita que caso o crescimento seja retomado, o funding imobiliário com base na poupança vai se esgotar porque todo mundo está "malhando" a poupança. "Vai chegar um momento em que vamos ter de novo essa dificuldade."



 Fonte: Rede Brasil Atual

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Elevar idade para se aposentar: proposta irrealista




Elevar idade para se aposentar: proposta irrealista

Elevar idade para se aposentar: proposta irrealista

Carlos Drummond – CartaCapital

5 jul 2016


O adiamento, na terça-feira 28, do envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso pelo presidente interino Michel Temer é o segundo fracasso desse ponto da pauta socioeconômica mais regressiva de uma administração federal desde os anos 1990.

O cerne da proposição, de elevação da idade mínima de aposentadoria, foi recusado pelas centrais sindicais aliadas, convocadas pela segunda vez a ratificar a fórmula de Temer e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Aumentar a idade de aposentadoria é irrealista não só pela dificuldade de implantação, como mostra a reação até de parceiros, mas devido também a falta de correspondência entre os argumentos e a realidade em diversos aspectos, em um descasamento certamente não fortuito:

A comparação absurda entre o Brasil e países avançados

A maior parte da mídia utiliza como referência as idades mínimas mais elevadas vigentes em países avançados na tentativa de mostrar um presumido atraso do Brasil na área. Faltou comparar também as condições médias de trabalho, renda, moradia, transporte, ensino, saúde e bem estar social institucionalizadas há décadas naqueles países com a situação brasileira.

O contexto das sociedades avançadas garante uma vida digna, portanto um envelhecimento decente, ambos inatingíveis nas condições brutais à disposição da maioria da população do País, apesar de alguns avanços inegáveis nas últimas décadas. Equalizar idades mínimas de aposentadoria entre países avançados e o Brasil, em qualquer patamar, seria tratamento igual de desiguais, portanto injustiça flagrante.

Aos 50 anos, o trabalhador brasileiro está exaurido

Dada a baixa renda familiar predominante, o jovem com frequência se vê forçado a abandonar ou não chega a iniciar os estudos para obter ocupação remunerada e assim minorar a penúria doméstica.

Sob condições de trabalho raramente decentes, forçado a uma rotatividade de empregos imposta pelas empresas e legitimada pela legislação com o objetivo de perpetuar um ciclo de rebaixamento de salários, chega aos 50 anos inevitavelmente exaurido, quase sempre doente, sem dinheiro suficiente para comprar medicamentos e com probabilidade mínima de obter emprego.

Nessas condições, não cabe recriminá-lo por dar entrada a um pedido de aposentadoria para garantir uma “renda pequena mas certa”, anota o economista Amir Khair.

A idade mínima já aumentou com a regra 85/95

Um aumento de idade de fato já ocorreu. Como observou Khair em entrevista àCartaCapital, quem está na regra 85/95 recebe a média de 80% dos maiores salários. Quem não atingiu a regra 85/95 e contribuiu no mínimo por 35 anos, no caso dos homens, ou 30 anos, no caso das mulheres, multiplica aquela média pelo fator previdenciário. Mas quanto mais os anos passam, maior o tempo de sobrevida calculado todos os anos pelo IBGE, portanto a cada ano cai o fator previdenciário.

Sem manipulações contábeis, há superávits, não déficits

Falta sentido à proposta de aumento da idade para a aposentadoria pelas razões específicas expostas acima e também por uma questão mais geral e decisiva. A Constituição Federal estabelece que o Executivo deve elaborar e executar três orçamentos: fiscal, de investimento das empresas da União e da seguridade social.

O governo apresenta, entretanto, dados consolidados de apenas dois demonstrativos de execução orçamentária, o orçamento de investimento das empresas da União e o orçamento fiscal e da seguridade social. O último agrega as receitas e gastos fiscais e da seguridade num único orçamento.

Em consequência, as receitas próprias da seguridade social (contribuições sociais) aparecem unificadas às outras receitas de impostos pertencentes ao orçamento fiscal, assim como as despesas misturam-se para daí sair um resultado consolidado de dois orçamentos, concluiu a economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, após uma pesquisa profunda que embasou a sua tese de doutorado, referencial sobre o assunto. Respeitada a Constituição, portanto, não há déficit e essa é a interpretação legal e contabilmente defensável.

As contribuições previdenciárias são “brutalmente sonegadas pelas empresas”

Além da possibilidade de tornar a Previdência superavitária com o fim da manipulação contábil dos orçamentos constitucionalmente estabelecidos, é possível elevá-las de modo substancial, argumentam o economista José Dari Krein e o auditor fiscal do Trabalho Vitor Araújo Filgueiras, pesquisadores do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp.

A formalização do trabalho assalariado sem carteira assinada acrescentaria ao orçamento anual 47 bilhões de reais, o fim da remuneração “por fora” aos trabalhadores 20 bilhões, o reembolso pelas empresas das despesas com acidentes de trabalho 8,8 bilhões, a extinção do enquadramento de acidentes de trabalho como doenças comuns 17 bilhões, e a eliminação das perdas de arrecadação por subnotificação de acidentes, 13 bilhões.

Segundo os pesquisadores, os números evidenciam que “as contribuições previdenciárias são brutalmente sonegadas pelas empresas no Brasil”.

Acrescente-se a eliminação dos desvios de receitas e das renúncias fiscais e se terá uma previdência com fôlego para sustentar algo mais próximo do estado de bem estar social criado na Europa.

- do blog O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Lejeune Mirhan: Para onde vai a Turquia de Erdogan depois do golpe?

26 de Julho de 2016 - 16h00 

Lejeune Mirhan: Para onde vai a Turquia de Erdogan depois do golpe?


Passados dias de uma tentativa de golpe militar perpetrada – e frustrada – na Turquia, já temos condições de opinar com mais profundidade as razões do conflito e o mais importante: quais os rumos a Turquia de Erdogan tomará (e seu AKP). Vamos ver aqui um panorama geral do mundo árabe inserido na geopolítica mundial. Veremos também um pouco a correlação de forças no atual cenário mundial. Por fim, emitiremos algumas opiniões sobre os desdobramentos dos últimos acontecimentos.

Por Lejeune Mirhan*


Vidraça rompida por tiros no dia seguinte à tentativa de golpe de estado na Turquia

Vidraça rompida por tiros no dia seguinte à tentativa de golpe de estado na Turquia

Entende-se aqui por Oriente Médio, para efeitos de compreensão de nosso estudo, todos os 22 países árabes, incluindo os do Norte da África, mais o Irã e Turquia, com Israel no meio de tudo isso. Ou seja, falamos aqui de quatro nacionalidades e etnias: árabe, turca, iraniana e israelense.

O Oriente Médio (chamado de Oriente Próximo pelos europeus) vem sendo palco de grandes manifestações e conflitos desde pelo menos 17 de dezembro de 2010, quando, em Túnis, iniciou-se uma revolta a partir da imolação em praça pública de um vendedor de frutas desempregado (tinha concluído o nível superior inclusive). Muitos passaram a chamar esse movimento que derrubou o ditador Ben Ali, que ocupava o poder desde 1997, simplesmente de "primavera árabe".

O que ocorreu na verdade foram levantes das massas populares. As tais “revoluções coloridas”, que devastaram o leste europeu, tem o mesmo modus operandi e baseia-se nos mesmos materiais que lhe dão suporte teórico e ideológico, no caso Gene Sharp, filósofo dos Estados Unidos e dos movimentos Otpor, na Sérvia em 1998 e do CANVAS (Center for Applied Non Violent Action and Strategies). Movimentos ditos pela não violência, todos, sem exceção, na folha de pagamentos da CIA. Vivemos isso no Brasil nas manifestações de junho de 2013. O dedo mais claro dos Estados Unidos no que Pepe Escobar chama de “guerra híbrida”.

Vejam o que diz o manual das forças armadas dos Estados Unidos em 2010 sobre as guerras não convencionais: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos. […] Em um futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares”. Dito de outra forma, guerras não são travadas somente com armamentos militares. Neste caso, potências hostis são todo e qualquer país que conteste a hegemonia dos Estados Unidos, em especial os países do Brics.

Essas revoltas, que muitos chegaram a chamar de “revolução” – eu, inclusive – foram mais rápidas e breves, além de certa forma pacíficas apenas na Tunísia e Egito. Em países como a Líbia e a Síria, o dedo imperialista destruiu a Nação praticamente inteira. Na Líbia, além de matar o seu líder histórico, o coronel Muamar Khadafi, fragmentou o país em vários pedaços que ainda hoje não se unificaram. Na Síria o presidente Bashar al Assad segue no poder, denunciando uma agressão internacional – guerra por procuração – de potências regionais e mundiais para derrubá-lo e implantar um regime fiel ao imperialismo.

Interessante notar que essas tais “revoltas” acabaram ocorrendo apenas em países republicanos. Não se tem notícia de “revoltas” em monarquias. A única exceção o Barein, foi sufocada pelos país do Conselho do Golfo. No caso do Iraque, ele já havia sido destruído e Saddam morto desde a sua invasão de 2003, sob o comando de George Bush (filho).

Essa chamada “primavera árabe” – na verdade um verdadeiro inverno para o povo árabe – devastou praticamente toda a região. Em número gerais, há estatísticas que apontam a morte de (e feridos) 1,5 milhão de árabes e mais 15 milhões de deslocados (refugiados). Fala-se em prejuízos de US$ 830 bilhões e a destruição de quase toda a infraestrutura de países como o Iraque, Líbia, Síria, Iêmen entre outros.

Na prática e na realidade, essa tal “primavera” nada tinha a ver com “levar democracia e garantir direitos humanos” para os países árabes. Pura falácia. O objetivo mesmo era matar os principais resistentes – cada um à sua maneira – e lideranças árabes, como Saddam, Khadafi (esses mortos) e Bashar. Esses ataques além de serem de baixo custo (low cost), pois empregam mão de obra jihadistas barata e armamentos fornecidos pelos bilhões de dólares da Arábia Saudita, elas têm a características de derramar apenas sangue árabe (pouquíssimos soldados imperialistas morrem desde a desocupação do Iraque em 2012.

A Turquia nesse contexto

O mundo foi surpreendido por uma tentativa de golpe militar ocorrida na Turquia na sexta, dia 15 de julho, em um momento que seu presidente, Recep Tayyp Erdogan encontrava-se fora da capital. Para compreendermos em profundidade esses acontecimentos, eles devem ser situados em meio ao que falamos anteriormente das revoltas árabes, bem como da luta por um mundo multipolar, ou seja, pelo fim da unipolaridade representada pelos Estados Unidos e a hegemonia da sua moeda, o dólar. Nesse contexto, fortalecer ou enfraquecer o Brics torna-se questão central, assim como tem reflexos em tudo isso a saída da Inglaterra da União Europeia.

A Turquia é o país de maior percentual populacional de muçulmanos (quase 99%). Em contrapartida, provavelmente o mais laico de todos. O grande responsável por tais mudanças foi o chamado “pai dos turcos” (Atatürk) Mustafa Kemal por volta de 1922, quando a Turquia moderna foi estruturada e concebida.

Erdogan provavelmente é um dos líderes de países mais longevos no poder. Governou a Turquia como Primeiro Ministro por 11 anos seguidos (2003 a 2014) e exerce a presidência desde 28 de agosto de 2014, ou seja, controla o país com seu partido, o Partido pela Justiça e Desenvolvimento (AKP na sigla em turco) já por longos 13 anos. Alguns dizem inclusive que ele tem “nove vidas” ou político “teflon” (em uma alusão que nada de ruim gruda nele).

O grande sonho de Erdogan sempre foi integrar o seu país à União Europeia. Esse sonho lhe foi negado até hoje pelos principais líderes europeus, seja lá por quais argumentos. Isso significa uma operação arriscada na vida política de um líder de uma nação asiática. A primeira é dar as costas ao mundo árabe e muçulmano e a segunda é ficar na órbita dos Estados Unidos e da Alemanha/França. Ainda que não esteja na UE, a Turquia é membro da Otan – a aliança ocidental formada para cercar a antiga URSS – e cede uma das principais bases da aliança militar, que é a base de Incirlik, uma das maiores do mundo. Foi a partir dela que ataques ao Iraque foram desferidos na primeira agressão de 1991 e na segunda de 2003, entre tantas outras.

Erdogan nunca escondeu duas coisas em sua carreira política, ainda que a forma como ele a confessa é sempre dissimulada: a) a volta da islamização maior da Turquia (ele é membro da Irmandade Muçulmana, umas das mais antigas organizações do chamado Islã Político) e b) reconstruir o Califado Islâmico sendo ele o novo sultão (o Império Otomano acabou em 1922).

O descontentamento nas fileiras do exército turco quanto ao primeiro “sonho” já se manifestou de várias formas. Tentativas de golpe e revoltas militares – a maioria abafadas – foram várias. Os militares consideram-se guardiães da laicidade e da Turquia moderna. Quanto à segunda – a mais desastrada fez com que ele se aliasse ao projeto estadunidense de destruir os países e os líderes árabes que contestam a hegemonia dos Estados unidos.

Erdogan nesses anos todos, por sonhar com o Califado acabou se afastando de dois atores fundamentais no Oriente Médio: a Síria, o país árabe mais laico do mundo árabe e o Irã, com a sua democracia islâmica. Já há certo tempo vinha se desenhando na região um chamado “Arco da Resistência” da qual participa a própria Síria, o Irã, mais recentemente o Iraque, o maior agrupamento guerrilheiro da região que é o Hezbolá e em vários momentos e situações os Partidos Comunistas árabes (como é o caso especial da Síria onde os dois maiores participam do governo de Bashar). E, em certa medida, até o Líbano. Esse campo em ligação maior com a Rússia e o Brics.

No campo oposto a isso, vinham as monarquias do Golfo com os wahhabitas da Arábia Saudita os salafistas do Catar e a Irmandade Muçulmana, como seu braço turco de Erdogan, e o braço libanês da família Hariri. Esse campo é aliado preferencial dos Estados Unidos. Os grupos terroristas mais importantes da região – que jamais atacaram Israel, apenas países árabes – como a Al-Qaida, a Frente Nusra e o maior, que aglutina várias organizações, denominado Estado Islâmico (antigo ISIS/Daesh), ou foram formados pelos Estados Unidos ou são apoiados por eles. Erdogan integra esse campo e por isso vinha se afastando dos árabes há algum tempo e se aproximando inclusive de Israel.

As forças do golpe e os interesses envolvidos

Não faltaram analistas a afirmar que não houve golpe algum, mas uma simples encenação feita pelo próprio Erdogan ou um autogolpe. Não estou entre esses e a seguir abordarei esse aspecto. O que nos parece claro é o dedo dos Estados Unidos nesse movimento golpista. Não só pela demora com que condenou o golpe em si, mas pelos interesses econômicos e geopolíticos na Região.

Não há dúvida de que a sede do Império preferiria alguém mais dócil e mais previsível que Erdogan. Também ampliar os efetivos da Otan na Turquia é tudo que Obama e o stablishment americano querem, para ampliar o cerco à Rússia. Ainda que tímidas, as conversas com Putin vinham ocorrendo, pois há muitos interesses econômicos em jogo. Isso pode resultar em alteração de forças no arco da resistência ao imperialismo, beneficiando o povo e o governo sírio.

Há um sonho antigo de Moscou, de construir o Ramo Turco de um grande gasoduto que faça chegar o gás russo à Europa. Esse projeto é da ordem de US$ 15 bilhões. E também há grandes interesses em jogo na concretização de contratos para a construção de usinas nucleares na Turquia em valores da ordem de US$ 20 bilhões.

A questão militar é a mais delicada ainda. Em uma hipótese ainda remota – mas não impossível – de uma possível saída da Turquia da Otan, os EUA perderiam seu acesso ao estratégico Mar Negro (a convenção de Montreux de 1936, estabeleceu que países que não sejam banhados pelo Mar Negro não podem estabelecer navios de guerra na região de forma permanente).

Aqui não há a menor dúvida de que uma mudança de rota na política externa turca beneficia a Síria (evita a sua balcanização, porque Erdogan não quer ouvir falar de um estado do Curdistão), isola os wahhabistas sauditas e os salafistas catarianos, bem como preocupa Israel. Uma possível saída da Turquia da órbita ocidental também beneficia a chamada novas rotas da Seda (China e Irã).

Desdobramentos da tentativa de golpe

Aqui é preciso registrar o importante papel tido pelo povo turco. Independentemente de apoiarem ou não o governo de Erdogan – e nesse sentido a Turquia estava dividida – foram para às ruas para defender a sua democracia e expulsar os militares de volta para onde nunca deveriam ter saído: os quartéis.

Desde os primeiros momentos, com a confusão das informações e manipulações da mídia ocidental, ficou difícil distinguirmos os cabeças do golpe. Hoje pelo menos três altos oficiais estariam envolvidos, dois da ativa e um da reserva: general Adem Huduti, comandante do 2º exército; Erdal Ozturk, comandante do 3º exército e o ex-comandante em chefe da força aérea turca brigadeiro Akin Ozturk.

Os expurgos nas fileiras militares vão para a casa dos milhares. Ainda que os números venham crescendo muito, até o dia 18 de julho tínhamos 2.839 altos oficiais presos, entre eles vários generais (alguns falam em cinco outros em “várias dezenas”). Além disso, registra-se a demissão de 8.777 policiais (sabendo que a polícia turca trabalha sob comando do exército).

Entre os civis, a limpeza que Erdogan, com sua mão de ferro, vem fazendo é também na casa dos milhares. Os dados indicam 7.543 civis presos. Alguns órgãos de mídia falam em mais de 20 mil prisões. A limpa chega ao poder judiciário. Foram presos e/ou demitidos sumariamente 2.745 juízes e procuradores, sendo que dez deles da Suprema Corte de Justiça (o nosso STF daqui).

Um dos dedos apontados por Erdogan na liderança do golpe foi para o clérigo, líder do Movimento Hizmet, Fethullah Gülen que mora nos Estados Unidos. Existem informações confiáveis de que ele mantém fortes vínculos com a CIA e por ela é protegido. Possui nacionalidade norte-americana. Seu movimento religioso islâmico procura construir mesquitas em várias partes do mundo (a Rússia não permitiu). Ele negou qualquer envolvimento no golpe. Fala-se que Erdogan pediria a sua extradição e Obama deve negar.

Algumas primeiras conclusões

Ao que tudo indica, é muito provável que ocorrerá uma mudança de rumo na política externa turca. Penso que olhando o cenário complexo em curso na região, Erdogan vai deixar de lado seu antigo sonho de “virar europeu” e voltar a se aproximar de seus vizinhos asiáticos. Isso irá beneficiar imensamente o conflito na Síria, pois pode fazer cessar a rota de suprimentos aos terroristas do EI, bem como a compra de seu petróleo roubado do Iraque, principal fonte de financiamento do terror. Erdogan já declarou todos os grupos acima mencionados como terroristas.

Erdogan terá que se voltar mais para a Eurásia e Oriente Médio árabe. Deverá esquecer, momentaneamente ou para sempre, seu sonho de sultão e da volta do Califado. Deve dialogar com os xiitas do Irã e as diversas outras correntes do Islã.

É preciso monitorar o impacto que os expurgos no exército podem causar na unidade das forças armadas turcas. Do meu ponto de vista, o exército sai enfraquecido e de certa forma dividido inclusive.

Ao mencionar que se estuda hoje na Turquia voltar a adotar a pena de morte é a clara manifestação de que estariam pouco se lixando ao fato de que só pode ser admitido na UE os países que aboliram a pena capital.

Prevendo já a mudança política na Turquia, no primeiro momento do golpe e da luta do povo turco em defesa da democracia, o ministro das relações exteriores do Irã, Mohammad Javad Zarif, emitiu nota saudando o bravo povo turco que tomou às ruas pela democracia. Isso faz aproximar Erdogan do Irã. E isso fortalece o arco da resistência.

Por fim, a aproximação com a Rússia. Já há tempos o “R” do Brics vem fazendo importantes movimentos geopolíticos mundiais onde se percebe a tentativa da volta da Rússia ao patamar do que um dia foi a URSS. Claro que falta ainda algum chão para se igualar, mas os acordos e alianças que a Rússia vem fazendo a coloca como um dos grandes players no cenário geopolítico mundial. Hoje a presença no mundo árabe já é muito grande. Até o Egito já estabeleceu diversos tipos de acordos bilaterais.

Se os acontecimentos na longínqua Turquia podem facilitar o caminho da multipolaridade e o fortalecimento do Brics e certo isolamento dos EUA na Ásia, por aqui em nosso Brasil varonil, vamos de mal a pior. Os golpistas capitaneados pelo PMDB/PSDB de Temer, Cunha, Serra e Aécio já falam em tirar o “B” do Brics, de forma que, se vingar mesmo o golpe no senado em agosto, o Brics virará apenas Rics e, claro, seus países ficarão mais fracos. Para alegria dos Estados Unidos.

Anotações bibliográficas: este artigo só foi possível, graças a exaustivas leituras de autores como Pepe Escobar, Andrew Korybko, M K Bhadrakumar, Karim Balci e Ahmed Bensaada.


* Sociólogo, especialista em Política Internacional. Foi professor de Sociologia da Unimep. Foi presidente da Federação Nacional dos Sociólogos do Brasil e Vice-Presidente de Relações Internacionais da Confederação Nacional das Profissões Liberais e presidente do SINDSESP. Possui nove livros publicados nas áreas de Política Internacional e Sociologia. É colaborador dos portais Fundação Graboi

domingo, 24 de julho de 2016

ASSISTA! Ricardo Musse diz que o golpismo é a regra no Brasil





Fundação Maurício  Grabois

VÍDEOS

ASSISTA! Ricardo Musse diz que o golpismo é a regra no Brasil

CEZAR XAVIERPUBLICADO EM 18.07.2016
No sábado, 9 de julho de 2016, o sociólogo Ricardo Musse discutiu diferenças e similitudes entre os golpes no Brasil, durante o IV Seminário Nacional de Estudos Avançados do PCdoB.

Foto: Cezar Xavier

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